Opinião

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Impressões sobre a China

Na condição de presidente do PT, estive em abril, juntamente com um grupo de dirigentes petistas, numa visita à China, a convite do Partido Comunista. O que mais impressiona naquele país, além da sua cultura milenar, é o dinamismo em todos os setores da vida e em todas as atividades. Não é por acaso que a China é o país que mais cresce no mundo – cerca de 10% ao ano.

A exemplo de outros países asiáticos, com regimes e modelos diferentes, a China capacitou- se para crescer. Capacitou- se em termos de educação e formação de quadros desde a área tecnológica até a área de comércio exterior. Capacitou-se em infra-estrutura e em gestão. Em suma, a China procedeu a uma bem planejada, estrategicamente, abertura econômica, combinada com uma reformulação progressiva de seu sistema político, perseguindo aquilo que seus dirigentes denominam “socialismo de mercado”. O Brasil deve estudar o desenvolvimento chinês, não para copiar o modelo, mas para tirar lição visando a construir seu próprio modelo.

A construção do atual modelo chinês de desenvolvimento passou por sucessivas etapas. Após o período da industrialização pesada, o atual modelo teve seus alicerces lançados em 1978, com a implementação de um programa de reformas denominado “As Quatro Modernizações”. Esse programa representou um primeiro passo da abertura da China para o comércio internacional. Os dirigentes chineses começaram a perceber, naquele momento, que o futuro se delineava em torno de uma economia crescentemente globalizada. Conectar a China a essa economia mundial, com graus relativos de autonomia, determinados por uma participação crescente do país no volume do comércio internacional, seria condição necessária para levar a economia interna para a rota da modernização e do desenvolvimento.

Na década seguinte, os chineses promoveram reformas institucionais para facilitar o alcance dos objetivos da modernização e do desenvolvimento. Passaram de um Estado exclusivamente centralizado e fautor econômico para um Estado mais coordenador, indutor e facilitador do desenvolvimento. Ou seja, o próprio Estado, por meio da reforma legislativa e institucional, passou a ser um dos pólos constitutivos do mercado, facilitando a seu aparecimento. As mudanças na economia, nas instituições e o aparecimento do mercado suscitaram mudanças nos métodos de dirigir e uma renovação da própria base social do Partido Comunista. Uma regra de aposentadoria dos dirigentes foi instituída, permitindo a ascensão de quadros jovens na direção do partido, do Estado e de milhares de empresas mistas que frutificaram no país a partir da criação das Zonas Econômicas Especiais (ZEEs). A implantação das ZEEs consistiu numa estratégia bem-sucedida de atração de capitais, principalmente de outros países asiáticos. Constituía-se, assim, uma base para impulsionar as exportações de uma indústria de baixa tecnologia.

No final da década de 1980 e no início dos anos 90 foi implementada a estratégia para estimular uma integração mais intensiva com a economia global, por meio da industrialização em grande escala da faixa costeira, tendo Xangai como grande pólo desse processo. Investidores da Ásia e de outras partes do mundo aderiram com entusiasmo a esse projeto. Foi assim que a China se tornou, talvez, o principal centro mundial de produção de manufaturas intensivas em mão-de-obra. O que está em preparação agora é o passo seguinte: transformar a China também num centro significativo de produção de manufaturas de alta tecnologia, intensivas em valor agregado.

O alto dinamismo da China, assentado sobre uma estratégia agressiva de comércio internacional, fez com que o país adotasse o multilateralismo nas relações comerciais e diplomáticas. Sua política externa se baseia na promoção dos princípios da paz, da não-agressão, na autodeterminação dos povos e nomulticulturalismo. Internamente, há uma combinação criativa de modelos econômicos e de formas de propriedade. As empresas, por exemplo, são públicas, privadas, coletivas, nacionais e multinacionais. Muitas empresas são mistas, tanto no sentido da combinação público-privado quanto no sentido da combinação nacional-multinacional.

A reforma econômica proporcionou o aumento do mercado consumidor e promoveu uma integração de províncias com etnias diferentes e com graus variados de desenvolvimento. Os ganhos de competências e competitividade comercial, tecnológica e diplomática avançaram sem rupturas internas e sem o surgimento de atritos regionais significativos.

Países em desenvolvimento como o Brasil têm fortes incentivos para aprofundar suas relações comerciais e diplomáticas com a China, pelo extraordinário mercado que ela representa. Ao propor a reforma dos organismos internacionais como a ONU, a OMC e outros, a política externa chinesa tem vários pontos de conexão com a política externa brasileira. O governo Lula vem apostando numa estratégia de consolidação de relações diplomáticas e comerciais com países como a China, a Índia e a África do Sul.

O chamado diálogo Sul-Sul e a articulação de grupos de países emergentes está suscitando o aparecimento de novos pólos de poder mundial. Este caminho é decisivo tanto para encaminhar reformas das instituições internacionais quanto para remover os critérios assimétricos e injustos do comércio internacional. A aproximação do Brasil com esses países não deve significar um afastamento em relação aos Estados Unidos e à Europa. Significa a afirmação de uma estratégia multilateral e pluralista de relações comerciais e diplomáticas, que alarga o espaço de atuação do Brasil no cenário mundial.

10 de Maio de 2004

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