Opinião

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Os governadores e a política institucional

A política no Brasil se desenvolveu, de modo geral, articulada em torno do eixo bipolar governo/oposição. Essa bipolaridade, também de modo geral, sobrepôs-se às dimensões e relações institucionais de poder. Ou seja, a determinação governo/oposição, ou amigo/inimigo, sempre foi predominante, mesmo quanto se tratava de estabelecer relações e determinações institucionais de poder, a exemplo daquelas que derivam das relações entre prefeitos e governadores, entre governadores e presidente da República e aquelas entre Executivo e Legislativo. As relações políticas, provavelmente, nunca deixarão de comportar a dimensão governo/oposição ou amigo/inimigo. Mas esta dimensão nem sempre deve ser predominante.

Foi o que aconteceu na reunião entre o presidente Lula e os governadores, realizada nos dias 21 e 22 de fevereiro. A reunião se desenrolou tendo sobre a mesa temos complexos, de caráter nacional - as reformas. Naquela reunião, o fator governo/oposição era apenas subjacente, subentendido, secundário. Predominou ali a dimensão institucional, o pressuposto federativo e, por isso, o fator ou interesse nacional. Provavelmente, esta foi a reunião onde este caráter mais prosperou. Não que outros presidentes não tenham tentado estabelecer este tipo de relação. Mas, nos momentos anteriores, ou prevalecia a dinâmica governo/oposição ou a dinâmica da contraposição governo da União/governo de uma região (Estado). Este último aspecto encaminhava os desfechos dos encontros entre presidente e governadores para o foco das reivindicações que os últimos interpunham ao primeiro.

A predominância da dimensão institucional na reunião entre Lula e os governadores pode ser percebida a partir de três pontos: 1) do consenso institucional em torno das reformas, que se expressa na carta; 2) no compromisso estabelecido entre o presidente e os governadores, que vai além do limite da base governista; e, 3) na potencialização da criação de uma dinâmica política que põe em relevo o interesse do país, acima dos interesses partidários ou pessoais. Esse último ponto deve se expressar na aceleração do processo de aprovação das reformas da Previdência e Tributária e na conformação de uma ambiente de busca de consensos entre presidente e governadores, entre partidos da base governista e partidos de oposição e entre bancadas partidárias no Congresso.

A implementação de uma dinâmica institucional na política brasileira vai exigir que o PT calibre seu modo de agir onde faz oposição a governadores nos Estados. Não se trata de deixar de fazer oposição, mas de fazer oposição levando em conta também que, em determinadas circunstâncias, a dinâmica institucional deve prevalecer sobre a dinâmica governo/oposição. Isto quer dizer que a partir dessa espécie de oposição civilizada, que os novos tempos impõem aos partidos políticos, é preciso que se leve em conta a existência de uma acordo institucional em torno de interesses nacionais.

O acordo institucional nacional foi possível porque ele interessa também aos governadores, incluindo os governadores de oposição. A ação oposicionista do PT em determinados Estados deve levar em conta o fato de que interessa ao projeto nacional do governo o apoio institucional de governadores de oposição.

O fortalecimento da dimensão institucional da política brasileira não será um fator, em si, de enfraquecimento dos partidos, sejam eles de oposição ou de situação. Pelo contrário, pode até fortalecer a credibilidade dos mesmos. O que fortalecerá um determinado partido será o saber usar com maestria a dimensão institucional ou a dinâmica governo/oposição de acordo com as circunstâncias. Por exemplo, um partido que faça uma oposição sectária e destrutiva tende a não legitimar suas posições na sociedade. E um partido que faça uma oposição frouxa, sem idéias programáticas, tende a passar desapercebido. Por outro lado, um governo que não leve em conta determinados interesses comuns entre governismo e oposição, um governo exclusivista, pode acirrar a oposição e deslegitimar-se na sociedade.

Este novo enfoque da política cobra dos governos mais compartilhamento e das oposições, mas responsabilidade e uma postura mais construtiva. Cobra mais respeito mútuo entre adversários e torna as relações políticas mais complexas e mais plurais. A arte da mediação e da negociação deve ser mais exercitada na busca da construção de consensos possíveis. Neste novo ambiente, os governos precisam ser menos arrogantes e as oposições, menos sectárias. O mérito deste avanço na política brasileira não é exclusivo de Lula, dos governadores, do PT, deste ou aquele partido. O mérito, simplesmente, revela que houve uma evolução política. Ele deve ser creditado à sociedade, à opinião pública, à mídia, às instituições e, também, ao sistema político-partidário.

01 de Março de 2003

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