Opinião

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Genoino: o PT é produto de uma conjunção singular de lutas sociais

Ao comemorarmos 25 anos de existência do PT é oportuno e necessário que reflitamos sobre as origens e a trajetória do nosso partido. Se existe um princípio fundacional do PT, ele pode ser sintetizado na idéia de que somos um partido que nasceu das lutas sociais e políticas do povo brasileiro.
Com efeito, o PT é produto de uma conjunção singular de lutas sociais e políticas expressas nas greves dos trabalhadores por melhores condições de vida, por liberdade sindical, pelas reivindicações dos movimentos sociais urbanos, na luta pela reforma agrária, na luta pelos direitos das mulheres e dos jovens, pela igualdade racial, nas lutas pela afirmação de direitos das minorias, na resistência ao regime militar, na luta pela redemocratização do país, pela anistia, pelas diretas, pela Constituinte e pelo impeachment.

A conjugação histórica dessas lutas sociais e políticas e a convergência de movimentos sociais, de correntes de esquerda, de intelectuais e de grupos religiosos ensejaram a consciência da necessidade de criação de um partido que expressasse a autonomia política dos trabalhadores e dos movimentos sociais, que lutam contra as desigualdades históricas existentes no Brasil. Por isso, o PT nasceu como partido democrático de esquerda.

Hoje, em homenagem a essa trajetória, queremos reafirmar esta condição. Partido democrático de esquerda, porque lutamos contra as desigualdades e por mais igualdade, mas também porque temos um lado e uma posição na clivagem social brasileira: estamos postados na defesa dos mais fracos, dos mais necessitados e dos trabalhadores.
Esta tradição de esquerda, democrática e de luta não podemos abandonar. Ela se funda nos valores do nosso partido. E os nossos valores é a melhor coisa que temos. Os nossos valores estão acima do poder,  acima dos cargos e das carreiras individuais. Eles nos animam nos momentos de vitórias e nos confortam nas derrotas. Nos dão a certeza de que somos seres humanos, que lutamos por uma sociedade justa e por um mundo civilizado,  cosmopolita e democrático.

São os valores que fazem do PT associação voluntária de indivíduos, que se define como um projeto coletivo. O ingresso no partido implica uma adesão aos estatutos, que expressam as normas, os direitos, os deveres e os valores, conformando as condições da conduta ética interna. Implica também uma adesão ao programa político do partido, do qual emanam as definições orientadoras da atuação política prática dos filiados.

Por sermos uma associação voluntária e um projeto coletivo precisamos ter consciência de que há uma primazia do coletivo sobre os indivíduos e as lideranças. Esta primazia, contudo, não anula a existência de liberdade de pensamento e de opinião individuais. Liberdade de pensamento e de opinião, um valor diretor da nossa conduta, porque o PT, por ser filho das lutas é também filho do dissenso. Daí emerge a nossa condição de sermos um partido radicalmente democrático e pluralista.

O dissenso e a divergência enriquecem e vitalizam o PT. Na verdade, estes fatores devem ser entendidos como um antídoto para que as relações internas no nosso partido não sofram nem de desagregação e fracionamento nem de excesso de informalidade. Por esta razão é que no PT o direito dos militantes se organizarem em torno de uma tendência é fundamental. E a maioria das tendências são partes constitutivas e importantes do PT.

No entanto, o dissenso e o pluralismo se tornam desagregadores e impotentes quando não são capazes de produzir consensos e unidades. A unidade e a disciplina partidárias são decorrências deste processo democrático de debate e de formação de decisões e são condições imprescindíveis para a existência do PT como instituição partidária de fato.

Pela sua história, pelos seus valores e pelos seus compromissos, os indivíduos associados no PT se compromete a lutar pela liberdade, pela democracia, pela pluralidade e por solidariedade. Lutar por transformações políticas, sociais, econômicas, institucionais, jurídicas e culturais. Tendo como base os valores do socialismo democrático e humanista, o PT se compromete também a lutar para eliminar a exploração, a dominação, a opressão, a desigualdade, a injustiça e a miséria, visando construir uma sociedade mais justa, livre e igualitária.

O PT, como partido de esquerda, luta por mais igualdade e justiça. Como partido democrático, luta por mais liberdade e mais democracia. É esta síntese e esta confluência entre tradições históricas e teóricas diversas que faz do PT um partido singular na história do Brasil e na história da esquerda mundial. E que, inclusive, cresceu e se afirmou como alternativa num período que a esquerda atravessava profundas crises e derrotas; num período onde a hegemonia neoliberal mantinha as alternativas de esquerda numa defensiva política e ideológica.

