Opinião

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A condenação moral abstrata do PT

Caro Fábio Konder Comparato, ao longo dos anos fui nutrindo um profundo e crescente respeito por você, resultado da admiração por sua luta política, intelectual e jurídica. Neste momento, em que você manifesta divergências aparentemente irreconciliáveis com o partido a que pertenço e com o governo que apóio, meu respeito e minha admiração por você não diminuem, porque são fundados na sua história de vida.

Mas me permito discordar de forma democrática e radical da afirmação que você faz em artigo publicado na Folha, dia 22/2 ("Organizar o contrapoder popular", pág. A3), segundo a qual se abateu uma "ruína moral sobre o governo Lula e o PT". A acusação é gratuita e infundada. Você não arrola fatos e circunstâncias capazes de explicar ao leitor a gravidade de sua sentença. Ela não passa, portanto, de uma condenação moral abstrata do governo e do PT, inserida no mesmo contexto do denuncismo vazio que setores da mídia e da oposição vêm fazendo diariamente.

A sua assertiva sobre o governo e o PT, ao se traduzir num julgamento moral, situa-se fora do âmbito do debate político democrático das divergências e se traduz num repúdio excludente daqueles que você julga "moralmente arruinados". Da mesma forma que você tem uma história, nós também temos uma história. A nossa história não nos envergonha. Pelo contrário, orgulha-nos. Como somos um partido de homens e mulheres, a nossa história se compõem de erros e acertos. Nossos acertos, acreditamos, são maiores do que os erros.

O nosso partido é composto por milhares de pessoas dignas e honestas. Pessoas que, como você, dedicaram suas vidas às causas democráticas, às lutas por direitos e cidadania. Ao condenar o PT de forma abstrata, você está condenando todas essas pessoas, que merecem o respeito e a admiração pelo exemplo de civismo e pela abnegação e sacrifício que ofertaram por aquilo que acreditaram e acreditam ser o bem do país, o bem do povo.

Nós, petistas, orgulhamo-nos das nossas lutas, das nossas vitórias, das nossas derrotas, dos nossos ferimentos e das nossas alegrias. E nos penitenciamos, de forma humilde, pelos nossos erros. Contribuímos de forma decisiva, junto com Ulysses Guimarães, Mário Covas, Fernando Henrique Cardoso, José Serra e tantos outros homens públicos e militantes anônimos, para a redemocratização do país, a modernização das instituições e a conquista de um padrão mais elevado de transparência e de moralidade na vida pública.

Sim, lutamos, junto com você, Fábio, e junto com Osmar Santos, homem da mídia, que teve a coragem cívica de abandonar as salas de ar condicionado para descer às trincheiras da batalha democrática. Desse capital político e ético ninguém nos expropria; nem as condenações abstratas, nem o lacerdismo pseudomoralista de determinados setores da mídia e da oposição.

O PT não assistirá passivo à tentativa de sua desmoralização. Não foi por ter ascendido ao poder que abandonou seus princípios. Prova disso é a resolução do Diretório Nacional aprovada em dezembro de 2003, que afirma: "As exigências de ética na vida social e de moralização na vida pública são tão fortes que a opinião pública não está mais disposta a tolerar desvios de conduta, desperdícios de recursos. Por isso, o governo deve ficar sempre vigilante quanto a desvios éticos e às pequenas e grandes benesses do poder. Práticas dessa natureza são incompatíveis com um partido que fez e faz da luta por moralidade pública um campo de batalha. São incompatíveis com um governo que luta contra as brechas da corrupção".

Que outro partido fez tamanha advertência a seu próprio governo e se advertiu a si mesmo sobre os perigos implícitos do exercício do poder?

Então, Fábio, em nome do que você nos condena de forma tão peremptória? Em nome do escândalo Waldomiro Diniz? Erramos, sim, PT, governo e José Dirceu, por não termos tido mais acuidade na escolha de um assessor. Mas foi um erro de procedimento, e pedimos desculpas à sociedade por ele. Trata-se de um caso isolado, cometido fora do governo Lula e por alguém que nem sequer é filiado ao PT. Não podemos ser condenados política, penal e moralmente pelas ilicitudes do ex-assessor. Ou poderia um chefe, um empresário, ser condenado pelos crimes de um funcionário? Não, porque nem os atos nem as culpas são transferíveis. Nem um advogado pode ser condenado por defender um criminoso ou um sonegador, porque mesmo os criminosos têm direito à defesa, garantido pela Constituição.

É em nome dos resultados do governo Lula que você nos condena de forma tão definitiva? Os resultados estão aquém do que nós queremos -nós o reconhecemos. Mas Lula exerceu pouco mais de um ano de seu mandato e 2003 foi marcado pela necessidade da adoção de medidas emergenciais para debelar a crise que herdamos. Se for por isso, sua condenação é antecipada e preventiva, carece de valor moral e jurídico. Se for por isso, você se arvora um saber absoluto e onisciente, algo temerário aos homens postularem. Em política democrática, os juízos devem ser sempre parciais e revisáveis.

03 de Março de 2004

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