Opinião

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O difícil caminho do desenvolvimento

É forçoso reconhecer que o Brasil vem enfrentado um impasse de quase três décadas em torno da questão do desenvolvimento econômico e social. Os vários planos e projetos que foram sendo implementados desde a década de 1980 e os parcos resultados obtidos por todos eles testemunham em favor de uma crise de modelos de desenvolvimento do País. O presidente Lula foi eleito com a promessa de reconduzir o Brasil ao caminho do desenvolvimento, com geração de empregos e distribuição de renda. Mas os resultados obtidos até agora mostram que as dificuldades concretas são enormes e rebatem a vontade política contida na promessa.

Importa notar que o impasse sobre o desenvolvimento vem intensificando e qualificando o debate sobre o tema. Um dos fulcros desse debate diz respeito ao papel que se reserva ao Estado na promoção do desenvolvimento. Nessa questão se têm apresentado duas posições polares: uns ainda acreditam que o Estado seja o grande fautor do desenvolvimento; outros vêem o Estado no limitado papel de promotor de um "clima de negócios", já que o desenvolvimento seria obra exclusiva do mercado.

A idéia de que cabe fundamentalmente ao Estado a responsabilidade de promover o desenvolvimento não encontra mais ressonância no mundo de hoje pelo alto custo inflacionário que esse modelo acarreta. Por outro lado, supor que o desenvolvimento possa aparecer espontaneamente a partir da aplicação bem comportada de um modelo macroeconômico fundado na estabilidade monetária e na responsabilidade fiscal consiste em fazer uma aposta, já comprovada, no baixo crescimento. Esta fórmula é ainda mais duvidosa, no caso do Brasil, porque desconsidera a tradição da nossa cultura econômica.

É preciso notar que não existe apenas um modelo de capitalismo bem-sucedido.

Os Estados Unidos, pelas especificidades de sua formação histórica e econômica, constituem o único grande modelo de capitalismo bem-sucedido no sentido ascendente, a partir da sociedade e do mercado. Já a Alemanha constitui um entre vários outros exemplos de modelo de capitalismo bem-sucedido no sentido descendente, do Estado para a sociedade e o mercado.

Os países asiáticos que desbravaram ou estão desbravando os caminhos do desenvolvimento apostam num modelo em que combinam um pacto entre Estado e mercado na definição dos pressupostos e requisitos desse desenvolvimento.

A partir dos anos 1990, disseminou-se no Brasil a idéia de que bastaria garantir estabilidade monetária, responsabilidade fiscal e abertura econômica para incrementar a competitividade que o desenvolvimento apareceria como num passe de mágica. Estamos indo para mais de uma década desse experimento sem que o coelho tenha surgido da cartola. Esse tempo já é razoável o suficiente para mostrar que o modelo é insuficiente.

Não resta dúvida de que estabilidade monetária, responsabilidade fiscal e competitividade são condições necessárias ao desenvolvimento sustentado.

Também não resta dúvida de que o estoque principal dos investimentos necessários ao desenvolvimento deve vir do setor privado. Isso não retira, no entanto, a responsabilidade do Estado de investir em algumas áreas, como infra-estrutura e energia. O Estado, também é verdade, precisa garantir um ambiente adequado, seguro e previsível aos investidores por meio de um marco regulatório, garantias jurídicas e um sistema pertinente de concessões.

Mas, no caso do Brasil, mesmo que o Estado garanta todas essas funções, estará cumprindo de forma insuficiente sua missão de promover o desenvolvimento. O protagonismo do Estado no desenvolvimento, de fato, não se remete mais ao modelo e às tarefas do nacional-desenvolvimentismo. As exigências agora são outras. Cabe ao Estado, por exemplo, em consorciação com o mercado, definir uma política de pesquisa e desenvolvimento (P&D), de ciência e tecnologia (C&T), de inovação produtiva e de definição das apostas em setores estratégicos capazes de promover um choque de valor agregado na produção brasileira, principalmente na orientada para as exportações. Cabe também ao Estado, sempre em associação com o mercado, abrir novos mercados internacionais para os produtos brasileiros e definir uma estratégia de multinacionalização de empresas brasileiras. Aliás, esta é uma área em que o governo Lula vem conseguindo, reconhecidamente, êxito e avanços significativos em relação a tudo o que já foi feito até agora.

Em suma, é tarefa comum ao Estado e à sociedade (mercado) definir o modelo de desenvolvimento do País, pactuando as condições econômicas e sociais para processar tal projeto. Foi mais ou menos isso que fizeram os países asiáticos que se desenvolveram: definiram a importância da educação para o desenvolvimento, da pesquisa, da tecnologia, da infra-estrutura, das exportações, etc. No Brasil, o Estado pode ajudar a estruturar as cadeias produtivas, arbitrar seus conflitos distributivos internos, promover as formas regionalizadas e locais de desenvolvimento, estabelecer acordos de complementaridade produtiva internos e internacionais e definir políticas de incentivo às pequenas e médias empresas e ao empreendedorismo. Essas várias atividades que o Estado pode e deve implementar na promoção do desenvolvimento se tornarão coerentes e eficazes se aparecerem como partes constitutivas de um novo modelo de desenvolvimento econômico e social. É a ousadia da definição desse novo modelo que o desespero dos desempregados e a esperança da sociedade parecem cobrar do governo.

27 de Março de 2004

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