Opinião

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O controle externo do Judiciário

A Comissão de Constituição e Justiça do Senado (CCJ) deu, no último dia 17 de março, um passo importante para a modernização da Justiça brasileira ao aprovar o relatório da reforma do Judiciário. As principais medidas da reforma são as seguintes: controle externo do Judiciário com a criação do Conselho Nacional de Justiça; proibição do nepotismo, ou seja, da contratação de cônjuges e parentes até segundo grau em cargos de confiança no âmbito da jurisdição de cada tribunal; quarentena, com a fixação de três anos para juízes e membros do Ministério Público exercerem a advocacia após deixarem o cargo por aposentadoria ou exoneração; Súmula Vinculante, obrigando os tribunais de primeira instância a seguirem as sentenças do Supremo Tribunal Federal; e, Súmula Impeditiva de Recurso, permitindo ao juiz julgar cada caso conforme o seu entendimento, mas se a decisão for idêntica à da súmula não serão admitidos recursos ao STJ e TST.

O aspecto mais polêmico e que julgamos mais relevante é da instituição do controle externo do Judiciário. O PT defende esta proposta desde a Constituinte que aprovou a Constituição de 1988. Eu mesmo apresentei uma Proposta de Emenda Constitucional propondo o controle externo em 1996. Se a proposta de reforma do Judiciário prosperar, o controle externo será exercido pelo Conselho Nacional de Justiça, composto por 15 membros. Desses, 9 serão indicados pelo próprio Judiciário; 2 pela OAB; 2 pelo Ministério Público; 2 pela sociedade civil, sendo um aprovado pelo Senado e outro pela Câmara.

A proposta de controle externo do Judiciário não incidirá sobre a atividade jurisdicional dos juízes. Entende-se por atividade jurisdicional a faculdade que os juizes têm de julgar e emitir sentenças. Essa atividade deve ser privativa dos juízes, exercida com independência e sem interferência externa.

Assim, a proposta de controle externo deve ser entendida como o exercício do controle administrativo e disciplinar do Poder Judiciário. O controle externo do Judiciário é uma exigência do próprio Estado Democrático de Direito. Nas democracias modernas, nenhum poder do Estado pode ficar sem algum tipo de controle da sociedade. Uma das formas pela qual a sociedade controla os poderes Executivo e Legislativo, por exemplo, é através das eleições periódicas mediante as quais remove ou revalida os mandatos dos representantes. A teoria democrático-republicana moderna estabelece ainda que os três ramos principais do Poder - Executivo, Legislativo e Judiciário - instituam um complexo sistema de freios e contrapesos através do qual cada um dos poderes controla os outros.

Na medida em que os juízes ascendem ao exercício da atividade jurisdicional através de concurso público não estão submetidos ao controle direto da população como os integrantes do Executivo e do Legislativo. A especificidade de suas funções e o caráter técnico da sua atividade demanda, no entanto, um tipo diferenciado de controle social. No último meio século a função judicial passou por uma enorme revalorização tendo como conseqüência uma ampliação sem precedentes da estrutura administrativa e funcional do Poder Judiciário. O crescimento da importância desse Poder e a ampliação de sua esfera de atuação impuseram, também, a exigência democrático-republicana do estabelecimento de mecanismos mais apropriados e eficazes de seu controle. No Brasil, no entanto, a ampliação administrativa e funcional do Poder Judiciário não se fez acompanhar pela instituição dos devidos mecanismos de controle. É essa defasagem que a reforma do Poder Judiciário, em curso no Congresso Nacional, pretende superar.

A referida defasagem fez com que o Judiciário, no Brasil, se desenvolvesse a partir de um viés independente e corporativo em relação aos demais poderes e à própria sociedade. Da mesma forma que o poder é insulado de controles, os próprios indivíduos-membros desse poder adquirem uma autonomização individual desobrigando-os de prestações de contas internas. Trata-se, portanto, de buscar um modelo equilibrado de controle, evitando a subordinação dos juízes e integrantes do Ministério Público aos poderes políticos, partidários e de outros grupos de representação social, mas bloqueando o independentismo corporativo da magistratura e a atividade arbitrária dos membros do Judiciário e do Ministério Público. Por isso, o controle externo tem um endereço certo: trata-se de estabelecer o controle administrativo e disciplinar desse fundamental poder do Estado Democrático de Direito.

O controle externo, ao mesmo tempo que garante a independência da atividade especificamente jurisdicional, estabelece um contrapeso através controle administrativo e na busca da responsabilidade individual dos juízes. É importante notar que o Conselho Nacional de Justiça, órgão que virá a ser controlador e disciplinador do Judiciário, não estará submetido nem ao Executivo e nem ao Legislativo, fator que garantirá a autonomia do Judiciário em face a esses poderes.

20 de Março de 2004

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