Opinião

Versão para impressão  | Indicar para amigo

"Não se faz reforma na marra"

BRASÍLIA – O PT está quebrando tabus. Com tal convicção, o presidente nacional do partido, José Genoino, apaixonado defensor do governo Luiz Inácio Lula da Silva, apequena a queda de braço entre setores da bancada governista para garantir a aprovação da reforma da Previdência. Admite, contudo, que o governo não construiu uma maioria sólida e confiável no Congresso.

No gabinete da sede nacional do PT, num moderno edifício comecial de Brasília, Genoino comanda uma estrutura que enriqueceu com a vitória de Lula. O ambiente da sala, espaçoso, é decorado de forma funcional. O presidente do PT olha o relógio, discretamente. Vai embarcar para para Alagoas e Rio Grande do Norte. Viaja para consolidar o partido e preparar o caminho de alianças que levem a legenda a entrar fortalecidas nas disputas municipais do ano que vem, especialmente nas grandes cidades. Pára apenas para atender um telefonema doméstico, interurbano de São Paulo. Do outro lado da linha, a mulher Rioko. Avisa que está no meio de uma entrevista. Retorna, com calma, depois, antes do embarque.

Na conversa com o Jornal do Brasil, o presidente do PT reverencia a oposição, cujo apoio foi decisivo para a vitória da semana passada, e reage com naturalidade a pressão por mais espaço político ensaiada pelas outras legendas da coalizão governista. Genoino avisa que as tensões internas no partido vão continuar, são saudáveis, mas a legenda não negará sustentação ao presidente Lula. E deixa claro: o PT não é refém dos servidores públicos nem de outros setores mais afoitos e mobilizados da sociedade. Os principais trechos da entrevista:

Jornal do Brasil – Como o senhor avalia a aprovação da reforma da Previdência?
José Genoino – Foi um processo vitorioso. Em quatro meses, a emenda da Previdência passou pelo plenário e foi cumprido o que nós planejamos: atender os governadores, manter a essência da proposta, fazer acordos com o Congresso e, no final das contas, a unidade da bancada do PT foi fundamental na votação dos inativos. O PT conseguiu articular a bancada e o governo foi decisivo. Teve vontade e frieza política para aprovar a reforma mesmo correndo alguns riscos.

Jornal do Brasil – A que riscos o senhor se refere?
Genoino – Primeiro, cumprir o cronograma. Houve um forte movimento para impedir a votação da reforma, feito principalmente por aquelas tentativas de invadir a Câmara quando a emenda foi votada na comissão especial. Em segundo lugar, teve um risco de divisão na bancada do PT com as oito abstenções, mas nós tivemos coesão na votação da questão mais sensível e polêmica. Depois de quatro vezes derrotada no Congresso, foi aprovada a contribuição dos inativos. O governo do PT está aprovando coisas que eram verdadeiros tabus.

Jornal do Brasil – O PT conseguirá, algum dia, conciliar seu ideário com o exercício do poder?
Genoino – Nós estamos fazendo o debate interno há sete meses. Fizemos seminários sobre a Previdência, no diretório nacional, nas bancadas. Eu já percorri quase todos os estados. As correntes de esquerda tomaram a decisão de votar preservando o pacto partidário. Existe um pacto no PT: nós somos um partido de divergências, pluralista, mas na hora do voto há um compromisso estatutário de todo mundo votar dentro das deliberações e nós cumprimos isso.

Jornal do Brasil – Isso é normal na prática política?
Genoino - Eu tenho dito às pessoas: o PT é assim. O PT é muita discussão, muito debate, muito tensionamento, mas na hora do vamos ver o partido vota unido, com exceção dos três deputados, que estão praticamente fora do PT. O Babá, a Luciana e o João Fontes estão fora do PT, agem como se estivessem fora do partido. Eu até acharia mais coerente que eles comunicassem a saída do partido.

Jornal do Brasil – Esse perfil do PT não vai exigir do governo um esforço sempre muito grande para ter segurança nas votações? Não é um exemplo ruim para os outros aliados?
Genoino – Não. Em primeiro lugar porque o PT é mesmo assim. Nós nos formamos, nesses 23 anos, discutindo tudo. O PT chegou onde chegou mantendo essa característica. É um partido pluralista, de debate. Como há um compromisso e a força do PT é maior do que a força das correntes, as pessoas acabam mantendo o pacto partidário porque querem fazer política. Os próprios aliados sabem que o PT é assim. Eu costumo dizer que dá trabalho: a gente gasta tempo com reunião, mas não gastamos um centavo do Orçamento.

Jornal do Brasil – Eu insisto na pergunta: como é que se vai contornar o conflito interno do PT?
Genoino – O conflito faz parte da política. Isso é a nossa vitalidade. No PT, para tudo, você precisa convencer, precisa informar. Este é o nosso DNA, não tem como ser diferente. A campanha do Lula foi assim. Não teve uma administração do PT que tenha sido um mar de rosas. O PT combina a pluralidade com a unidade de ação. Nós não vamos mudar a história do PT porque chegamos ao governo. O PT tem uma responsabilidade porque não decidiu ser governo, o povo é que decidiu. O PT é governo, mas não vai alterar suas características, vai amadurecer. Não somos o partido do sim senhor , mas do sim ao governo. Essa condução exige esforço e opções. É nesse fio da navalha que estamos buscando equilíbrio.

