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VOTAÇÃO

CCJ pode decidir sobre descriminalização do aborto na próxima semana

Eltom Bomfim
Na próxima semana, a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) deve votar o parecer do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) contrário ao Projeto de Lei 1135/91, que modifica o Código Penal (Decreto-Lei 2.848/40) para suprimir a criminalização do aborto. Mesmo com os integrantes da comissão divididos sobre a matéria, o relator, que é presidente da CCJ, garantiu que o texto irá à votação, apesar de alguns deputados defenderem a retirada da matéria da pauta da comissão.

“Vamos votar o projeto. Quem for a favor que vote pela aprovação. Quem for contrário que vote pela rejeição. Não podemos mais adiar”, disse o parlamentar, logo após a segunda audiência pública para debater o PL 1135/91, realizada no dia 2 de julho. Durante quase quatro horas, representantes do meio jurídico, de organizações não governamentais e pesquisadores discutiram com os deputados o teor do projeto e apresentaram números divergentes sobre a prática do aborto no Brasil.

O deputado Leonardo Picciani (PMDB-RJ) defendeu o parecer do relator, contrário à descriminalização, que momentos antes tinha sido qualificado de “imprestável” pelo juiz Roberto Loréa, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. “O relatório tem base jurídica”, disse Picciani, para, em seguida, lembrar que a Constituição é clara ao garantir o direito à vida.

Picciani criticou aqueles que tentam valorizar as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o assunto e esvaziar as posições de deputados. “Nesta fase, a competência é do Congresso Nacional, é a Constituição que diz isso. Somos os representantes do povo, portanto cabe a nós legislar”, disse. Em seu parecer, Eduardo Cunha declara que o PL 1135/91 contraria a Constituição, que assegura a inviolabilidade do direito à vida.

O deputado José Genoino (PT-SP), autor do PL 176/95, que tramita em conjunto com o PL 1135/91, disse que a discussão na CCJ não deveria ser sobre o aborto, mas sobre como enfrentar a violência contra a mulher. Para Genoíno, se a tese da criminalização fosse correta, os países que têm uma legislação mais liberal não apresentariam estatísticas decrescentes sobre mortes entre mulheres. Ele afirmou que, no Brasil, quem tem dinheiro pode realizar aborto de forma segura, mas as mulheres de baixa renda não podem. Genoíno também disse que ninguém de bom senso vai defender a prisão de 1 milhão de mulheres (estimativa do total das que cometem aborto no país, a cada ano).

Influência internacional

O deputado Dr. Talmir (PV-SP), por sua vez, criticou as conferências mundiais que defendem legislações pró-aborto. “São posições antivida”, disse. Ele afirmou que o Brasil não pode ser influenciado por entidades internacionais que financiam muitas das pessoas que vêm ao Congresso Nacional defender o aborto. Dr. Talmir também citou trechos bíblicos, como o que João Batista estremece ao saber que Maria estava grávida de Jesus. “A vida começa no ventre, está na Bíblia”, declarou. Para o deputado, o aborto não será legalizado no Brasil.

Já o deputado Eduardo Valverde (PT-RO) disse que o direito brasileiro considera que o bem maior a ser protegido é a mulher e, por isso, permite o aborto nos casos de risco de vida à gestante e de estupro. O deputado afirmou, no entanto, que não é possível negar a existência de um mercado de aborto clandestino, “independente da lei que pune”. “Criminalizar, prender a mulher que fez aborto por falta de assistência pública adequada seria a melhor solução? Ou melhor seria compreendê-la e criar condições para que ela decida sobre a sua vida?”, questionou.

Números divergem entre favoráveis e contrários ao aborto

Para o secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Pedro Abramovay, a criminalização do aborto no Brasil teve como objetivo reduzir a incidência dessa prática - mas isso não aconteceu. “Não há correlação entre criminalização e redução na incidência do aborto. Enquanto política pública, ela é ineficaz”, disse.

De acordo com o secretário, a criminalização afeta muito mais as mulheres pobres e, do ponto de vista da Constituição, isso é inaceitável. Abramovay lembrou que vários países já decidiram pela inconstitucionalidade da criminalização do aborto, e citou os casos de Estados Unidos, Alemanha, Espanha e França.

A professora Débora Diniz Rodrigues, representante do Instituto de Bioética, Direito Humano e Gênero, citou dados de pesquisas realizadas nos últimos 20 anos, que traçam o perfil da mulher brasileira que se submete ao aborto. Em sua maioria, têm entre 20 e 29 anos, com um filho e são católicas. Uma das pesquisas aponta que cerca de 3,7 milhões de mulheres já praticaram alguma forma de aborto no Brasil. “Vamos mandar para cadeia 3,7 milhões de mulheres?”, indagou, acrescentando que o aborto é uma prática decidida no âmbito da ética privada das mulheres.

Redução de abortos

Defensor da política anti-aborto, o procurador do Estado do Rio de Janeiro Paulo Leão lembrou que na Espanha, onde a prática foi legalizada, ocorreram 100 mil abortos só no ano passado, e que esse número é crescente. “No Brasil, onde o aborto é crime, pelo contrário, os números diminuem. No passado, já foi de 350 mil por ano, e hoje é de 150 mil”, disse.

Diferentemente de Abramovay, o procurador relatou aumento do número de abortos onde houve legalização. Segundo o procurador, nos Estados Unidos, o número de abortos cresceu de 200 mil para  quase 1,5 milhão por ano, após a descriminalização da prática em vários estados norte-americanos.

Já Maria José Rosado Nunes, da ONG Católicas pelo Direito de Decidir, respondeu ás acusações de que a entidade estaria recebendo recursos de entidades internacionais. “Recebemos sim e nossas contas são abertas. Mas é preciso dizer que existem grupos antiaborto que também são financiados por organismos estrangeiros”, destacou.

O juiz Roberto Loréa pediu, no encerramento da audiência, que os debates contemplem representantes de outros credos religiosos, e não apenas católicos e evangélicos. “Para um debate democrático, seria bom ouvir outras pessoas de outras crenças, uma mãe de santo, um xamã, adventistas, judeus, e, por que não, ateus.” A presidente do Psol, a ex-senadora Heloísa Helena, lembrou, então, que dentro das várias crenças existem pessoas pró e contra o aborto.

Distorções em pesquisas

A ex-senadora Heloísa Helena, presidente do Psol, destacou a necessidade de que os números sejam “trabalhados de maneira honesta”, para evitar que um lado ou outro utilize dados de forma distorcida. Segundo ela, o banco de dados do Sistema Único de Saúde (Datasus) mostra que, das quase 400 mil mortes de mulheres no Brasil, 1.672 ocorreram por causas ligadas à gravidez, parto e puerpério (período que se segue ao parto). Ela informou que, desse total, 46 mulheres morreram por aborto provocado.

Heloísa Helena, formada em enfermagem e professora da Universidade Federal de Alagoas, cobrou do Ministério da Saúde recursos para financiar outras pesquisas sobre o aborto. Ela também afirmou que existe um mercado de clínicas de aborto que está “palpitando” pela legalização. “Empresas privadas aguardam a legalização para ganhar mais dinheiro com o aborto”, garantiu.

Fonte: Jornal da Câmara

04 de Julho de 2008

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