Opinião

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Não à guerra

Os analistas dão como certo o ataque de forças norte-americanas e aliadas ao Iraque. Esse ataque deverá ocorrer mesmo que o Conselho de Segurança da ONU não o aprove. No seu discurso à nação, no último dia 28, o presidente Bush deixou claro que os Estados Unidos atacarão o Iraque prescindindo do aval internacional, se for o caso. Assim, ao arrepio do direito internacional e contra a opinião pública mundial, o governo norte-americano pretende resolver suas pendências com o Iraque e com Saddam Hussein pelo uso da força. Os objetivos deste ataque, com custos astronômicos em recursos e vidas segundo projeções de especialistas, não estão claros para o mundo. As inspeções da ONU, até agora, não conseguiram provar que o Iraque violou resoluções, que possua armas de destruição ou alimente redes terroristas.

Manifestantes pacifistas norte-americanos chamam a operação militar de "guerra do petróleo". Em setores da mídia especula-se sobre quais companhias petrolíferas seriam beneficiadas sob um novo governo iraquiano, subserviente à Casa Branca. O escritor Gore Vidal tem denunciado, insistentemente, a ligação das famílias de Bush, do vice-presidente e do Secretário de Defesa dos Estados Unidos com a indústria petrolífera.

O mais grave de tudo é que o governo norte-americano apresenta razões e valores supostamente universais para justificar a guerra. Dentre os valores, estariam a defesa da democracia, da liberdade e da paz mundiais. Dentre as razões, sustenta-se a tese da guerra preventiva para evitar futuros desmandos ou ações belicistas de Saddam. Argumenta-se também que o Iraque, junto com a Coréia do Norte e a Líbia, faz parte do "eixo do mal". Saddam Hussein, segundo Bush, teria uma "mente má".

É preciso desnudar a natureza imperial das atitudes, da retórica e das justificativas do governo norte-americano. Em primeiro lugar, as motivações da guerra são essencialmente ligadas aos interesses e à dependência da economia norte-americana à fonte energética do petróleo. Assim, por trás do discurso do universalismo de valores está o interesse particular dos Estados Unidos. As ações imperiais contra outros povos e países, no passado, sempre foram desencadeadas em nome de universalismos.

O conceito de "guerra preventiva" é o equivalente contemporâneo do clássico conceito imperial de "guerra justa". Fazer uma "guerra preventiva" supõe, inclusive, para quem a faz, a condição de onisciência, pois presume-se que se sabe o futuro ou que se sabe o que um outro país ou agente fará no futuro. A "guerra preventiva" é uma guerra que, no fundamental, é justificada, não em razões reais, mas em suposições. Resta saber até que ponto as suposições ocultam as razões reais. No caso do Iraque, a guerra seria preventiva para evitar possíveis ataques com armas químicas e biológicas que ocorreriam num momento qualquer do futuro.

Um outro elemento da retórica de natureza imperial situa-se no discurso sobre o "eixo do mal" e da "mente má". Esse discurso se complementa com a justificativa da manutenção da "ordem internacional". Essa retórica, por um lado, visa dissolver a idéia de que guerra comportará a confrontação entre Estados nacionais e exércitos nacionais. E, por outro, visa dissolver a noção de fronteira. A ação militar revestir-se-ia de caráter essencialmente policial: tratar-se-ia de deter os agentes do mal (Saddam Hussein), e de restaurar a "ordem internacional". Veja-se que no caso, a "ordem internacional" não é nem mesmo a ordem definida pela ONU, mas a ordem definida pelos Estados Unidos. Os impérios não levam em consideração noções de "fronteira" e "Estado nacional". Seu poder é ilimitado e universal.

Acreditamos que se é necessário desarmar e vigiar o Iraque, é possível fazê-lo por outros meios que não a guerra. A guerra precisa ser detida pela opinião pública norte-americana, pela opinião pública mundial e por governos de outros países, através de intensas campanhas pela paz.

A ONU corre imenso risco de desmoralização definitiva. Se a guerra acontecer sem seu aval, revelar-se-á que o mundo está a mercê do não limite da força e da violência. Se a ONU der seu aval sem provas evidentes da necessidade do ataque e por pressão dos Estados Unidos, mostrará que se trata de um organismo subserviente aos ditames da força. Para que haja paz no mundo é preciso evitar o unilateralismo e reconstruir os organismos internacionais, partindo do reconhecimento de que o mundo se define por um caráter multicivilizacional. As diferentes civilizações e as diferentes regiões devem ter assento no Conselho de Segurança da ONU como fator de sua democratização e como necessidade de se buscar saídas mediadas e negociadas para os conflitos internacionais ou internos.

A guerra poderá mergulhar a economia internacional numa recessão. Os seus efeitos se farão sentir em todo o mundo e atingirão, principalmente, os países pobres e as populações pobres. No Brasil e nos demais países em desenvolvimento, poderemos ter aumento dos combustíveis, aumento da inflação, aumento do cambio e fugas de investimentos. Temos todos os motivos para condenar a guerra; nenhum para justificá-la.

01 de Fevereiro de 2003

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