Opinião

Versão para impressão  | Indicar para amigo

Liberdade de opinião e disciplina partidária

O debate em torno da possibilidade de punição da senadora Heloísa Helena e de mais três deputados do PT tem sido marcado por uma profunda confusão conceitual. Essa confusão vem sendo patrocinada por alguns dos intelectuais e articulistas que mais cobram coerência e clareza de critérios, de conceitos e de procedimentos dos outros. Mas, ao que parece, estão pouco dispostos a exigir de si mesmos os rigores que exigem do PT.

Ressalve-se, no entanto, que existem intelectuais e colunistas que têm criticado o PT e o governo com argumentos consistentes, que precisam ser levados em conta, e com os quais os petistas devem manter o respeito e o diálogo.

Um dos argumentos mais brandidos pela cruzada da coerência sustenta que a eventual expulsão dos quatro parlamentares se deveria às suas opiniões. Se o PT fosse coerente, dizem, deveria excluir do convívio petista intelectuais de renome que criticam o governo, particularmente a condução da política econômica. É difícil entender se esse tipo de argumentação expressa má-fé ou, simplesmente, confusão conceitual e desinformação sobre o que realmente está implicado no processo disciplinar que envolve os parlamentares em questão.

Para que o debate adquira coerência e se situe num terreno lógico de compreensão comum, é preciso deixar claro que os parlamentares não serão expulsos devido às suas críticas ao PT ou ao governo. A direção do PT articulou alguns pactos com os parlamentares, esclarecendo que eles estavam livres para emitir críticas e opiniões acerca dos rumos do governo. Bastava que votassem de acordo com as deliberações das instâncias partidárias. Todos esses pactos foram rompidos unilateralmente pelos parlamentares incursos no processo disciplinar. Além de fazer uma oposição sistemática ao governo, eles votaram contra as determinações expressas das instâncias partidárias, aliando-se a setores da oposição. Assim, se eles forem expulsos, será em razão da indisciplina partidária.

Sustentar que eles são vítimas por serem fiéis às teses históricas do PT é algo que não resiste a uma simples análise dos fatos. As teses históricas de um partido são definidas pelas maiorias partidárias. Esses parlamentares sempre foram minorias dissonantes em relação à tradição histórica do PT. Isso quer dizer que eles são incoerentes com as posições legítimas que o partido vem defendendo ao longo do tempo. O PT começou a definir sua atual trajetória ideológica e programática no seu primeiro congresso, em 1991. De lá para cá, encaminhou um processo democrático de mudanças que culminou com os posicionamentos programáticos que serviram de base para a campanha de Lula à Presidência. As diretrizes gerais que o governo Lula vem adotando expressam uma linha de continuidade desse movimento de mudanças.

Para que o debate possa fugir do maniqueísmo e adquirir uma relevância conceitual, os que acusam o PT precisam anunciar qual sua concepção de partido e de disciplina partidária. No nosso juízo, num partido político deve haver a primazia do coletivo e das instâncias partidárias sobre a vontade dos indivíduos. Sem a primazia da vontade coletiva e das instâncias partidárias, a rigor, não há partido político. Partido político, por princípio, significa vontade coletiva e disciplina.

Esse conceito de partido, no entanto, não pode nem deve anular a liberdade de opinião e de debate, seja ela interna às instâncias ou na forma de expressão pública das opiniões de dirigentes e filiados. O PT sempre combinou esses dois princípios: liberdade de opinião e de crítica e unidade de ação, com disciplina de voto das bancadas.

Se a vida dos partidos deve ser orientada por um bom e democrático estatuto normativo, então um partido, principalmente quando adota decisões legítimas em suas instâncias dirigentes, não pode se submeter ao arbítrio da vontade individual de poucos. Isso significaria derrogar o próprio conceito de partido político. O que está em jogo no PT é o conceito de partido e a unidade e a disciplina partidárias, não o direito de opinião, que é garantido a qualquer filiado. Para exemplificar essa garantia, basta dizer que três senadores teceram críticas públicas a aspectos da reforma da Previdência e, no entanto, seguiram a disciplina de bancada, votando de acordo com as determinações partidárias.

O debate em torno da atitude que o PT adotará com os parlamentares dissidentes é importante porque se projetará sobre o conteúdo da reforma política que está em curso na Câmara. O anteprojeto do relator Ronaldo Caiado (PFL-GO), por exemplo, prevê a adoção do voto em lista fechada nas eleições proporcionais. Esse sistema induzirá à compreensão de que o mandato parlamentar pertence ao partido, e não ao indivíduo. O PT já consagra esse princípio em seus estatutos. Aspectos do anteprojeto precisam ser melhorados, é verdade. Mas o seu sentido geral sinaliza o fortalecimento dos partidos políticos.

É esse debate conceitual e de conteúdo que interessa à opinião pública democrática, e não o maniqueísmo e o sensacionalismo lamuriante, que a nada conduzem.

12 de Dezembro de 2003

Busca no site:
Receba nossos informativos.
Preencha os dados abaixo:
Nome:
E-mail: