Opinião

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O remédio amargo da crise

Pela segunda vez em pouco mais de um mês, o governo Lula foi obrigado a elevar a taxa de juros. Obrigado, por a medida é indesejável. Na verdade, o governo Lula herdou um país com a economia em crise, presa a uma série de condicionalidades internas e externas. Com o agravamento da crise internacional por conta do conflito entre Estados Unidos e Iraque, o espaço de manobras do governo restringiu-se ainda mais. O principal problema do momento é a tendência de alta da inflação. Com o aumento do câmbio e do preço dos combustíveis, vários setores produtivos e do comércio repassam os custos aos produtos, proporcionando um contágio inflacionário. O governo não dispunha, neste momento, de outros instrumentos além do aumento dos juros para 26,5% e da elevação da alíquota do depósito compulsório no Banco Central, de 45% para 60%, sobre os depósitos à vista na rede bancária.

As duas medidas retiram dinheiro da economia e inibem a elevação dos preços pela indústria e pelo comércio. O remédio, sem dúvida, é amargo, mas necessário. Seus efeitos são uma restrição ainda maior ao crescimento da economia e à geração de empregos. A aplicação de uma política econômica fundada na ortodoxia monetária não faz parte nem do projeto do PT e nem do projeto do governo. No entanto, além das condicionalidades herdadas, o governo viu-se na contingência de lidar com dois problemas adicionais: primeiro, a eminência de uma nova guerra no Golfo; segundo, as desconfianças infundadas dos mercados interno e internacional a respeito de um governo do PT. Assim, circusnstâncias herdadas, perspectiva de guerra e desconfianças impuseram uma dinâmica moderada na construção da transição rumo a um novo modelo econômico fundado nas premissas do crescimento e da geração de empregos.

Pode-se dizer que o governo já deu passos significativos na superação das desconfianças, vem tomando medidas para atenuar as pressões das condicionalidades herdadas e, quanto à guerra, mesmo que ela se situe no terreno do imponderável, iniciativas preventivas em relação aos seus possíveis efeitos estão sendo adotadas ou estudadas. O enfrentamento desse conjunto de problemas exige paciência, responsabilidade e o cuidado máximo para não aprofundar ainda mais a crise.

O programa de governo prevê a adoção de medidas de estímulo da economia, tendo como focos uma maior agressividade nas exportações, fomento ao crédito e ao microcrédito e políticas industriais ativas em vários setores da produção. A aprovação das reformas da Previdência e Tributária serão decisivas para criar um ambiente favorável ao crescimento interno e uma maior retomada dos investimentos internacionais. Se é verdade que a reforma da Previdência só proporcionará efeitos fiscais positivos no médio e longo prazos, sua simples aprovação criará uma perspectiva de futuro favorável, podendo se traduzir, já no presente, em diminuição do temor quanto a riscos, suscitando a retomada de investimentos. A reforma Tributária, além de produzir uma maior racionalização federativa e de introduzir a justiça fiscal, deverá desonerar a produção e facilitar a inibição da sonegação, buscando uma otimização tanto do investimento quanto do financiamento das contas públicas.

Quanto às medidas amargas que o governo foi obrigado a adotar, a maior dúvida recai sobre a necessidade de elevação dos juros. É preciso reconhecer que muitos técnicos e analistas qualificados e responsáveis têm questinado se a elevação dos juros é uma medida eficaz de combate à inflação. Muitos sugerem que a adoção desse instrumento cria um círculo vicioso. Argumenta-se que a elevação dos juros não necessariamente produz uma diminuição do risco. A cada choque de juros, a atividade econômica cai e a relação dívida/PIB cresce. Na medida em que o quadro interno e externo não melhora, o mercado cobrará, a cada momento, mais elevação dos juros levando o país a uma armadilha sem saídas. Essas ponderações são legítimas e o governo, a sociedade, o PT e os demais partidos devem debater alternativas ao atual modelo.

Acreditamos que o esforço que o governo vem fazendo para dominar a crise, evitando ser dominado por ela, as iniciativas no âmbito das políticas sociais, a aceleração do processo de aprovação das reformas e medidas de estímulo à economia e ao crédito proporcionarão o surgimento de um ambiente mais favorável à promoção das mudanças que a sociedade espera. Trata-se de ter consciência de que será um ano difícil para todos. O povo já vem pagando uma quota de sacrifício além da conta. O que se exige agora é que nós, os políticos, de dentro ou de fora dos governos e integrantes de todos os partidos busquemos saídas criativas e promovamos cortes e racionalizações de gastos públicos. É preciso, também, que se cobre uma quota maior de sacrifício aos setores que sempre foram favorecidos pelos privilégios.

21 de Março de 2003

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