Opinião

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A nova política externa

Com a posse do presidente Lula, o Brasil começou a imprimir um novo viés em sua política externa. É difícil de enquadrar conceitualmente o novo posicionamento externo do País. Alguns o denominam de "política externa independente". Mas esse conceito era válido na época da guerra fria e caracterizava a relação de independência que um país matinha em relação aos dois blocos ideológicos: o bloco ocidental, liderado pelos Estados Unidos, e o bloco do Leste, liderado pela ex-União Soviética. Naquele contexto, os países eram alinhados a um ou outro bloco ou eram independentes.

Talvez o conceito que melhor caracterize a atual postura externa do Brasil possa ser traduzido pela idéia de uma "política externa afirmativa". Esta noção se define pela oposição ou alternativa a uma "política externa subalterna". O subalterno aqui se caracteriza pela idéia de aceitação das diretrizes externas propostas pelos grandes blocos de poder - Estados Unidos e União Européia.

A política externa afirmativa do Brasil agrega duas características principais. A primeira diz respeito à afirmação franca dos interesses do País no contexto internacional, nos fóruns supranacionais e na interlocução ou negociação com outros países. A segunda refere-se à afirmação de uma posição de liderança tanto no âmbito da América do Sul quanto no âmbito dos países em desenvolvimento. Essa liderança não tem pretensões hegemonistas, mas visa a consolidar blocos de forças, produzindo novos atores significativos na esfera continental e no âmbito das relações globais.

Na esfera continental, projetam-se o fortalecimento do Mercosul e a intensificação das relações com os países do bloco andino e amazônico, na busca de interesses comuns, tento em vista o fortalecimento do comércio regional e a definição de linhas de atuação quanto ao possível advento da Alca. Já na esfera das relações globais, a fisionomia da articulação de um novo bloco de forças se expressou no chamado G-22, grupo de países em desenvolvimento e emergentes que se estruturou em Cancún para enfrentar, principalmente, o problema dos subsídios agrícolas e das barreiras comerciais interpostas pelos Estados Unidos e pelos países europeus a produtos provenientes dos países periféricos.

É verdade que o G-22 se formou a partir de necessidades mais imediatistas, relacionadas aos embates que ocorrem na Organização Mundial do Comércio (OMC). Mas o seu surgimento não deixa de projetar significações com perspectivas estratégicas. Os países ricos formalizaram um bloco estratégico para concertar seus interesses - denominado G-7 e no qual a Rússia passou a ter presença como convidada. Não deixa de fazer sentido conferir ao G-22 um caráter mais permanente, como instrumento articulador e concertador dos interesses estratégicos dos países emergentes.

A estruturação do G-22 como um grupo permanente, além de constituir um novo ator significativo na política internacional, ajudará a imprimir no desenho das relações internacionais que está se definindo um caráter mais multilateral. Com o fim da guerra fria e com a nova política externa norte-americana, o mundo adquiriu um caráter unilateral, com a imposição e a preeminência dos interesses dos Estados Unidos. A cisão que ocorreu entre Estados Unidos e Inglaterra, de um lado, e Alemanha, França e Rússia, de outro, no processo da guerra do Iraque, criou linhas de força que favorecem a formação de um mundo multilateral. O G-22 fortalece essa perspectiva.

A política externa afirmativa do Brasil não pode ser vista como uma postulação meramente retórica ou como uma bravata que visaria apenas a alimentar o conflito, particularmente com os Estados Unidos. O seu enfoque é realista e tem como centro a defesa e a promoção dos interesses do País. E, na medida em que o Brasil tem interesses divergentes ou concorrentes com os Estados Unidos ou com a União Européia, em algumas áreas, é natural que determinado grau de disputa se explicite. O Brasil não deixará de ter, no entanto, com esses dois pólos de poder muitos interesses em comum. Por isso, além das relações de divergência e convergência de interesses que o Brasil alimentará com Estados Unidos e União Européia nos fóruns multilaterais, procurar-se-á manter com ambos os pólos relações e negociações bilaterais, visando a aparar arrestas, intensificar o comércio e o nível de intercâmbio em várias áreas.

Merece destaque, ainda, a ênfase que a diplomacia brasileira e o presidente Lula vêm dando à necessidade da reformulação da ONU. A evidência dessa necessidade se vem confirmando com os impasses que a política norte-americana vem enfrentado no Iraque e na solução do conflito palestino-israelense. A reformulação da ONU deve caminhar em duas direções:

o aumento de suas prerrogativas nas relações internacionais e a democratização de seus mecanismos decisórios. Neste último aspecto, a inclusão do Brasil e de outros países emergentes, representando continentes e/ou particularidades civilizacionais no Conselho de Segurança da ONU, é uma reivindicação que, além de razoável e justa, reforçará o conteúdo multilateral e multicivilizacional desejável para o mundo de hoje.

27 de Setembro de 2003

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