Jornal do Brasil – Qual é o reflexo imediato disso?
Genoino – Eu acho que o PT está passando por um momento muito importante, que é desmentir para a opinião pública que era o partido dos servidores. O PT não é refém dos servidores nem refém da burocracia do estado. Fizeram uma caricatura do PT e nós estamos desmontando isso. As pessoas que fizeram a caricatura não compreendem que o PT já se preparou para ser governo com outras características. Você acha que foi fácil derrotar o fora-FHC, fazermos alianças e elaborar o programa do Lula. Nós não estamos fazendo as coisas agora porque chegamos ao governo, houve uma preparação antes da eleição.

Jornal do Brasil – O senhor aponta uma nova relação com as bases tradicionais do partido. Quando essa transição vai se dar no trato com os movimentos sociais, incluindo o MST?
Genoino – Nós estamos dizendo agora o que sempre aconteceu com o PT e, lamentavelmente, as pessoas nunca repararam. Não teve uma prefeitura ou estado governado pelo PT que não tenha tido choque com os servidores. As coisas no PT são processuais, não acontecem viradas. Os servidores estão defendendo interesses, legítimos ou não, trata-se de interesses contrariados. A gente dialoga, respeita, mas não ficamos refém. No caso dos movimentos sociais, sempre dissemos que o PT não dirige os movimentos sociais, nem o MST nem os sem teto. Os movimentos sociais têm um papel na democracia e tem que aprender que, assim como não podem ser criminalizados e virar uma questão de polícia, não podem romper com a Constituição e o estado democrático de direito. Assim como o governo tem limitações e não pode usar da repressão para se relacionar com os movimentos sociais, os movimentos sociais têm de entender que existe o estado democrático de direito.

Jornal do Brasil – Os movimentos sociais estão fora de controle.
Genoino – Criou-se uma paranóia no Brasil. Não há uma inflação de movimentos sociais. Eles não estão fora de controle e vão perceber que se esticarem a corda demais, porque se a corda se quebrar serão eles as primeiras vítimas. Se um governo do PT não fizer as mudanças, quem é que vai fazer? Mas não vai fazer na marra, na ruptura. Esse caminho já foi testado e não deu certo. Assim como nós não aceitamos criminalizar o movimento, usar o pau democrático ou legitimar a milícia armada como dizem alguns, os movimentos têm de entender que não podem vir para o tudo ou nada.

Jornal do Brasil – Não tem faltado ao governo gestos mais ostensivos de autoridade e defesa da ordem?
Genoino – O governo já deixou claro que não vai tolerar ações que firam o estado de direito. Não somos um governo de permissividade com os movimentos sociais. Somos um governo que tem rumo e limites, apesar da disposição para o diálogo e a negociação. A reforma agrária não pode virar sinônimo de milícia armada e violência. Não democracia é tão importante o método quanto o conteúdo.

Jornal do Brasil – Os partidos aliados querem outra divisão de espaço no governo. O PT está disposto a ceder seus gabinetes?
Genoino – Isso é legítimo. É consenso no PT que o governo Lula é mais amplo que o PT. Além disso, o governo não sofreu nenhuma derrota na Câmara nem no Senado. Nós não somos a maioria nem em uma casa nem na outra. Os aliados devem cobrar do PT, que é o partido do presidente, e a unidade do PT é fundamental para dar consistência aos aliados. Eu defendo que os aliados tenham espaço no governo, faço essa negociação. O que tem sido fundamental é que o PT não tem negado fogo. Dá trabalho, mas não nega fogo.

Jornal do Brasil – Os outros aliados terão, ou não, mais espaço no governo?
Genoino – Já têm espaço e acho que deve ter. Assim como alguns aliados poderiam ter sido mais leais.

Jornal do Brasil – O governo não deve uma deferência a oposição?
Genoino – Nós sempre dissemos que as reformas precisavam de uma maioria qualificada que ia além dos aliados. Não foi em vão que o presidente reuniu todos os governadores e foi ao Congresso, nós tínhamos noção disso. Foi acertado o acordo com os governadores e temos de preservá-lo na reforma tributária. Nós vamos agradecer os partidos de oposição que votaram conosco. O PSDB votou, uma parte significativa do PFL. Já agradecemos e reconhecemos isso.

Jornal do Brasil – Que PT vai emergir daqui a quatro anos, ao final do governo?
Genoino – Vamos ter um partido de esquerda, fortalecido, moderno, amplo, que ultrapassa as bandeiras do corporativismo e do sindicalismo para bandeiras mais universais de como tratar o cidadão, que vai tratar a sociedade com projetos políticos e não só bandeiras ideológicas. Um partido que vai trabalhar por transformações sem rupturas nem choques. Não fomos eleitos para fazer choque, mas para fazer mudanças pontuais e graduais. Não vamos para a aventura.

10 de Agosto de 2003

Busca no site:
Receba nossos informativos.
Preencha os dados abaixo:
Nome:
E-mail: