Opinião

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Suspensão de deputados e disciplina partidária

A Comissão Executiva do Diretório Nacional do PT suspendeu, pelo prazo de 60 dias, o direito de participação e de representação da bancada do Partido na Câmara, oito deputados que se abstiveram na votação da reforma da Previdência. A decisão foi adotada com base nos Estatutos do Partido. Não é a primeira vez que este tipo de atitude ocorre.

A medida suspensiva visa preservar a unidade e da disciplina do Partido e a observância das regras estatutárias, condição imprescindível para a existência de uma agremiação partidária realmente efetiva. Sem unidade e disciplina partidárias não existem partidos fortes. E sem partidos fortes e representativos não existe democracia forte e estável. A própria submissão da minoria à maioria é um princípio democrático do qual não se pode abrir mão na vida interna dos partidos. Não aplicar este princípio representa reforçar o personalismo, o mandonismo dos dirigentes e apostar na desagregação das estruturas partidárias.

Unidade de disciplina partidária, no entanto, no PT, nunca significaram cerceamento do direito de opinião. Num partido democrático, o debate livre e o direito de opinião são condições fundamentais para a formação de consensos políticos e para a transparência da relação do partido para com a sociedade. Neste sentido, não deve ser visto um conflito entre unidade e disciplina de partido e direito de opinião. A própria democracia só é democracia porque ela expressa o império da lei. Nenhuma estrutura organizacional será democrática se ela não for baseada em regras democráticas. Estruturas organizacionais que não funcionam com base em regras se tornam presas do arbítrio individual e do personalismo, vieses que estruturam um tipo de poder autoritário.

A suspensão dos oito deputados do PT visa menos uma punição e mais uma preservação do próprio Partido. Há que se registrar que os oito deputados são ativistas políticos com uma sólida história de dedicação ao país, às causas sociais e ao próprio PT. O seu gesto não pode ser visto como uma irresponsabilidade, pois a vida e a seriedade desses parlamentares desautorizam este tipo de interpretação. O que ocorreu foi um momento de dissídio entre as convicções políticas desses deputados em relação a um determinado tema – a reforma da Previdência – com a visão e decisão das instâncias dirigentes do PT. Ao se absterem da votação sabiam das implicações e das decorrências de suas escolhas. Preferiram pagar um determinado preço para manter suas posições, fato que deve ser considerado normal na vida do Partido. Da mesma forma, deve ser considerada normal e legítima a atitude do PT em preservar suas normas estatutárias ao aplicar a suspensão. Passado esse período de suspensão, os parlamentares serão reintegrados plenamente à bancada, sem prevenções ou restrições de qualquer ordem.

Esta crise que ocorre no PT, de relacionamento entre parlamentares e partido, mas que em graus e aspectos variados ocorre também em outros partidos, deve servir de reflexão e de motivação para aperfeiçoar, tanto do ponto de vista normativo quanto prático, o sistema partidário brasileiro. O nosso sistema partidário confere um peso demasiado às individualidades políticas em detrimento da própria agremiação. Um dos temas mais relevantes que precisa ser discutido diz respeito a quem pertence o mandato: ao parlamentar ou ao Partido?

No atual sistema partidário e pela legislação em vigor, o mandato pertence ao parlamentar. Esta é uma das principais causas que proporciona o famoso troca-troca de partidos. Ou seja, o parlamentar se elege por uma legenda e depois ingressa em outra. Se avançarmos no sentido de uma interpretação de que o mandato pertence ao partido, essa infidelidade deixará de existir. Os próprios partidos terão sua força preservada e tenderão a uma representação mais efetiva do eleitorado.

A adoção da interpretação de que o mandato pertence ao partido poderá ter desdobramentos em outros aspectos conexos do sistema partidário. Pode-se, por exemplo, definir um sistema de eleição no qual os partidos indicam uma lista fechada e hierarquizada de nomes a serem eleitos como deputados ou vereadores. O eleitor, neste caso, votaria na lista do partido. Em alguns sistemas eleitorais existe um processo misto: metade da nominata do partido é eleita por lista fechada e outra metade por lista aberta ou voto nominal no candidato. Ambos os modelos, sem dúvida, fortaleceriam nosso sistema partidário. Mudanças desta natureza deveriam vir no bojo de uma ampla reforma política, que é sempre prometida por todos, mas nunca realizada.

05 de Setembro de 2003

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