Opinião

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O caráter das eleições municipais

Algumas discussões em torno do significado das eleições municipais deste ano travadas entre políticos, especialistas, colunistas e jornalistas tendem a colocar um falso dilema: as eleições terão um caráter local ou nacional? Algumas teses sustentam que, particularmente, nos grandes centros urbanos, as eleições terão um caráter plebiscitário, de julgamento do governo Lula.

Esse tipo de postulação tende a instaurar um falso dilema no debate porque, com base tanto em experiências eleitorais pregressas quanto em aferições de pesquisas qualitativas é possível afirmar com segurança que as eleições municipais se definirão preeminentemente pelo seu caráter local, municipal. Os temas nacionais como desemprego, violência, crescimento econômico, avaliação do desempenho do governo federal, entre outros, se apresentarão de forma natural no debate eleitoral, com mais ênfase nos grandes centros urbanos. Mas a sua incidência na definição do volto do eleitorado será menor do que as questões municipais. Nas questões municipais podem ser agregadas também variáveis como a imagem do candidato, sua história na cidade, suas qualidades etc.

Num País democrático como o Brasil, com um debate público significativo, com uma espessa opinião pública informada, com os meios de comunicação em expansão e com uma mídia pluralista não é possível imaginar uma eleição simplificada e monotemática. As campanhas precisarão fazer uma abordagem complexa do eleitorado, multitemática, até mesmo porque, com o aprendizado democrático, o eleitor brasileiro vem apresentando níveis crescentes de exigências aos candidatos para que possa definir seu voto. As características federativas do Brasil, sua dimensão continental, suas especificidades regionais e locais determinam a preeminência dos temas locais e municipais sobre as outras variáveis que estarão implicadas na disputa.

Nesse contexto, definitivamente, as eleições não terão um caráter plebiscitário, de julgamento do governo Lula. Quem se embrenhar por essa tática tende a colher um resultado adverso. Nós, do PT, podemos falar com estudo de caso sobre esse assunto na medida em que, nas eleições municipais de 1996, buscamos promover um julgamento do governo federal. Não fomos bem sucedidos.

No caso específico do PT, procuraremos dar ênfase ao foco local e municipal da disputa, sem fugir dos temas nacionais e da defesa do governo Lula. Acreditamos que o Partido vem construindo acúmulos significativos e exitosos nas gestões municipais. Por isso providenciamos a edição de uma revista, “Cidades Vivas”, que divulga 26 projetos premiados internacionalmente de gestões municipais petistas.

A aposta e a ênfase que o PT vem conferindo aos temas locais e municipais partem de pressupostos  e projeções estratégicas. Acreditamos, por exemplo, que com o processo da globalização e sua incidência transformadora de alguns aspectos da soberania nacional, o município, o poder local, ganha uma nova relevância em vários aspectos. Ganha uma nova relevância econômica, na medida em que pode estruturar um modelo de desenvolvimento local, articulado regionalmente, criando graus de autonomia e proteção para a sua produção e para a sua mão-de-obra. Ganha uma nova relevância social, na medida em que os problemas de pobreza e de exclusão, típicos de países em desenvolvimento, podem ter soluções mais eficazes se enfrentados pelo poder local e municipal. Ganha uma nova relevância cultural e ecológica, na media em que revalorização do espírito de comunidade e de pertencimento preserva e recria conteúdos culturais e sócio-ambientais.

As eleições, de alguma forma, deverão apontar para essa nova relevância do poder local, para essa revalorização do município como uma unidade política, econômica, social e territorial. A revalorização do município deve sinalizar também, para os políticos e para os governantes, que o Brasil deve repactuar seu sistema federativo, definindo melhor as responsabilidades e os encargos, de um lado, e os recursos e fontes de financiamento, de outro. Ao longo dos anos 90, sem dúvida, os sucessivos processo de ajuste das contas públicas, retiram dos municípios brasileiros, graus significativos de autonomia que haviam conquistado com a Constituição de 1988.

A repactuação federativa deve definir melhor a responsabilidade dos municípios e suas respectivas fontes de recursos para atender políticas sociais de natureza redistributiva e compensatória, políticas educancionais da fase pré-escolar ao ensino fundamental, políticas de saneamento, de recursos hídricos e políticas sócio-ambientais. É preciso dar-se conta que a responsabilidade para com muitos desses temas permanece numa zona cinzenta, indefinida e ambígua entre o poder municipal, o poder estadual e o poder federal. Sem uma adequada definição de responsabilidades federativas, esses temas, fundamentais para as populações e para o desenvolvimento do País, continuarão tendo soluções precárias e insatisfatórias. Uma adequada estrutura federativa deve permitir que as três esferas de poder estabeleçam sistemas de coordenação conjuntos, com claras e definidas distribuição de tarefas, num processo capaz de somar esforços na solução dos graves impasses sociais, econômicos e ambientais que muitas cidades enfrentam.

07 de Junho de 2004

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