Opinião

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Viés autoritário de quem?

O PT e o governo continuam sendo alvos de um furioso ataque vindo de setores da oposição e de alguns colunistas políticos. O mote agora consiste em que ambos - PT e governo - estariam tomados por uma intencionalidade autoritária orientada contra jornalistas, contra o Ministério Público e em favor do dirigismo estatal. A liberdade e a democracia estariam em perigo. O governo não teria apreço por esses valores e o ovo da serpente estaria prestes a gerar o perigo do autoritarismo.

É curioso notar que alguns dos porta-estandartes da "liberdade de imprensa" e da "democracia" nunca souberam e não sabem o que é a censura de fato, o que é a falta de liberdade política de fato e o que é regime autoritário de fato. À época do regime militar, alguns desses novos arautos da democracia estavam justamente contra ela, beneficiando-se ou silenciando à sombra do autoritarismo.

Então, o problema que tem de ser posto, antes de tudo, é o da legitimidade moral do discurso. É fácil, agora, no gozo pleno das liberdades, acusar um governo democrático de autoritário. O difícil era acusar um governo autoritário de autoritário. Nós, do PT, juntamente com muitos democratas que estão em outros partidos, o fizemos. A liberdade de imprensa e a liberdade política de que todos gozam nos dias de hoje são frutos de nossas lutas. Não queremos nada por isso além de reconhecimento e respeito. Mas quando nós, não de forma exclusiva, claro, falamos de liberdade e democracia, temos a legitimidade moral do discurso. Legitimidade que nos foi conferida pela história de uma conquista e pela nossa luta. Legitimidade que falta a muitos dos que nos atacam.

O segundo problema implicado nas acusações é o problema da verdade. É insustentável e até risível o argumento de que o governo tenha uma intencionalidade autoritária ou uma prática em tal sentido. Nenhum outro governo do período republicano foi tão democrático como está sendo o governo Lula. O governo estabeleceu um inédito diálogo social que abrange todos os grupos - do MST aos empresários de todos os setores. Demandas são ouvidas, sugestões são acatadas e soluções são encaminhadas. Não há dirigismo em nenhum setor ou atividade. Não há dirigismo na economia, setor no qual mais se temia que um governo do PT viesse a adotar uma postura estatizante. O atual governo é o que mais promoveu e vem promovendo o diálogo institucional com governadores e prefeitos, com o Congresso e com o Judiciário. Consensos para impasses federativos são construídos, pendências são negociadas e conflitos são dirimidos.

O que se vê é que a realidade desmente as acusações e que há uma inverdade nelas. O que há é a tentativa de construção de uma realidade falsa por meio de um discurso sinuoso, revestido de brilho e de compromisso cerimonioso com valores que não estão em jogo e que não estão ameaçados. Discurso luminoso na aparência, mas nebuloso na essência, porque o vendaval de adjetivos que vitupera contra o PT e o governo acoberta interesses que não se revelam.

O PT e o governo podem ter cometido e deverão continuar cometendo alguns erros aqui, outros acolá. Isso é natural aos seres humanos e na atividade política. Mas esses erros em momento algum representaram uma ameaça à democracia e à liberdade. Erros dessa natureza, questões mal postas ou afirmações irrefletidas sempre são passíveis de retificação pelo debate público. E nisso a crítica tem um papel relevante e legítimo. O debate público cumpre a alta função de processar esclarecimentos, entendimentos e posições de conteúdo. Daí que o debate público é imprescindível à democracia e constitutivo dela.

O que não cumpre papel relevante nem se legitima é a acusação infundada, o discurso fabricado, que muitas vezes tenta até mesmo criminalizar relações políticas legítimas. Esses expedientes, sim, são constitutivos de um método que afronta a democracia, pois neles não estão em jogo conteúdos. Estão em jogo apenas a adjetivação vazia, que se nega a discutir o mérito das questões postas e das iniciativas encaminhadas. É a forma autoritária de desconstituir o adversário e não reconhecê-lo como interlocutor legítimo. É a forma que nega a essência da democracia, porque esta implica, antes de tudo, a controvérsia plural de idéias.

É isso que está sendo feito em torno das propostas da criação da Agência Nacional de Cinema e Audiovisual (Ancinav) e do Conselho Federal de Jornalismo (CFJ). Boa parte dos críticos não debateu o mérito das propostas.

Eles partiram para a acusação e a adjetivação, simplesmente. E deram o assunto por encerrado nos termos das suas presunções: eles são os democratas e o governo e o PT são os autoritários. Nem sequer refletiram sobre a necessidade de democratizar o acesso aos fundos públicos de incentivo à cultura. Reside justamente aí a nebulosidade das críticas adjetivadas, porque elas escondem os interesses efetivos que representam.

No caso do Conselho Federal de Jornalismo, o governo apenas encaminhou uma petição da categoria dos jornalistas. Acredito que fosse melhor não tê-lo feito. O caminho mais correto consistia em que a Federação Nacional dos Jornalistas encaminhasse sua demanda diretamente ao Congresso. Mas o que está claro é que não houve nenhuma imposição, nenhuma urdidura por parte do governo. O que mais se viu em torno dessa proposta não foi o debate público do seu mérito e dos procedimentos, mas as adjetivações de "bolchevismo", "autoritarismo", "chavismo", "dirigismo", etc. Comparou-se o CFJ brasileiro com um conselho similar que existe em Cuba. Ninguém se lembrou de que na França democrática também existe um conselho regulamentado em lei, conhecido como Comissão da Carta dos Jornalistas. São esse discurso adjetivado, essa falta de respeito com a História, essa ausência de conteúdo que atentam contra o debate público democrático.

28 de Agosto de 2004

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