Opinião

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A morte de um semeador da paz

A morte do representante especial da ONU no Iraque, embaixador Sérgio Vieira de Mello, representa o triunfo da intolerância e da violência. A paz e a razão também foram soterradas sob os escombros do edifício que servia de sede da ONU em Bagdá. A bomba da irracionalidade terrorista foi um ato de vingança sem sentido contra a irracionalidade da prepotência da maior potência do mondo, que se arvora o direito de usar a força e a violência para decidir o destino de outros povos. Nos confrontos entre irracionalismos, as maiores vítimas são sempre inocentes, como demonstra mais uma vez o atentado em Bagdá que vitimou cerca de 20 pessoas e feriu mais de cem.

A escalada de violência no Iraque e o sofrimento de sua população comprovam que a guerra, justificada pelos governos norte-americano e britânico a partir de alegações falsas, não foi a melhor alternativa para remover a ditadura sanguinária de Saddam Hussein. A meta estabelecida pelo embaixador Sérgio Vieira de Mello, de entregar o mais rápido possível a administração do Iraque a um governo legítimo local é a única saída sensata e justa, capaz de restabelecer a paz na região e a dignidade daquele povo. Nenhum povo se sente à vontade e ficará pacífico ante a presença de tanques e soldados de ocupação de uma nação estrangeira.

A partir da instalação de um governo local, o mundo, através da ONU, terá condições de prestar a devida e necessária ajuda para a reconstrução do Iraque. Em que pese a brutalidade do atentado e o fato sem precedentes de que pela primeira vez em sua história a ONU foi alvo de um ataque dessa natureza, seus objetivos e sua missão no Iraque não devem sofrer um milímetro de recuo. Pelo contrário, o papel da ONU, que foi enfraquecida pela guerra e pelos governos norte-americano e britânico, deve ser fortalecido.

O fortalecimento da ONU é a melhor forma que o mundo e a humanidade têm de prestar uma justa e merecida homenagem Sérgio Vieira de Mello e às demais vítimas do atentado. A vida e as ações de Sérgio Vieira de Mello são um exemplo de coragem, de dignidade e de dedicação à mais nobre das causas e dos valores humanos: a paz. Ao exercer e liderar missões nos lugares mais perigosos do mundo, como Bangladesh, Sudão, Chipre, Moçambique, Líbano, Camboja, Bósnia, Congo, Kosovo, Timor Leste a agora Bagdá, armado apenas com a palavra e o diálogo, o nosso embaixador exercitou a mais nobre e valente forma de coragem. Chegava nos lugares quando, geralmente, as armas haviam deixado ruínas e cemitérios de vítimas. Suas missões consistiam em levar o conforto da esperança para os sobreviventes do ensandecimento humano. Sua vida, dedicada a semear a paz, deve servir de exemplo e de lição ao mundo ocidental, que se acostumou a cultuar heróis violentos. Sua morte brutal no momento em que servia um causa nobre está nos dizendo que o nosso mundo violento precisa de um novo tipo de combatentes e de um novo tipo de heróis. O mundo precisa de combatentes que pugnem pelos valores civilizatórios e de heróis desarmados, que lutem pela tolerância e pela paz.

O Brasil deve se orgulhar do exemplo de vida e da coragem de Sérgio Vieira de Mello. Ele nunca deixou de ser brasileiro. Mas se tornou também kosovar, timorense, iraquiano, russo, francês, africano, asiático, europeu, enfim, um cidadão do mundo, um semeador da paz, um construtor da dignidade dos povos, um artífice da tolerância. Cotado para ser um dia, talvez em breve, secretário-geral da ONU, Sérgio teve sua brilhante carreira interrompida, mas os seus objetivos continuam vivos em milhões de pessoas em todo o mundo, principalmente, nos corações e nas mentes daqueles que saíram às ruas para protestar contra a guerra do Iraque.

A escalada de violência no Iraque e no Oriente Médio deve servir de reflexão e de uma nova tomada de atitude dos líderes mundiais no sentido de um renovado e vigoroso esforço na busca de saídas pacíficas para os conflitos existentes. A liderança norte-americana deve compreender que a prepotência e o unilateralismo não são saídas adequadas para um mundo cada vez mais interdependente. O terrorismo, antes de ser detido pela força, precisa ser não motivado, não provocado. O respeito às diferenças e ao multiculturalismo deve caminhar junto com a promoção dos valores éticos comuns que os vários povos comungam. As instituições internacionais como a ONU devem ter suas funções redefinidas e reforçadas para que possam trabalhar para a construção de um mundo mais justo, mais pacífico, menos violento e mais solidário.

21 de Agosto de 2003

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