Opinião

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''PT não foi eleito para fazer ruptura''

O presidente nacional do PT, José Genoino, defende a unidade do partido em torno dos projetos das reformas previdenciária e tributária. Ele diz que o PT pretende evitar as prévias para definição de candidatos a prefeito em 2004

O ex-deputado federal José Genoino assumiu neste ano a presidência nacional do PT com a tarefa de conduzir harmonicamente os parlamentares do partido nas votações de projetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), como as propostas de reformas previdenciária e tributária hoje em tramitação no Congresso Nacional.

Apesar das resistências da senadora Heloísa Helena (PT-AL) e dos deputados federais João Batista Oliveira de Araújo, o Babá (PT-PA), e Luciana Genro (PT-RS) aos projetos, Genoino insiste na unidade do partido em torno das propostas, definindo as posições dos correligionários como ''conservadoras''.

Natural de Quixeramobim, Genoino foi líder estudantil no final dos anos 60 e integrou a diretoria da União Nacional dos Estudantes (UNE). Engajou-se na Guerrilha do Araguaia, sendo preso em 1972, solto cinco anos depois e anistiado em 1979.

Um dos fundadores do PT, elegeu-se deputado federal por cinco legislaturas, a partir de 1982. Em sua primeira candidatura majoritária, no ano passado, chegou ao segundo turno na eleição para governador de São Paulo, pela coligação PT-PCdoB-PCB. Obteve 41,4% dos votos, contra 58,6% do vitorioso, Geraldo Alckmin (PSDB). Em entrevista ao O POVO , na manhã do último sábado, ele disse que o PT pretende evitar o processo de prévias para definição dos candidatos a prefeito em 2004.

O POVO - Após uma trajetória política basicamente de vivência no Legislativo (cinco mandatos de deputado federal, de 1983 a 2002), o senhor assumiu a presidência do PT neste ano, no momento em que o partido chegou ao Governo Federal. Como tem sido esta nova experiência?
José Genoino - Em primeiro lugar, é uma missão que cumpro com orgulho, tendo que presidir o PT nesta fase nova. O PT é a coluna vertebral do governo do presidente Lula, mas ao mesmo tempo é um partido que tem vida própria, autonomia, debate interno, tensão interna e está buscando o equilíbrio entre o amplo debate interno e a unidade de ação. Por isto é que é fundamental o PT não abrir mão da unidade de ação. O debate é livre, a divergência é salutar, mas depois que o partido decide, todos têm de seguir (a decisão). É um desafio novo, porque, como parlamentar de oposição que fui ao longo de 20 anos, agora somos poder. Nós temos que ter a vocação para o exercício do poder. O PT tem que ter esta cultura, não é o poder pelo poder, é o poder para realizar as mudanças que nós pregamos na campanha eleitoral.

OP - O que o PT tem feito para ter vida orgânica própria, no governo Lula?
JG - Em primeiro lugar, o PT é governo e o PT tem que ter vocação para exercer o governo. O PT é a coluna vertebral de sustentação do governo. O PT tem sua vida própria, seus fóruns de deliberação, de debate, de discussão e suas instâncias deliberativas. Agora, temos um funcionamento autônomo em relação ao governo.

OP - Em votações futuras no Congresso Nacional, ao longo deste mandato, o PT trabalha com a perspectiva de que outros parlamentares do partido venham a seguir o exemplo da senadora Heloísa Helena e dos deputados Babá e Luciana Genro, que são contrários aos projetos das reformas previdenciária e tributária defendidos pelo Governo Federal? Isto poderia resultar em uma série de expulsões de parlamentares?
JG - Eu entendo que não, porque muita gente está se filiando ao PT nos estados. O PT e o governo do PT estão mudando o Brasil. As manifestações (de Heloísa Helena, Babá e Luciana Genro) são manifestações isoladas, conservadoras. Não as chamo de radicais, porque radical é quem quer ir à raiz dos problemas e eles querem manter o status quo Isto não é ser radical. No nosso entender, o partido vai compreender e a sociedade já está apoiando ampla e majoritariamente as reformas. Precisamos convencer aqueles que têm resistências residuais no debate e na discussão, desde que estes companheiros e companheiras se comprometam a seguir as decisões da bancada e do partido.

OP - É possível que, ao longo das próximas votações no Congresso Nacional, a tese da unidade de ação venha a ser aceita pelos parlamentares do PT, reduzindo as divergências internas?
JG - A unidade de ação sempre prevaleceu nos 23 anos do partido. O PT chegou onde chegou por causa deste princípio. O debate faz parte da vida do PT e cada assunto polêmico nós vamos debater à exaustão, mas, decidiu, o PT não libera voto, a não ser quando se tratar de questão de religião, de ética e de filosofia. Quando se trata de questões políticas, é a bancada que decide.

