Opinião

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A crise dos partidos

Não há como negar que está instalada uma grave crise nos partidos políticos brasileiros. Esta crise tem várias dimensões e várias causas. Pode-se dizer que, no período recente, no contexto da eleição do novo presidente da Câmara dos Deputados, esta crise se aprofundou. O processo foi marcado pela desmoralização das direções partidárias e das lideranças das bancadas. Crise que não se concentra só em Brasília, mas que se espalha pelos Estados, pelas Assembléias Legislativas, pelas Câmaras Municipais e pelas prefeituras. No aspecto fenomênico, esta crise se expressa pela perda de legitimidade dos partidos, dos políticos e das instituições políticas perante a opinião pública.

A raiz mais remota da crise dos partidos reside no fato de que há uma dissociação entre aquilo que eles são e o eleitorado. Ou seja, os partidos têm baixa representatividade eleitoral e social. Na medida em que a representação política das democracias modernas se funda nos partidos, a fraqueza e a desorganização destes constituem a dissociação. O mais grave é que, ao não existir fidelidade partidária, os políticos eleitos fraudam a vontade soberana do eleitorado. O eleitorado designa o número de representantes - deputados, prefeitos, governadores, senadores e vereadores - que cada partido deve ter. Mas o famoso troca-troca derroga esta vontade soberana dos eleitores, modificando os resultados que saem das urnas.

A causa principal desta fraude da vontade dos eleitores está na frouxidão e na inadequação das regras e normas que regem a conduta dos partidos. O troca-troca atende a objetivos diversos. Na medida em que nosso sistema partidário e eleitoral não favorece a formação de maiorias governamentais, os governos são obrigados a formar coalizões majoritárias após o processo eleitoral, incluindo até mesmo adversários na base de apoio. Isso motiva o troca-troca. Mas o troca-troca não foi inventado sob o atual governo. Aliás, ele é menos extensivo agora do que o foi sob o governo anterior. Quando Fernando Henrique Cardoso foi eleito presidente, o PSDB, durante a 50.ª legislatura, de 1995 a 1999, cooptou 60 deputados de outros partidos. E na 51.ª legislatura, de 1999 a 2003, cooptou 36 deputados.

A fraude da vontade soberana dos eleitores estabelece uma incoerência entre o corpo dos cidadãos, o Congresso e o exercício da governabilidade. O sistema político desorganizado é o principal fator de desorganização daquilo que é estabelecido pela vontade majoritária das urnas. O desrespeito à vontade dos cidadãos tem como contrapartida a erosão da legitimidade do sistema político.

A necessidade de formação de governos de coalizão não é a única responsável pelo fenômeno do troca-troca. Os políticos que trocam de partido não podem ser isentados de suas responsabilidades específicas, motivadas por interesses pessoais ou de grupos. As próprias direções partidárias, ao incentivar ou aceitar os troca-trocas, terminam por reforçar esta prática perniciosa, que se transformou num fator de desmoralização das instituições e da política brasileira.

Ladeando o ambiente permissivo do troca-troca, há que notar que os partidos estão incursos em graves problemas de disciplina interna. A exasperação de interesses individuais ou de grupos de políticos e parlamentares tem proporcionado a pulverização dos interesses dos partidos e a preeminência de indivíduos e grupos sobre os coletivos partidários. Muitos parlamentares privatizam os seus mandatos, transformando-os em pequenos empreendimentos de interesses específicos. Agem dentro dos partidos e nos parlamentos orientados por esses interesses privados, agredindo de forma grave o sentido e o conteúdo republicano que a ação política deve ter.

É preciso que todos os políticos e dirigentes partidários lúcidos e corretos, juntamente com a opinião pública, reajam a esta degradação ética e moral da vida política. É necessário aprovar normas que ajudem a constituir os partidos como verdadeiras instituições partidárias. Isso quer dizer que a razão da existência e da ação dos partidos deve fundar-se nos seus programas, nos seus estatutos, nas suas organizações e na sua inserção na sociedade. Não é mais possível aceitar que os partidos sejam meras legendas de reprodução de interesses de indivíduos e grupos, pondo em segundo plano os interesses das instituições partidárias e da sociedade.

A reorganização dos partidos políticos passa pela reforma política ou, ao menos, pela aprovação de pontos importantes dessa reforma. Queremos enfatizar novamente a necessidade de instituir o financiamento público das campanhas, as listas preordenadas para as eleições legislativas e a fidelidade partidária, fator que determinará a perda de mandato quando o representante eleito trocar de partido.

Os próprios Legislativos precisam passar por reformas moralizadoras e modernizadoras. A redução do tempo dos recessos parlamentares, a proibição da contratação de parentes, o fim da indústria das convocações extraordinárias e o corte de privilégios são reclamos veementes da sociedade. A opinião pública, os políticos, os intelectuais e os representantes de organizações sociais e representativas estão desafiados a promover um amplo debate público sobre o sentido da reforma política e moral que é preciso imprimir nas nossas instituições. Somente esse debate público e democrático terá força para estabelecer um sentido correto à urgente e necessária reforma do nosso sistema político e partidário.

28 de Fevereiro de 2005

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