Opinião

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O projeto do PT

O programa de governo que a candidatura Lula levou às ruas em 2002 contém os eixos gerais de um projeto estratégico para o Brasil. Um projeto estratégico qualquer é sempre a projeção ideal que um agente político, no caso um partido, o PT, formula em relação à sua visão de futuro. Projeto político não pode ser entendido como algo que necessariamente se realizará. Trata-se apenas de um dever ser, de uma das possibilidades em relação ao futuro.

Na medida em que existem vários projetos interagindo e que a ação de execução de um projeto interage com ações de outros sujeitos, o resultado final da ação implementadora de um projeto nunca será igual à intenção inicial do agente. Assim, os projetos nunca se realizam na integralidade, mas apenas parcialmente. O mesmo ocorre com programas de governo. O que importa, na ação dos partidos, é que suas ações correspondam a programas e projetos. Resultará daí algo mais ou menos aproximado com a formulação inicial, dependendo sempre da capacidade de execução, das condicionantes da realidade, das circunstâncias e dos agentes interativos.

Um projeto estratégico deve articular propostas materiais e valores. Do ponto de vista interno, o projeto do PT se estrutura a partir de três vetores: a constituição de uma sociedade justa e eqüitativa; o aprofundamento da democracia e da liberdade; o incremento do desenvolvimento material e da riqueza em bases sustentáveis do ponto de vista social e ambiental. A necessidade de constituir uma sociedade justa e eqüitativa é uma evidência auto-explicável, dadas as dilacerações históricas da sociedade brasileira, que nunca conseguiu conferir-se a si um grau significativo de coesão social e de destino de comunidade, bases imprescindíveis de um projeto de nação. Somos, ainda hoje, uma das sociedades mais injustas do mundo.

Democracia e liberdade são valores próprios das sociedades e da civilização ocidentais. É um patrimônio político e cultural que, entendemos, a sociedade brasileira deve herdar, sempre com o devido respeito e aceitação do caráter multicultural e multicivilizacional das diferentes sociedades humanas. Mas democracia e liberdade devem receber um acréscimo em relação ao seu formalismo ou procedimentalismo liberal que, ao mesmo tempo, não deve ser negado. Acréscimo na democracia, no sentido de que ela deve ser mais participativa, de que as comunidades devem exercer ativamente seus direitos de cidadania e de que haja mais controle da sociedade sobre os mecanismos do poder.

Acréscimo na liberdade, no sentido de que ela não seja apenas negativa - "liberdade de fazer tudo o que a lei não prescreve". A liberdade deve ter uma componente positiva, no sentido de que devem ser garantidas condições materiais para que um indivíduo possa exercer ativamente sua liberdade. Aliás, a insatisfatoriedade do conceito liberal de liberdade e a necessidade de agregar-lhe um conteúdo positivo, material, foram formulações muito bem expostas no livro Desenvolvimento como Liberadade, do autor liberal Amartya Sen.

Desenvolvimento material e da riqueza em bases sustentáveis é uma determinação do nosso tempo, caracterizado pela existência de sociedades de massas. Ao mesmo tempo em que essas sociedades precisam de bem estar para viver de forma estável e pacífica, detêm alto potencial de destruição de recursos vitais para as gerações do presente e, principalmente, para as gerações do futuro. É por enfrentar o paradoxo, necessidade de bem estar/compromisso com a vida humana, que o conceito de desenvolvimento sustentável se tornou um paradigma do mundo de hoje. De qualquer forma, os três vetores do projeto do PT são interativos: nenhum se realizará satisfatoriamente sem a realização dos outros.

Um projeto estratégico deve conter, também, a definição de uma ambição que um país deve almejar no contexto da convivência internacional. Entendemos que o Brasil tem todas as condições e o direito de almejar um papel de liderança construtiva e colaborativa na América Latina e no cenário mundial. Ou seja, o Brasil deve construir um sentido de grandeza no âmbito do convívio entre as nações.

Para que um projeto se viabilize é necessário definir recursos e meios. Este é, no momento, o grande desafio do PT e do governo Lula. O poder político, o poder governamental, é, ao mesmo tempo, o maior dos recursos e o maior dos meios para realizar projetos estratégicos. Mas sua mera disponibilidade não é garantia de êxito. Isto quer dizer que o êxito do governo Lula é condicional para o êxito do projeto do PT.

Um projeto estratégico que pretenda se realizar deve interagir com projetos de outros partidos, com o objetivo de ampliar as esferas de consensos e de alagar a visão comum que deve ir se constituindo acerca da sociedade e do país. A não ser que se queira agir pela força, caminho descartado pelo PT, nenhum projeto terá êxitos se não for capaz de alargar consensos e se não se criar uma base comum de entendimento sobre o que deva ser uma sociedade democrática e livre.

15 de Março de 2003

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