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Aborto

Lançado em São Paulo comitê pró-legalização do aborto

Carta Maior

Da Carta Maior 

No Dia Internacional de Luta pela Saúde da Mulher, organizações feministas lançam comitê contra criminalização do aborto e em defesa da legalização da prática. Objetivo é garantir intervenção segura, via SUS, também para as mulheres pobres.
Bia Barbosa


SÃO PAULO – No mundo todo, mais de 71 mil mulheres morrem anualmente por complicações decorrentes do aborto inseguro. No Brasil, a estimativa é de um milhão de interrupções clandestinas realizadas, sendo que o Sistema Único de Saúde atende, em média, a 250 mil mulheres por ano com infecções e hemorragias, em decorrência de abortos mal feitos. No Brasil, a prática já é a quarta causa de mortalidade materna. Diante deste quadro, dezenas de organizações feministas escolheram o Dia Internacional de Luta pela Saúde da Mulher, comemorado nesta segunda-feira (28), para lançar em São Paulo o Comitê de Luta Pela Legalização do Aborto.

Numa manifestação promovida nas escadarias do Teatro Municipal, no centro da capital paulista, elas afirmaram que o aborto deve ser tratado como uma questão de saúde pública. E explicaram que, na sua avaliação, quem sofre as piores conseqüências da atual legislação são as mulheres pobres. Desde 1940, o Código Penal brasileiro determina que, salvo em casos de risco de vida e estupro, a mulher que aborta pode ser condenada a até três anos de prisão. Em 1999, o Ministério da Saúde regulamentou o atendimento nos dois casos de aborto previstos na lei e, em 2005, uma norma federal estabeleceu procedimentos para o atendimento dos casos de abortos praticados de forma clandestina que chegam aos hospitais.

No entanto, a grande maioria das mulheres que precisam recorrer ao serviço público após complicações resultantes de interrupções de gravidez mal feitas faz parte da população carente. É a mesma mulher que, em função de suas condições sócio-econômicas, não teve acesso a métodos contraceptivos e anticoncepcionais.

“A gravidez indesejada é um problema sobretudo para as mulheres que estão na periferia. A maioria é jovem, já engravidou uma vez e torna a engravidar, mas não tem como recorrer às clínicas clandestinas, porque são caras. Aí ela recorre a remédios, que são a forma mais cruel de interrupção, porque provocam hemorragia imediata. Se não for socorrida, a mulher morre na hora”, explica Kika da Silva, do Fórum Paulista de Mulheres Negras, uma das entidades que integram o Comitê lançado em São Paulo nesta segunda. “Quando esta mulher chega ao hospital público e os profissionais percebem que fez um aborto, ela é maltratada. Muitas ficam no corredor. Falecem ou ficam com seqüelas. Há conseqüências drásticas”, relata.

A opinião das organizações feministas é a de que o governo brasileiro tem obrigação de criar mecanismos para reduzir as mortes e seqüelas para a saúde das mulheres que fazem abortos nessas condições inseguras. Esta é uma reivindicação histórica do movimento, que foi aprovada na I Conferência Nacional de Políticas Públicas para as Mulheres, de 2004.

“Quem tem dinheiro já faz o aborto sem risco. Queremos agora mudar a legislação para que todas que queiram e precisem também tenham acesso a isso. O aborto é crime no Brasil desde 1940 e isso não tem evitado a prática. Hoje, muitas mulheres perdem a vida por uma política que não garante o direito à maternidade como escolha da mulher”, afirma Dulce Xavier, da organização Católicas pelo Direito de Decidir. “Vivemos num país laico, que deve fazer políticas públicas sem influência de nenhuma religião. Temos que respeitar todas as manifestações religiosas, mas queremos que a saúde pública respeite a cidadania de todas as mulheres”, completa.

Atualmente, há diversos projetos em tramitação na Câmara dos Deputados relacionados à não criminalização e à legalização do aborto. Um deles, de autoria do então deputado José Genoíno (PT-SP), propõe a legalização da interrupção até a 12ª semana de gravidez, quando o feto ainda não desenvolveu o córtex cerebral. Este e os demais projetos estão neste momento na Comissão de Seguridade e Família, a primeira da Câmara que os avaliará. Nesta semana, os presidentes da Câmara e do Senado devem receber uma carta elaborada pelo Conselho Nacional dos Direitos da Mulher que reivindica a legalização do aborto no Brasil. O movimento feminista também deve organizar, nos próximos dias, reuniões com os deputados e deputadas autores dos projetos em tramitação.

“Hoje há um número cada vez maior de jovens fazendo abortos clandestinos. Jovens que estão morrendo por isso. Então é uma questão de saúde pública, sim. E aí não basta descriminalizar o aborto e tirá-lo do Código Penal, mas dar a oportunidade para que o Estado assuma seu papel na saúde da mulher. Legalizando, teremos a saúde pública atuando nos procedimentos médicos, que precisam ser garantidos”, explica Vera Machado, da Secretaria de Mulheres do Partido dos Trabalhadores. “Ninguém está defendendo que todas as mulheres façam um aborto. Mas esta se tornou uma questão de classe”, completa.

Redução da prática
Em países onde a prática de interrupção da gravidez é permitida, como nos Estados Unidos, Holanda e Turquia, o número de abortos realizados é proporcionalmente menor ao do Brasil. Na avaliação das entidades do movimento de mulheres, com a legalização, o número de abortos praticados tende a diminuir.

Para Lurdinha Rodrigues, da Liga Brasileira de Lésbicas, isso deve ocorrer porque a legalização deve ser acompanhada de uma ampla campanha de informação acerca dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. “Nenhuma mulher faz aborto porque gosta nem tampouco porque este é o caminho mais fácil. Faz em último caso; é uma intervenção. Mas a possibilidade de interromper a gravidez deve ser um direito garantido no processo de decisão de se ter ou não um filho. Se a mulher tem condições de decidir com segurança e tranqüilidade esta questão, a saúde de todas será beneficiada”, acredita Lurdinha.

Nos próximos meses, as ações do comitê de São Paulo, que permanece aberto a adesões, devem se intensificar. O objetivo é fazer uma ampla campanha, com atividades de rua em todo dia 28, até o mês de setembro, quando se celebra o dia contra a criminalização do aborto em toda a América Latina. As feministas também esperam que outros estados abracem a iniciativa e lancem comitês com o mesmo objetivo, de ampliar o debate sobre o assunto na sociedade.

“Esta é uma campanha pelo direito e pela autonomia das mulheres de decidirem sobre sua maternidade. Isso passa pelo nosso corpo, mas vai além: é nossa vida. Não vai haver liberdade, autonomia e a maternidade não deixará de ser uma imposição enquanto o aborto não for legalizado. É uma luta radical, mas os setores conservadores são radicais em seu direitismo. Então temos que ser radicais e envolver cada vez mais pessoas nesta luta”, conclui Nalu Faria, da Sempreviva Organização Feminista (SOF) e da Marcha Mundial das Mulheres, que também integram o comitê.

Para saber mais sobre o comitê, visite a página http://legalizacaodoaborto.bravehost.com

29 de Maio de 2007

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