Opinião

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Reafirmar a cultura de partido

O episódio da eleição do presidente da Câmara dos Deputados demonstrou que o PT não é invulnerável a práticas equivocadas de um dos principais pilares que fizeram da nossa agremiação um partido diferente e inovador na história dos partidos brasileiros: a exigência da unidade de ação e da disciplina partidária. Ao lançar a candidatura avulsa, o deputado Virgílio Guimarães enfiou uma espada no coração deste princípio. Se o PT deixasse passar em branco este episódio, sem nenhum tipo de punição, o princípio da unidade e da disciplina estaria ferido de morte. A punição é uma espécie de remédio amargo para regenerar o grave ferimento. A candidatura avulsa de Virgílio contribuiu, sem dúvida nenhuma, para pôr a perder um alto interesse do PT, que consistia em eleger o seu candidato para a presidência da Câmara.

A opinião pública, felizmente, parece que vai se dando conta aos poucos da gravidade em que consiste o fato de o Brasil não dispor de um sistema partidário forte, representativo e disciplinado. As principais conseqüências desta situação são o aumento do custo da política e a incoerência e falta de lógica nas decisões políticas. Este último aspecto decorre da sobreposição dos interesses individuais dos políticos sobre os interesses dos coletivos partidários. Parlamentares e políticos vêm privatizando seus mandatos, tornando-os instrumentos quase que exclusivos da promoção de seus interesses individuais ou de grupos. Os partidos se tornam, assim, aglomerados de interesses dispersos e fragmentários negando à sociedade uma representação legítima, expressa nos programas e nas propostas partidárias.

Reafirmar a cultura de partido significa reafirmar a importância dos programas políticos e dos estatutos partidários. Significa respeitar o eleitorado que quer se fazer representar no município, no Estado e na União por programas de governo e por propostas de atuação nos legislativos. O que o eleitor cobra hoje do sistema político e partidário é a coerência programática. Esta coerência se torna impossível se os interesses individuais dos políticos prevalecerem sobre os interesses dos coletivos partidários. As carreiras políticas dos indivíduos são legítimas desde que se enquadrem na lógica da primazia dos interesses do partido.

Existem dois caminhos possíveis para fortalecer os partidos políticos, que precisam ser desenvolvidos de forma paralela. O primeiro é um caminho interno de cada partido, que precisa fazer escolhas recorrentes que o afirmem enquanto instituição partidária fundada no programa e nos estatutos. Ou seja, os coletivos partidários precisam consolidar uma cultura de partido que deve se expressar em regras e normas estatutárias e no programa partidário.

O outro caminho passa pelo aperfeiçoamento da legislação eleitoral e partidária. Os partidos políticos se situam numa espécie de confluência entre o direito privado e o direito público. Se as democracias modernas se sustentam sobre uma estrutura de partidos, que fazem a mediação entre os representados e os representantes, deve ser do interesse dos sistemas democráticos o fortalecimento dos partidos.

Hoje, por exemplo, o financiamento privado das campanhas, além de incubar a corrupção, favorece que se formem em torno dos candidatos esquemas particulares de interesses que, depois das eleições, podem se projetar para o interior das instituições públicas, seja para privatizar mandados, seja para favorecer interesses de empresas, grupos etc. As direções partidárias perdem o controle sobre esses esquemas de interesses. Por isto, a instituição do financiamento público das campanhas por um lado, ataca o já alto custo das campanhas, e por outro, fortalece os partidos.

Outro mecanismo que pode fortalecer os partidos políticos consiste na adoção das listas partidárias preordenadas para as eleições legislativas, com a definição de que se um parlamentar trocar de partido perderá o mandato. Com as listas preordenadas, as campanhas eleitorais passarão da ênfase dada aos indivíduos candidatos para a ênfase centrada no partido político. Assim, os parlamentares, os representantes eleitos, terão que ser mais fiéis às propostas defendidas durante a campanha. Terão que ser mais fiéis aos programas de seus partidos. Com o estabelecimento da fidelidade partidária, o mandato será juridicamente do partido. A sociedade deixará de assistir o degradante espetáculo do troca-troca e a vontade soberana do eleitor deixará de ser fraudada.

11 de Março de 2005

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