Com um orgulho humilde sabemos que nosso partido é referência política para inúmeras agremiações partidárias de outros países. Isto só faz aumentar as nossas responsabilidades no sentido de sermos corretos e eficazes como partido e de sermos corretos, éticos e eficazes como partido que governa municípios, Estados e o Brasil e como partido que tem milhares de representantes nos legislativos das três esferas da federação e milhares de militantes nos movimentos sociais e nas diversas organizações da sociedade civil.

Como partido democrático, o PT, no entanto, não concebe a democracia enquadrada no formalismo do modelo único, neoliberal, que separa as liberdades constitucionais das condições efetivas de existência das pessoas. Para o PT, a democracia tem, de fato, regras constitutivas e procedimentais básicas e imprescindíveis. Mas as suas formas organizativas são plurais.

Ao mesmo tempo em que o PT defende as regras e procedimentos constitutivos da democracia representativa, luta por uma democracia substantiva, definida pela igualdade e pelos equilíbrios econômicos e sociais. E luta por uma democracia participativa, definida pela participação e pela militância social dos cidadãos e cidadãs, seja em formas de exercício direto do poder, seja em mecanismos de fiscalização e controle do Estado pela sociedade.

Temos a certeza de que o PT deve ser sustentado por estes dois pilares: de um lado a disputa institucional, a disputa por prefeituras, governos e parlamentos; e de outro o movimento social, com suas reivindicações, tensões, lutas e negociações. Por isso, o PT defende a autonomia dos movimentos sociais e não aceita sua criminalização.
O PT entende que o atual processo de globalização não é nem unívoco e nem homogêneo. O PT propõe a intensificação das interações e de alianças de forças sociais, econômicas e de regiões, de etnias, povos e nações para lutar por direitos dos grupos sociais, povos e nações vitimizados pelas trocas e pelos desenvolvimentos desiguais, visando estender os benefícios das possibilidades decorrentes de relações e de trocas transnacionais mais iguais e mais justas, com especial atenção para a integração latino-americana. Essas interações e alianças devem lutar também pela desmercadorização e preservação de recursos essenciais para a sobrevivência digna da humanidade, cuja sustentabilidade só pode ser garantida em escala planetária.

A democratização das relações de poder nas instituições internacionais e o estabelecimento de um novo direito internacional e de novas relações de comércio internacional - orientados por princípios de justiça e de igualdade, com o objetivo de diminuir as diferenças que separam países ricos e países pobres, pessoas ricas e pessoas pobres - também são requisitos imprescindíveis para constituir uma globalização cosmopolita, uma nova geografia mundial: que seja multilateral no sentido econômico, político, comercial cultural e civilizatória.

Ao defender a ética na política e os princípios do republicanismo, o PT se declara um partido que combate à corrupção de forma intransigente, pois identifica nela a origem da degradação social, fonte de injustiça e fator de violência. A corrupção é o principal mal das Repúblicas e se opõe ao ideal da vida cívica virtuosa. O PT entende que é um dever de todo petista e de todos os cidadãos e cidadãs honestos denunciar as práticas de corrupção, de privatização do bem público e os desvios da conduta ética na vida pública.

O exercício do poder, toda a história política o demonstrou, traz perigos implícitos quanto a práticas de corrupção. Por isto, devemos ser severos com nós mesmos quanto às exigências de uma conduta ética e republicana, seja em todos os escalões de governo, seja nos legislativos, seja nas relações com a sociedade.

Quanto ao nosso governo, temos razões para nos orgulhar: no governo petista nenhum escândalo de corrupção eclodiu. Nenhum outro governo na história recente teve tanto empenho em combater a corrupção e teve tanto êxito em construir um ambiente adequado de moralidade pública. Precisamos persistir neste caminho.

A tarefa de aprofundar a democracia brasileira deve ser concebidas como um fator constitutivo de um processo permanente. Para o PT a democracia tem um caráter ambivalente: é constituída de regras estáveis, mas também de um processo contínuo de democratização. O PT desempenhou um papel singular na história recente do Brasil ao participar das lutas democráticas, o  que o habilita a desempenhar uma função de liderança nas tarefas de radicalizar a democracia. O êxito deste processo, no entanto, depende do compartilhamento destas tarefas e funções com outras forças políticas e sociais.

