Opinião

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O senador, a amnésia e a tergiversação

De duas, uma: ou o senador Jorge Bornhausen sofreu um terrível ataque de amnésia, ou se especializou na arte de tergiversação. Talvez as duas -por excesso de esperteza, o senador sofre de amnésia auto-induzida, esquecendo que foi governo até há pouco mais de um ano, e, por esperteza em excesso, tergiversa para evadir-se de suas próprias responsabilidades, de dirigente e integrante de um partido que foi governo durante décadas, acerca da situação calamitosa em que se encontra o país hoje. Sim, porque o senador e seu partido emergiram de um outro partido que estava no poder com os militares, ficou no poder com os governos Sarney, Collor e Fernando Henrique Cardoso.

Em artigo publicado na Folha dia 29/3 ("O governo, a soja e o trovão", pág. A3), o senador se dedica à arte da distorção dos fatos ao atribuir a responsabilidade das filas dos caminhões de soja no porto de Paranaguá ao governo Lula, omitindo a informação de que o porto é controlado pelo governo do Paraná e de que o problema das filas estava afeto àquele governo.

Vejam o que diz o senador, referindo-se ao governo Lula, sem que, aparentemente, suas faces fiquem rubras: "Na verdade, não houve planejamento estratégico, e o país está colhendo hoje 52 milhões de toneladas de soja com uma logística de armazenamento e transportes estabelecida quando colhia 28 milhões de toneladas". Logo depois, cobra o governo por essa situação. Então vejam o seguinte: os governos anteriores, dos quais Bornhausen fez parte, em décadas construíram uma capacidade logística para escoar 28 milhões de toneladas de soja. Agora, o senador, assumindo o figurino de arauto da competência, cobra do atual governo a construção de uma logística para escoar 24 milhões de toneladas de soja a mais em apenas um ano e três meses. Quem quiser conferir estatuto de seriedade a tal postulação que o confira...

O Brasil corre, sim, o risco de um apagão logístico, da mesma forma que sofreu um apagão energético sob o governo passado. O governo Lula está agindo para evitá-lo. Mas, se ocorresse, a responsabilidade maior, para sermos justos, não seria de quem está apenas há um ano e três meses no governo.

Em seus artigos e discursos, o senador tem se apresentado também como vestal da moralidade. Para o PT, o caso Waldomiro Diniz é grave, está sendo apurado e os rigores da lei precisam ser aplicados. O PT praticamente não tem vereadores, prefeitos, deputados ou governadores condenados por práticas de corrupção. Tem uma postura firme contra essas práticas no interior do partido e em seus governos e, embora não seja imune a elas, não aceita que seu patrimônio ético seja erodido por uma campanha que quer colocar todos os políticos na mesma vala da permissividade. O senador acusa o atual governo de perder tempo abafando CPIs. Mas será que ele se lembra de quantas CPIs abafou o governo anterior, do qual ele era integrante?

Outro mote preferido do festival de disparates que o senador catarinense joga contra o governo Lula consiste em acusá-lo de ter aumentado a carga tributária. A amnésia induzida e a tergiversação fazem-no esquecer que o governo anterior, em oitos anos, promoveu o brutal aumento da carga tributária de 26% do PIB para 36% do PIB, estabelecendo um Estado fiscalista, que demorará anos para ser desmontado e que constitui uma das principais razões da inviabilização do aumento dos investimentos privados.

O governo anterior elevou também a dívida pública de 30% para 56% do PIB, impugnando o futuro de várias gerações, só para pagar os juros escorchantes, decorrentes das péssimas condições com que essa dívida foi contratada, fruto, sim, da incompetência e da irresponsabilidade. Poder-se-ia falar das privatizações mal feitas, principalmente do setor elétrico, que geraram ineficiência e queimaram patrimônio público. Poder-se-ia falar também de outras mazelas deixadas como herança por governos dos quais Bornhausen fez parte. Essa herança toda não prejudicará apenas o desempenho do governo Lula. Afetará o desempenho de muitos governos futuros. Acima de tudo, está afetando o presente e o futuro do povo brasileiro.

Diante de herança tão desastrosa, da qual o senador é um dos artífices, tem ele legitimidade de acusar o presidente Lula de incompetência e falta de autoridade, ressuscitando preconceitos mesquinhos que foram derrotados pelo povo, nas urnas? Com muitos sacrifícios e com a interdição dos limites herdados, o presidente Lula e seu governo estão melhorando o perfil da dívida e o perfil do sistema tributária para que o Brasil e seu povo possam ter dias melhores.

O PT assume, com franqueza e humildade, alguns erros e limites que vem mostrando no governo. Ao mesmo tempo, tem certeza de que as falhas serão corrigidas e de que o Brasil está encetando o caminho do desenvolvimento, da geração de emprego e da distribuição de renda. O que o PT não aceita é que se pendure no seu passivo uma conta que é dos outros. O senador Bornhausen tem todo o direito de ser oposição. Mas tomou café, almoçou e jantou na mesa do poder. Que arque com suas responsabilidades.

02 de Abril de 2004

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