OP - Há possibilidade de que um possível processo de expulsão venha a resultar em uma vitimização da senadora e dos deputados?
JG - Não quero opinar sobre estes parlamentares, porque o assunto está sub judice . As posições destes parlamentares, de oposição sistemática ao governo do PT e de combate à linha do partido são posições de indisciplina. Nós propusemos a eles um acordo, para que eles assumissem publicamente que respeitariam as decisões da bancada e do partido. Eles não querem assumir este compromisso, estão sendo intransigentes com o partido e não podem ficar acima do partido.

OP - Qual a sua análise sobre o fato de, no governo Lula, lideranças do PT como o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, terem reavaliado posições historicamente defendidas pelo partido, principalmente quanto à questão das reformas?
JG - Em primeiro lugar, em relação à reforma da Previdência, o PT sempre defendeu uma previdência com piso de um salário mínimo e teto de dez salários mínimos, que é o que está na proposta do Lula. Nós sempre defendemos a previdência complementar fechada, diferente do governo anterior (ex-presidente Fernando Henrique Cardoso - PSDB, de 1995 a 2002), por permitir a previdência complementar aberta do setor público. Diferentemente do governo anterior, nós estamos propondo um piso para taxar os aposentados que ganham acima de R$ 1.058. E, diferentemente do governo anterior, nós estamos mostrando uma fotografia dos devedores da Previdência. Estamos tomando medidas para combater a sonegação e cobrar estas dívidas. Nossa proposta de reforma tributária é bem diferente do governo anterior, até porque o governo anterior não se preocupou em apresentar esta proposta. Em relação à gestão macroeconômica, estamos mostrando mais competência e um objetivo, que é diminuir a vulnerabilidade do Brasil, tanto em relação ao capital volátil como em relação ao mercado financeiro internacional, para que o Brasil possa atrair linhas de crédito e investimentos, voltar a crescer e gerar emprego. O nosso projeto é de reformas graduais no país. Nós fomos eleitos para realizar reformas graduais. Não fomos eleitos para realizar rupturas. Estamos fazendo reformas graduais nos modelos econômico, político, social e na relação com a sociedade. É isto que vamos discutir com a sociedade e deixar claro. Se o partido, ao longo da sua história, tem posições diferentes, faz parte do amadurecimento do partido. Não podemos é mudar de lado. Mudar levando em conta novos dados e uma nova realidade é o que temos que fazer.

OP - Após as votações das reformas, quais seriam as principais pautas para o Governo Federal e para o PT?
JG - Teremos a reforma política e, em seguida, a reforma da CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas), que será fruto de um acordo que o ministro do Trabalho, Jacques Wagner, está conduzindo entre trabalhadores e empregadores. Mas o governo não é só para fazer reformas. Além das reformas, estamos administrando o país para gerar emprego e melhorar a distribuição de renda com programas sociais, com ações na área de infra-estrutura e desenvolvimento regional.

OP - Recentemente, um programa do PSDB levado ao ar ressaltou as qualidades da gestão FHC, apontando continuidade das medidas econômicas do PSDB pelo governo Lula. Análises como esta incomodam o PT?
JG - Isto é bom e positivo para a democracia. Acho que o PSDB tem que cumprir o seu papel como oposição. Tenho um compromisso de jamais desqualificar a oposição como a oposição foi desqualificada no governo Fernando Henrique.

OP - O senador Tasso Jereissati (PSDB) tem feito críticas ao Governo Federal. O senhor o identifica como alguém que esteja procurando se consolidar como liderança de oposição ao governo Lula? Além dele, que nomes estariam buscando assumir este papel?
JG - Não é minha competência nominar quem vai ser oposição, até porque tenho divergências com o senador Tasso Jereissati, mas tenho respeito pessoal por ele, porque ele e a família foram muito solidários comigo na época da ditadura militar. O papel do senador Tasso é fazer oposição, mas temos um bom diálogo com ele. Não é nossa preocupação dizer quem está se consolidando como oposição ao Governo Federal.

OP - Quais serão os resultados da aproximação PT-PMDB no Governo Federal e nas eleições do próximo ano?
JG - Nossa aliança é com o Governo Federal. Não temos discutido eleições de 2004 com o PMDB. O que isto vai representar é aumentar a força do governo no Congresso - o que é bom para o governo, para as reformas e para a economia do país.