Nosso partido, antes de tudo, deve fortalecer sua unidade interna, evitando disputas e cizânias cujo resultado é enfraquecer a busca constante do aprofundamento democrático do país, como se pôde ver nos recentes episódios da eleição da Presidência da Câmara dos Deputados. Se antes desse episódio a necessidade da reforma política era mais do que presente, depois, ficou ainda mais urgente.

A representação política no Congresso Nacional deve estar sujeita a regras claras e estáveis, que fortaleçam as agremiações partidárias, evitando o desrespeito à vontade soberana do eleitorado nos legislativos, que fixa a força proporcional de cada partido através das eleições. O PT deve negociar com as demais forças políticas um compromisso explícito de fortalecimento dos partidos e da representação parlamentar, expresso em exigências de fidelidade partidária, proporcionalidade na representação do eleitorado na Câmara e compromissos com programas e plataformas partidárias.

O PT reafirma suas bandeiras históricas, relativas à necessidade de recuperação das prerrogativas legislativas do parlamento brasileiro, estabelecendo um verdadeiro equilíbrio republicano dos poderes. Bandeiras como a modernização regimental da Câmara, do Senado e do Congresso Nacional, com vistas a buscar maior eficácia no processo legislativo; o fim das convocações extraordinárias do Congresso, repudiadas pela opinião pública, porque nelas se vê sinecura e privilégios; e a redução do tempo de recesso parlamentar. Estas são reformas modernizadoras e moralizadoras exigidas pela opinião pública, que o PT deve encaminhá-las para que sejam aprovadas.

Há anos, o PT vem empunhando a bandeira da reforma política. Seria injustificável, neste momento em que o Partido tem força no Executivo e força no Legislativo, não pugnar por sua realização imediata. A reforma política, do nosso ponto de vista, deve estar orientada para atender dois objetivos: por um lado, diminuir o custo da governabilidade e do funcionamento das instituições políticas, aumentando sua eficiência; de outro, democratizar as instituições, dotando-as de transparência, melhorando o funcionamento da política e aumentando a eficácia das iniciativas e ações governamentais.

Por isto, o PT deve apoiar, na reforma política, os mecanismos que fortalecem os partidos políticos e seus programas; instituem a fidelidade partidária; constituem regras rígidas de fiscalização, controle e penalização, seja em relação ao financiamento dos partidos, seja em relação ao financiamento das campanhas eleitorais.

Nas nossas lutas, nas nossas batalhas, nas nossas vitórias e nas nossas derrotas aprendemos que o PT não construirá sozinho um projeto para o Brasil. Em consonância com o caráter democrático, pluralista e multicultural da sociedade brasileira, reafirmamos nossa disposição de compartilhar processos políticos, programas, projetos e governos com outras forças políticas e sociais. A necessidade deste compartilhamento decorre também do caráter pluralista e multipartidário do sistema político brasileiro.

As alianças e coalizões político-partidárias são uma exigência entranhada na própria estrutura social e política do país. É preciso, no entanto, estabelecer uma compreensão dos diferentes níveis das alianças e coalizões. Em suas alianças o PT deve levar em conta critérios, considerando o compromisso democrático e a conduta republicana dos atores envolvidos.

Quando se trata de construir coalizões para governar ou para construir um projeto político comum, faz-se necessário orientá-las pelos programas partidários e pelas agendas e plataformas de ações.  O objetivo das alianças, além da soma de forças para chegar ao governo e para exercê-lo, tem de ser a construção e a transmissão mútua de ideais, valores e propostas, que caminham para a formação de maiorias nas cidades, ou na sociedade, para a consecução de consensos possíveis na construção daquilo que se pode definir como um projeto para o Brasil. O sentido das alianças e coligações do PT deve orientar-se para a constituição de um bloco programático de forças democráticas e populares, de esquerda, centro-esquerda e setores do centro, com vistas a governar e construir projetos comuns. Assim como o PT deve recusar o isolamento político, também deve evitar o pragmatismo sem critérios. Qualquer um destes caminhos poderia levar o PT e a esquerda a abdicarem de seu dever histórico que é o de serem protagonistas das mudanças que estão em curso no país.

Ao chegar ao governo federal, o PT trouxe uma bagagem de experiências construída nas lutas, na participação de petistas nas entidades da sociedade civil, na participação nos legislativos e na administração de prefeituras e de governos estaduais. Mas governar o Brasil constitui uma experiência diferente, uma complexa singularidade, uma responsabilidade maior. Não somos maioria nem na sociedade nem nas instituições do estado. Por esta razão é que devemos construir uma governabilidade política e uma governabilidade social.

