Opinião

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O governo Lula e a esquerda

Com a vitória de Lula para a presidência da República, pela primeira vez, a esquerda chegou ao governo federal. A vitória, no entanto, veio limitada por uma série de condicionalidades. Condicionalidades de ordem política, definidas pelo fato de que o PT e os demais partidos de esquerda não constituem maioria na Câmara e no Senado, não têm a maioria dos governos estaduais e não governam a maioria dos municípios brasileiros. Ou seja, tanto do ponto de vista numérico quanto do ponto de vista institucional, a esquerda não é hegemônica. Claro que pelo peso específico da Presidência da República, a esquerda agregou força política significativa.

Mas para governar o país em termos de parâmetros democráticos - opção estratégica do PT - o governo foi obrigado a fazer um movimento ao centro para garantir sustentabilidade e governabilidade. Do ponto de vista do método, além de procurar alargar os espaços da democracia participativa, o governo busca implementar práticas que visem construir consensos sociais em torno das diretrizes e medidas governamentais. O governo Lula não poderia se estreitar ao ponto de colocar em risco a governabilidade e a própria durabilidade do mandato. A esquerda já tem experiência negativas e trágicas acumuladas nesse mesmo sentido, na América Latina.

Outra grande condicionalidade interposta ao governo Lula diz respeito à gestão econômica. Em primeiro lugar é preciso levar em conta a situação de crise deixada pelo governo anterior e os problemas de desconfiança que se projetavam sobre o novo governo. Neste início de governo, conseguiu-se estancar a crise e desfazer as desconfianças sobre Lula e o PT. Em segundo lugar, é preciso prestar atenção ao fato de que o novo governo assumiu compromissos pregressos, que limitam significativamente as margens de manobra da gestão econômica. Não honrar esses compromissos significaria aprofundar a crise, isolar o país do contexto internacional e decretar o fracasso prematuro do governo.

Ainda no âmbito econômico, em terceiro lugar, é preciso ter consciência de que os países periféricos como o Brasil vivem numa condição de enorme dependência em relação aos países centrais e aos mercados financeiros internacionais. Essa dependência não pode ser removida por via de rupturas e sem redefinir uma nova ordem internacional. Somente com políticas de recuperação consistente de crescimento econômico, de promoção social, de aumento das exportações, de incremento da poupança interna e de redefinição de seus espaços internacionais o Brasil recuperará condições de operar com mais autonomia e mais soberania na gestão econômica.

A atitude dos indivíduos, grupos e partidos de esquerda em relação ao governo Lula, além do programa e dos objetivos históricos desse governo, precisa levar em conta as limitações políticas e econômicas impostas pela realidade. A maior parte da esquerda compreendeu ou está compreendendo essas implicações. Compreende também a necessidade de se dar tempo ao governo para que os obstáculos e entraves sejam removidos. É compreensível ainda que parte da esquerda, que não comunga com as mesmas diretrizes programáticas do PT e de seus aliados, faça uma oposição de esquerda ao governo. Espera-se, contudo, que essa oposição seja democrática e não destrutiva.

Experiências recentes na Europa revelam que quando governos de esquerda sofreram uma oposição sectária e destrutiva de esquerda, quem se fortaleceu foi a direita. Essa mesma lógica empírica pode ser observada em experiências de governos locais de esquerda no Brasil. Luiza Erundina em São Paulo, Vitor Buaiz no Espírito Santo, Cristovam Buarque em Brasília e Telma de Souza em Santos, que tiveram suas administrações acossadas por setores de esquerda e por grupos corporativos, foram substituídos por governantes de perfil conservador.

O que não é compreensível e não pode ser aceito é que setores do próprio PT e de partidos aliados façam oposição ao governo. O PT e seus aliados receberam uma determinação do povo para serem partidos de governo. A função de oposição foi confiada a outros partidos. Assim, não é democrático, coerente e ético permanecer no PT e na base governista e, ao mesmo tempo, fazer oposição ao governo.

É evidente que integrantes do PT e da base governista podem e devem formular críticas pontuais ao governo. Essas críticas, no entanto, devem ser expressas de forma construtiva, no sentido de apresentar alternativas realizáveis de políticas governamentais. Se este for o objetivo da crítica de esquerda no âmbito do PT e da base aliada, trar-se-á de uma crítica construtiva, democrática e necessária. Mesmo com críticas e ressalvas, os integrantes da base aliada têm a obrigação de sustentar politicamente o governo. Os que querem fazer oposição sistemática encontram opções partidárias, tanto à direita quanto à esquerda. É assim que se definem e a coerência e o jogo democráticos.

27 de Julho de 2003

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