OP - Recentemente, foi divulgado um levantamento mostrando que os partidos aliados ao governo Lula foram os únicos beneficiados com as trocas de partido no Congresso Nacional, como PTB, PL e PPS. Como o senhor encara esta situação?
JG - Eu falo pelo PT. O PT está com a mesma bancada que o elegeu nas urnas. O PT não tem troca-troca e o PT tem disciplina e fidelidade. Os partidos que apoiam o governo têm autonomia e vida própria. Não posso opinar sobre eles.

OP - O PT trabalha com que cenário para as eleições municipais de 2004?
JG - Além da nossa tarefa de discutir com o partido o governo Lula e as propostas de reformas, estamos preparando o partido para a disputa de 2004. É uma disputa estratégica para o partido. A disputa local tem que estar subordinada ao projeto nacional e a unidade do partido é fundamental na disputa de 2004. Estamos trabalhando para diminuir a quantidade de prévias e esperamos que, onde elas acontecerem, que seja num clima de baixa temperatura. Estamos trabalhando para alianças com os partidos que sustentam o governo.

OP - O PT entende, então, que as prévias seriam desnecessárias?
JG - Em primeiro lugar, achamos que seja um direito de qualquer filiado disputar prévia, mas politicamente vamos convencer de que quanto mais cedo acertarmos nossa tática eleitoral para 2004, será melhor para entrarmos em 2004 com nossas definições acertadas. Isso é na base do convencimento, porque também nós temos experiências de que quando o PT briga muito, isso prejudica a sua imagem. O povo não gosta de um partido que tem muita briga. Por isto, estamos fazendo da briga do PT disputas democráticas civilizadas. O partido deve fazer acordos internos, para diminuir o tensionamento e o esgarçamento internos.

OP - De que forma se daria a definição dos candidatos a prefeito sem a realização das prévias?
JG - Nós vamos fazer um diálogo da direção nacional com os diretórios regionais, vamos fazer um diálogo da direção nacional com os partidos que dão sustentação ao governo do PT e vamos fazer diálogo com as lideranças regionais sobre a importância da eleição de 2004 estar submetida a um projeto nacional.

OP - O partido trabalha com a possibilidade de que, em alguns casos, partidos aliados ao governo Lula tenham candidaturas distintas às prefeituras?
JG - É legítimo que qualquer partido aliado ao governo tenha candidatura viável. O PT tem que discutir onde tem candidaturas viáveis, para fortalecer estas candidaturas. Vamos trabalhar para firmarmos alianças com os partidos que apoiam o governo. Onde não for possível, vamos ter cuidado para que as disputas locais não interfiram no Governo Federal.

OP - O PT teme que um possível desgaste do Governo Federal venha a prejudicar seus candidatos a prefeito em 2004?
JG - O PT será a vanguarda em defesa do governo Lula nas eleições de 2004. A nossa previsão é que em 2004 o Governo Federal vai estar com um índice de aceitação muito melhor. Se já está hoje, imagine em 2004, quando teremos feito a travessia de 2003, segurando a inflação e melhorando os indicadores econômicos do país. Votando a reforma da Previdência e a reforma tributária, teremos condições de ter um cenário muito favorável em 2004.

OP - Qual a sua expectativa quanto ao desempenho do PT nos pequenos municípios, onde geralmente o PT não é tão forte?
JG - Nós vamos ter um programa nacional e dos estados vamos nos espalhar para os municípios pequenos, para eleger vereadores e prefeitos. A nossa tática não vai ficar cercada nas grandes cidades. A idéia é partir das grandes cidades para os municípios médios e pequenos. Teremos um acompanhamento geral para as eleições de 2004.

OP - Que avaliação o PT faz hoje das derrotas de sete dos oito candidatos a governador do partido que disputaram o segundo turno em 2002 - inclusive da sua candidatura a governador de São Paulo?
JG - Nossa avaliação é que o PT, para ganhar as eleições nos estados, precisa se consolidar nas cidades-pólo e nas capitais. Para o PT ganhar as eleições nos estados, é importante o enraizamento cada vez maior do partido. É importante, nas eleições estaduais, o PT ter candidatos com uma penetração consolidada na população e é isso que estamos fazendo agora, com a experiência adquirida em 2002.

OP - Quais os seus planos quanto a futuras candidaturas?
JG - Meu plano é presidir o PT até maio de 2005. Tenho duas tarefas: o sucesso do governo Lula e a vitória do PT nas eleições de 2004. Só vou pensar no meu futuro depois de cumprir este futuro imediato.

OP - Este futuro seria no Executivo ou no Legislativo?
JG - Isto não é minha preocupação agora. O que quero é presidir o PT até maio de 2005.

19 de Maio de 2003

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