Opinião

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As negociações da Alca

Intensificaram-se nas últimas semanas, no governo, na mídia e na sociedade, os debates sobre as negociações da Alca. O debate é necessário, pois as condições de adesão do Brasil à Área de Livre Comércio das Américas produzirão repercussões estratégicas sobre o futuro do nosso país e envolvem interesses contraditórios dos setores produtivos e dos trabalhadores. No mundo globalizado, a ampliação dos espaços de atuação internacional do Brasil e o incremento do comércio externo são decisivos para atenuar os impactos das determinações internacionais sobre a nossa economia.

A conquista de novos espaços internacionais pode proporcionar também novas oportunidades para o Brasil em várias áreas econômicas e culturais. Nessa perspectiva, a Alca é uma construção desejável. O problema central a ser discutido pela sociedade brasileira e pelos agentes políticos e econômicos é o formato que ela deve adquirir. A questão da Alca não pode ficar polarizada entre negociar ou não negociar. O foco deve estar centrado em o que negociar. Assim, se é verdade que nas negociações da Alca o Brasil não deve adotar uma abordagem ideológica, também não pode adotar uma postura ingênua, passiva e submissa diante dos interesses hegemônicos dos Estados Unidos.

O governo norte-americano, ao que parece, quer imputar ao Brasil, injustificadamente, a pecha de que é o responsável pelo bloqueio das negociações, atribuindo ao nosso país uma intencionalidade de inviabilizar a Alca. Tanto o presidente Lula quanto o Itamaraty têm reiterado o desejo de viabilizar a Alca. Mas essa viabilização não poderá ser feita à custa do sacrifício de interesses nacionais, com prejuízos para a nossa economia, para vários setores produtivos e para os trabalhadores. Por isso, a postura firme, mas aberta ao diálogo e à construção de avanços nas negociações, que os negociadores brasileiros vêm adotando é merecedora do apoio do PT e da sociedade.

É preciso entender que um processo de negociação dessa magnitude não é linear. Ele está implicado numa série de intenções encobertas, de linhas de avanços e recuos, de interesses não explicitados e até mesmo de ardis, que muitas vezes não são perceptíveis à primeira vista. O Itamaraty tem uma experiência acumulada em negociações internacionais, não cabendo desconfianças quanto à sua competência no encaminhamento das posições brasileiras nos fóruns internacionais. O que governo e sociedade precisam fazer é construir posições mais consensuais sobre nossa política externa e o comércio internacional. Quanto mais aparecer unificada a posição brasileira, menor será a fragilidade dos nossos negociadores.

É preciso entender também que, se o Brasil pode ganhar muito com o advento da Alca, a depender do seu formato, pode também perder. O Brasil é, certamente, o país que tem o maior parque industrial entre os latino-americanos, tem uma agricultura pujante e um setor de serviços em desenvolvimento e modernização. Não podemos deixar que os avanços desses setores produtivos sejam destruídos por um acordo mal feito pela pressa do adesismo. Em algumas áreas, como agricultura, aço e outros produtos manufaturados, em que somos competitivos, os Estados Unidos não estão dispostos em alargar o leque da agenda da Alca para que esses produtos sejam incluídos. É legítimo, desta forma, que o Brasil também interdite pontos da agenda favoráveis aos Estados Unidos e desfavoráveis ao Brasil. A perspectiva que o Brasil deve ter nas negociações é a de superar os impasses, mas de forma equilibrada, com contrapartidas e com concessões equivalentes de ambas as partes.

A especificidade e o peso do Brasil no contexto da Alca fazem com que ele deva combinar duas táticas. Ao mesmo tempo em que deve defender as especificidades de seus interesses, deve também saber interpretar as demandas e os interesses dos demais países latino-americanos. A combinação dessas duas táticas impedirá tanto o capitulacionismo quanto o isolacionismo do Brasil. É com essa perspectiva que o Brasil deve procurar fortalecer uma posição comum do Mercosul e também da América do Sul, visando a produzir uma correlação de forças mais balanceada e impedindo conseqüências ruinosas para o futuro das economias da região.

Falta aumentar, no Brasil, a intensidade de participação e de mobilização política em torno do tema da Alca. É preciso envolver mais os empresários, os trabalhadores, a juventude e os partidos na discussão da Alca, chamando todos a participar desse processo de definição de interesses e objetivos para que se possam expressar de forma unitária nas negociações. Somente assim a sociedade brasileira saberá dizer a Alca que quer. Caso contrário, poderemos ingressar numa Alca definida apenas por alguns setores do governo ou do empresariado. É por essa razão também que não se pode descartar, a priori, a proposta do PT que sugere a possibilidade de convocação de um referendum para legitimar ou não o ingresso definitivo do Brasil na Área de Livre Comércio das Américas.

25 de Outubro de 2003

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