Opinião

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Fernando Henrique e a falsa tese do risco democrático

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso expôs em artigo, Serra e a democracia (3/10, A2), com lustre teórico, uma tese que os tucanos vêm sustentando como ardil político-eleitoral: a de que o PT estaria provocando um risco à democracia, levando o Brasil para um regime de partido único. Se a tese fosse verdadeira, revestir-se-ia da mais alta gravidade e deveria ser denunciada formalmente no Parlamento e no Judiciário. O assunto é grave porque, se procedente, o PT estaria conspirando contra o Estado democrático e a Constituição, já que o artigo 17 garante a liberdade de organização partidária e o pluralismo de partidos.

Mas para se furtar da responsabilidade de ter de formalizar tal denúncia perante os poderes constituídos, Fernando Henrique recorre à astúcia do sofisma. Ou seja, começa dizendo que a democracia formal não está em perigo para depois sustentar que existe, no presente, uma "democracia arriscada de ser caudatária de um partido único", sugerindo que estariam sendo inviabilizadas alternativas partidárias por conta dos "ímpetos antidemocráticos" imputados ao PT.

Além de ser sofística, a tese não tem sustentação teórica ou prática.

Fernando Henrique não arrola nenhuma evidência, seja em termos de movimentos, atos e intenções por parte do PT, seja por provas empíricas, de que a democracia brasileira estaria correndo o risco de se transformar em regime de partido único. No plano da presença dos partidos nas instituições da Federação, o PT governa apenas três Estados, que não são os mais fortes, e na Câmara e no Senado as cadeiras estão distribuídas de forma equilibrada entre vários partidos.

Nas eleições do último dia 3, embora o PT tenha sido o partido mais votado do Brasil, alcançou 400 prefeituras, ficando abaixo de outros cinco partidos, inclusive do PSDB. Estes fatos e a ausência de provas de que o PT estaria processando atos e movimentos para constituir um regime de partido único destroem a respeitabilidade da idéia do risco democrático. A tese abstrata que Fernando Henrique sustenta representa uma chantagem antidemocrática, com vista a disseminar preconceitos e intimidar o eleitor, constrangendo-o com argumentos falsos a votar no candidato José Serra e nos demais candidatos do PSDB.

Se o PT pretendesse instituir um regime de partido único, estaria promovendo um movimento de cooptação de parlamentares de outros partidos. Mas, ao chegar ao poder, apenas um parlamentar ingressou na bancada petista na Câmara, por razões programáticas. Em contrapartida, quando Fernando Henrique foi eleito presidente, o PSDB, durante a 50.ª legislatura, de 1995 a 1999, cooptou de outros partidos nada menos que 60 deputados. E na 51.ª legislatura, de 1999 a 2003, cooptou 36 deputados. é com esse vergonhoso histórico de cooptações que Fernando Henrique se sente no direito acusar o PT de voraz e de alimentar ímpetos antidemocráticos.

Ao chegar ao governo, o PSDB anunciou que tinha um projeto de poder de 20 anos. A desmedida sede pelo poder fez o governo tucano aprovar a emenda da reeleição sob denúncias de compra de votos, rompendo uma tradição do período republicano. Como presidente, Fernando Henrique praticou à larga a desqualificação da oposição, classificando-a, entre outros adjetivos, de neoboba e jurássica. O verdadeiro objetivo da desqualificação não é persuadir com argumentos e conteúdos, mas excluir o outro como um oponente legítimo do debate e da disputa. Essa técnica é indisfarçavelmente autoritária. A arrogância do PSDB o faz pressupor que existe democracia somente quando ele está no poder.

O governo Fernando Henrique caracterizou-se também por tentativas recorrentes de criminalizar os movimentos sociais. O governo Lula, ao contrário, promove o mais amplo diálogo com todos os setores empresariais e movimentos sociais e com governadores e prefeitos de todos os partidos. Em nenhum momento a autonomia do Congresso e do Judiciário foi ameaçada. Em nenhum momento se tentou agredir a liberdade de imprensa ou de produção cultural, porque o Congresso é soberano na regulamentação dessas atividades.

O que ocorre é que Fernando Henrique Cardoso e outros oposicionistas querem continuar fazendo política à custa da suspensão da história e de suas responsabilidades e práticas enquanto governantes. Com essa esperteza levantam teses abstratas para imputar culpabilidades aos adversários.

Inconformados por terem perdido o governo federal, querem recuperar o poder com a marcha de uma cavalaria sofística. Em vez de combater com propostas, resumem-se a afirmar que o PT é autoritário, dirigista e aparelhista.

O motivo principal do uso das abstrações e dos sofismas na disputa política se deve ao fato de que a oposição perdeu o discurso. Partiu da falsa presunção de que o governo fracassaria, de que Lula não seria capaz de governar e de representar o Brasil no exterior, de que a economia e o emprego não cresceriam, de que os programas sociais seriam um fracasso e de que o Brasil ficaria sem rumo.

Mas, na medida em que o governo garantiu a governabilidade e está consertando o Estado, recuperando o crescimento econômico e o emprego e implementando programas sociais que abrangem mais de 5 milhões de famílias, a oposição ficou sem discurso e sem propostas. O governo do PT está, inclusive, consertando a trágica herança deixada pelo governo Fernando Henrique, que se sintetiza na elevação da dívida pública de 33% do PIB para 57% do PIB e da carga tributária de 26% do PIB para 36% do PIB. Herança que hipotecou o futuro de várias gerações, diminuindo as oportunidades e as chances de bem-estar do povo brasileiro.

11 de Outubro de 2004

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