Opinião

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A reforma do Estado

A reforma do Estado deu alguns passos importantes nas últimas décadas, mas ainda está longe de apresentar resultados satisfatórios. O Estado brasileiro e, conseqüentemente, a nosso democracia, apresenta três grandes níveis de insatisfatoriedade. O primeiro nível é histórico, e diz respeito ao fato de que ainda temos um Estado de privilégios. O segundo diz respeito aos problemas de eficiência e de gestão. O terceiro refere-se à participação e transparência.

O Estado brasileiro, do Império à República, sempre articulou privilégios funcionais e serviu de instrumento de acumulação privada de capital. Se os privilégios estamentais, burocráticos, dos políticos e de setores das elites econômicas eram evidentes no Império, a República foi incapaz de removê-los e de instituir um verdadeiro Estado republicano. Mesmo hoje, depois de 114 anos de República, temos um Estado fundado na sustentação de privilégios. As formas como são canalizadas e distribuídas as verbas públicas, o direcionamento dos investimentos e financiamentos estatais, certas regalias de corpos do funcionalismo e do setor político e a existência de elevados níveis de corrupção atestam a persistência de privilégios e a péssima qualidade do gasto público. Recursos públicos são apropriados privadamente com critérios anti-republicanos, contrários à justiça e à eqüidade.

Em segundo lugar, é forçoso reconhecer que a máquina pública, nas esferas municipal, estadual e federal, é lenta, burocrática, ineficiente e inatual.

Vivemos num momento em que os princípios de organização e gestão que se consolidaram no período do industrialismo estão superados em larga escala. A forma da estrutura governamental departamentalizada, a organização piramidal e burocrática e os poderes não democráticos que ela constitui, o modo tradicional de planejamento e execução e a ênfase dada aos meios e instrumentos são aspectos de um modelo de organização e gestão que entra em choque com expectativas de eficiência, rapidez, justiça, eqüidade e participação.

O modelo departamental e burocrático de organização e gestão homogeneiza padrões e bloqueia as abordagens e as solução pluralistas. As determinações do mundo globalizado, o caráter complexo das sociedades do nosso tempo e as incidências da revolução tecnológica e do conhecimento exigem métodos de organização e gestão mais flexíveis e democráticos.

Requer-se hoje um modelo de organização e gestão que focalize objetivos e que mensure resultados. Esse modelo cobra do governo e do funcionalismo métodos inovadores e participativos. Cobra do governo uma postura muito mais ativa, voltada para a liderança e a coordenação de processos. O planejamento tradicional deve ceder lugar a um planejamento democrático e participativo.

A organização departamental deve ser substituída por uma organização horizontal, capaz de instituir uma abordagem transetorial dos problemas. As questões de combate à fome e à violência, por exemplo, não serão resolvidas pela ação de um ministério ou de uma secretaria. Requerem uma abordagem multidimensional e integrada do governo, nas várias frentes de atuação. O combate à fome implica uma abordagem assistencial, educacional, econômica, cultural, com políticas de desenvolvimento, etc.

Observa-se que o terceiro nível de insatisfatoriedade do Estado brasileiro - a falta de participação e transparência - tem estreita vinculação com o segundo, relativo à organização e gestão. Na verdade, o que está em discussão é o próprio modelo de democracia. Disseminou-se a crença, na segunda metade do século 20, de que a participação política dos cidadãos deveria limitar-se à escolha dos governantes. A ênfase dada aos aspectos formais da democracia liberal-representativa fez aumentar o divórcio e o poder dos eleitos sobre os eleitores e formas cada vez menos transparentes de exercício da gestão e de definição de gastos governamentais. As demandas por participação, fiscalização e controle crescem hoje, principalmente em países periféricos como o Brasil, onde são perceptíveis a baixa intensidade e qualidade da democracia, o abismo das diferenças econômicas e o alto grau da exclusão social.

No Brasil há, ainda, um problema adicional. Enquanto em muitos países se avança na reforma administrativa e do funcionalismo público, pouco se andou neste aspecto por aqui. A Lei de Responsabilidade Fiscal foi uma inovação, mas muitos governantes a burlam com medidas que visam a elevar a arrecadação, em vez de diminuir custos. Temos, nos municípios, nos Estados e na União, um excessivo número de cargos de confiança. Esses cargos servem para definir poder e privilégios de partidos e grupos e de moeda de troca política. Essa distorção faz com que a corrida por cargos e salários preceda a discussão sobre programas e projetos. É preciso reduzir o número desses cargos a um nível suficiente para garantir a orientação política dos governos que assumem.

Um dos muitos desafios do PT é o de avançar na reforma do Estado, no sentido de aprofundar seu caráter republicano, elevar os níveis de transparência, torná-lo mais permeável à participação e ao controle dos cidadãos e mais eficaz e ágil no atendimento das demandas da sociedade. A democracia, além de ser um conjunto de regras e procedimentos, deve ser vista como um processo para melhorar a vida das pessoas.

18 de Janeiro de 2003

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