Por isso, o PT tem outro grande desafio pela frente: incorporar o aprendizado que consiste em ser governo e desbravar novos caminhos em nossas formulações para que possamos ter mais consistência e mais eficácia. Nesses dois anos de governo que ainda restam e na continuidade do nosso projeto político de mudar o Brasil precisamos avançar com firmeza, com profundidade e competência nas tarefas de realizar nossos objetivos e trazer desenvolvimento, emprego, renda, saúde, educação, cultura, lazer, terra para quem precisa e inclusão social para todos. Devemos enfrentar o desafio de fazer o Brasil ingressar definitivamente na era da sociedade do conhecimento e na era de uma sociedade justa e igualitária. Precisamos enfrentar o desafio de fazer do Brasil uma potência significativa no contexto do mundo globalizado e de torná-lo um ator decisivo na integração regional.

No dia em que o companheiro Lula, um pernambucano e brasileiro sofrido, subiu a rampa do Planalto para se tornar o primeiro presidente de esquerda do Brasil, o primeiro presidente nascido filho do povo pobre e humilde, as esperanças de todos os petistas e de milhões de brasileiros, certamente, estavam excitadas. Mas na nossa consciência sabíamos que a tarefa de mudar o Brasil não seria fácil, não seria instantânea e não seria sem lutas.

Sempre dissemos para a sociedade e para nós mesmos que as mudanças seriam processuais. Nestes dois anos e dois meses de governo petista, muita coisa mudou no Brasil. E mudou para melhor: 97,2% das crianças com idade entre sete e 14 anos estão na escola; as exportações brasileiras ultrapassaram a marca dos US$ 100 bilhões, um recorde histórico para o país; em 2004, foram 1,5 milhão de novos empregos com carteira assinada, só em janeiro, foram criadas mais de 115 mil vagas formais, o melhor resultado para o período desde 1992. Conforme dados do IBGE a população ocupada em janeiro deste ano em seis regiões metropolitanas cresceu 4,1% em relação ao mesmo período de 2004. Foram contratadas obras no valor de R$ 5 bilhões para redes de esgoto e abastecimento de água que vão beneficiar 5,6 milhões de pessoas. Só um governo do PT pode colocar 4 milhões de brasileiros no sistema bancário através das contas populares, 7 milhões no PRONAF e facilitar o crédito barato. Para as ferrovias foram investidos, só no ano passado, R$ 2 bilhões e na melhoria dos portos brasileiros foram aplicados R$ 124, 2 milhões. O Bolsa Família atende a 53% dos lares pobres do Brasil e encerra 2004 com 6,5 milhões de famílias beneficiadas em mais de 5.500 municípios. A meta do Bolsa Família para 2005 é chegar a 8,7 milhões de famílias. É o maior projeto de transferência de renda do país até hoje.

Reconhecemos nossos erros e insuficiências e as limitações impostas pelas condições estruturais e pela correlação de forças.. Mas precisamos ter consciência de que as mudanças processuais não podem significar acomodação e mesmice. A prudência com que estamos dirigindo o País não pode prescindir da ousadia dos nossos objetivos. O Brasil tem urgências, a sociedade tem urgências e os pobres têm urgências urgentíssimas.
Podemos realizar as mudanças necessárias levando em conta as condições e os limites próprios do ato de governar, mas não devemos deixar de ter como objetivo estratégico conquistas que tencionam estes limites. Para estar em sintonia com o povo e o Brasil, o PT e precisa ter este senso de urgência. O PT precisa ser o trabalhador que quer emprego e renda; o empresário que quer produzir; a mãe que quer criar seus filhos; a mulher que quer direitos; o jovem que quer oportunidades; os indígenas que querem respeito, dignidade e assistência; a criança de rua que quer carinho e proteção; o negro e o mestiço que querem cidadania e inclusão; o estrangeiro que quer se integrar ao nosso povo; o intelectual, o professor e o cientista que querem condições para produzir e expandir o conhecimento; o analfabeto que quer o saber.

Para ser o protagonista da esperança, o PT precisa ser este Brasil da auto-estima, precisa ser o Brasil de todos os homens e mulheres deste País que têm desejos e sonhos. Desejos e sonhos que se traduzam em oportunidades e realizações. Somente assim cumpriremos o desafio e o destino de contribuir para construir algo de grandioso para o nosso povo e para o nosso Brasil.

Por isso tudo é que nosso slogan para os 25 anos do PT é “A estrela no peito e o Brasil no coração”.
Obrigado a todos

Recife, 19 de março de 2005

21 de Março de 2005

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