Opinião

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Contra a discriminação de cidadãos brasileiros e americanos

Determinações do governo norte-americano e de um juiz federal brasileiro estão submetendo cidadãos brasileiros e americanos ao constrangimento do fichamento, mediante identificação por impressões digitais, nos aeroportos dos dois países. É compreensível que o governo norte-americano se preocupe com a segurança dos vôos e é razoável que adote medidas tendo em vista evitar novos ataques terroristas.

Mas ao fichar, sem critério, cidadãos de alguns países e isentar o fichamento de cidadãos de outros países, principalmente da Europa, a medida soa como discriminatória. Ao menos nós, brasileiros, devemos entendê-la enquanto tal, já que o Brasil está incluído no rol dos países cujos cidadãos devem ser fichados. Além dessa falta de critérios, cabe lembrar que o Brasil não é um país no qual haja um histórico de envolvimento com o terrorismo. Pelo contrário, países europeus têm um ativo de presença de grupos terroristas muito maior do que o Brasil.

Por isso, é justo e correto que os cidadãos brasileiros se sintam discriminados pelas medidas do governo norte-americano e que os órgãos competentes do governo brasileiro façam gestões junto às autoridades daquele país para remover a discriminação. Mas é inconcebível e até mesmo inaceitável que um juiz brasileiro determine que os cidadãos norte-americanos passem pelo constrangimento do fichamento nos aeroportos, determinando a mesma discriminação que os cidadãos brasileiros sofrem nos Estados Unidos.

A determinação do juiz, em primeiro lugar, parece ser questionável do ponto de vista legal. É função do governo, não de um juiz, a determinação de normas e procedimentos relativos à política externa, a vistos, ao turismo etc. A medida é inaceitável porque, sob o argumento do princípio da reciprocidade, adota-se uma discriminação. Não se pode aceitar o argumento de que medida vexatória contra os cidadãos norte-americanos protege os cidadãos brasileiros. Também não se pode aceitar o raciocínio absurdo de que a dignidade dos cidadãos brasileiros, ferida nos Estados Unidos, será resgatada se o Brasil tratar indignamente os cidadãos norte-americanos.

Em nome do princípio da reciprocidade não pode se adotar medidas que ferem os valores universais. As relações entre países e o tratamento dispensado aos cidadãos que viajam pelo mundo não podem ser transformados num espetáculo de disputas discriminatórias a ponto de provocar uma degradação das conquistas humanistas, civilizatórias e universalistas que, às duras penas, a Humanidade vem conseguindo.

Ao combater a discriminação com a discriminação e a indignidade com a indignidade, a medida fere o espírito da nossa Constituição fundado nos princípios dos direitos humanos, da liberdade, da igualdade, da justiça, do pluralismo e da solução pacífica dos conflitos. Devemos compreender o princípio da igualdade entre os Estados no sentido das conquistas civilizadoras e de relações democráticas do direito internacional. A nossa soberania deve ser exercida com esse sentido de uma construção positiva das relações entre Estados e povos.

A medida do juiz é, ainda, contraproducente aos interesses do Brasil. Ao submeter os cidadãos norte-americanos a cinco ou até oito horas de espera nos aeroportos é evidente que a perdurabilidade da decisão do juiz afetará negativamente o fluxo de turistas dos Estados Unidos para o Brasil. Ao perceberem o caráter discriminatório os norte-americanos podem não só afetar negativamente o turismo, mas até mesmo os seus investimentos poderão refluir. Assim, a medida do juiz se revela questionável do ponto de vista jurídico, condenável do ponto de vista ético e contraproducente do ponto de vista dos interesses do Brasil. Se há um protesto a ser feito e medidas a serem tomadas, devem ser dirigidos ao governo norte-americano, através dos canais competentes, e não contra os cidadãos daquele país, que devem ser sempre bem-vindos ao Brasil.

Mesmo que o fichamento digital de cidadãos de outros países nos Estados Unidos não cause o constrangimento da espera, devido à sofisticada tecnologia empregada, o que deve ser questionado é justamente seu caráter discriminatório. Outro ponto que pode ser questionado diz respeito à sua eficácia. A medida, aparentemente, não é eficaz na prevenção e na detenção de atos terroristas. Orçada em US$ 20 bilhões, alguns especialistas dizem que ela será capaz de identificar imigrantes ilegais, mas não terroristas. O seu caráter discriminatório, o alto custo e a pouca eficiência para o fim que foi adotada, tendem a torná-la injustificável.

12 de Janeiro de 2004

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