Opinião

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O PT e os cargos públicos

No processo de montagem do governo, o PT defendeu dois critérios para que seus integrantes ocupassem cargos de livre provimento: o da competência e o da idoneidade. A direção do partido fez gestões junto a seus aliados para que também adotassem esses critérios. Nas trocas de equipes governamentais, principalmente quando se mudam centenas ou milhares de ocupantes de cargos, deve ser encarado como algo possível de acontecer que em alguns postos se cometam equívocos ou nomeações inadequadas. A experiência e o tempo se encarregarão de revelar essas inadequações e cabe ao governo corrigi-las.

Reconhecida essa possibilidade, é preciso contestar acusações que vêm sendo formuladas na imprensa de que o PT teria aparelhado os cargos governamentais e de órgãos públicos ou empresas estatais que não são de carreira. Ao contrário do que se afirma, o PT agiu para que se respeitasse a continuidade funcional dos setores técnicos dos órgãos públicos, das empresas estatais e das autarquias. E a prova de que as funções técnicas foram preservadas está no fato de que mais de 30% dos cargos comissionados não foram trocados.

Diretores técnicos que serviram a administrações anteriores continuam servindo à atual administração.

Em outros postos técnicos onde ocorreram mudanças, foram nomeados diretores que fazem parte do corpo funcional estável do órgão, da empresa, da autarquia ou do banco público. Somente nas direções superiores ocorreram mudanças mais significativas e, no caso dos integrantes do PT, procurou-se a observância dos dois critérios indicados acima. Assim, não ocorreu na troca de comando do Estado uma "caça às bruxas", perseguição política ou voracidade partidária por cargos. Por incrível que pareça, o governo e o PT chegaram a ser acusados em matérias veiculadas por jornais de que estão mantendo em cargos de livre provimento integrantes nomeados pelo governo anterior, fato que não deixa de ser verdadeiro. O que não se pode aceitar agora é a acusação em contrário - a de que o partido estaria aparelhando esses cargos.

Em algumas instituições públicas que mantêm uma relação direta com a sociedade ou com movimentos sociais, o PT defendeu a tese de que se levasse em conta nas nomeações o critério da competência, associado à capacidade de interlocução e diálogo com os movimentos e com a sociedade. Em áreas como saúde, educação, reforma agrária, etc., militantes e especialistas do PT construíram legitimidades e desenvolveram projetos de políticas públicas junto aos movimentos sociais correspondentes, fator que recomenda agora a nomeação de algumas dessas pessoas para postos diretivos do Estado ou de instituições públicas nessas áreas.

É preciso reconhecer ainda que é legítimo que o PT e seus aliados, respeitando e preservando sempre as especificidades técnicas e os critérios de competência e idoneidade, nomeiem representantes seus para as direções superiores e os cargos comissionados de órgãos e empresas públicas. Esse é um procedimento de praxe quando mudam governos com orientações políticas e partidárias diferentes. Ou será que o governo Lula deveria governar com as direções e as pessoas comissionadas pelo governo anterior?

O PT tem consciência de que se faz necessária, no Brasil, uma profunda reforma administrativa e gerencial do Estado, com o objetivo de superar seus aspectos particularistas e privatizados, torná-lo mais eficiente, imprimindo-lhe um caráter mais público e republicano. Aliás, a reforma da Previdência deve ser vista também como um aspecto dessa reforma. O Estado brasileiro apresenta um extraordinário nível de ineficiência. Enquanto as democracias mais avançadas do mundo já estão processando uma segunda reforma gerencial do Estado, buscando torná-lo eficiente em face das novas realidades, como a globalização e as mudanças tecnológicas, no Brasil não se conseguiu sequer realizar aspectos importantes da reforma que criou as burocracias públicas e profissionais dos Estados modernos.

Com efeito, em várias de suas esferas, o Estado brasileiro não conseguiu criar as exigências daquela burocracia especializada, altamente qualificada, preparada e treinada ao longo de anos para desempenhar a função pública. O sistema de carreiras do setor público padece de debilidades crônicas que desestimulam a competência e a meritocracia. Esta é uma das principais causas constitutivas da ineficiência administrativa do Estado que se projetou ao longo da nossa História moderna. Um elevado rendimento técnico do Estado se verifica somente onde as exigências de profissionalização e especialização foram atendidas e onde a competência funcional e o mérito prevaleceram como critérios de ascensão na carreira.

Outro aspecto da deformação do nosso aparato público administrativo, tanto na União quanto nos Estados e municípios, reside no fato de que há um excesso de cargos de livre provimento. São dezenas de milhares de cargos que podem ser trocados nas mudanças de governos. Essa situação conspira contra a eficiência, deforma as finalidades do Poder Público, introduz um grau de partidarização excessivo em funções técnicas e é causa de parte significativa da corrupção. Na nossa concepção, deveria existir um número mínimo de cargos de livre provimento, o suficiente para garantir a mudança de orientação política nas trocas de governo. Reformar o Estado brasileiro é uma tarefa imperativa. Mas ela não pode ser exclusiva nem do PT nem do governo, mas de todos os partidos e da sociedade. Ela só se realizará se for produto de uma construção consensual.

30 de Agosto de 2003

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