Opinião

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Recuperar a política

O Brasil vive um momento de evidente degradação das relações políticas. Poucos de nós, políticos, tanto do governo quanto da oposição, nos salvamos da responsabilidade por este ambiente inadequado que vive o país. Por isto mesmo é conveniente que façamos uma reflexão acerca do sentido das nossas ações e retiremos as lições necessárias para corrigir rumos.

Talvez um dos motivos principais do extravio por que passa a política neste momento resida na perda da referência maior que a política sempre deve ter, que é  a referência no bem público e o respeito e fortalecimento das instituições democráticas. Não que haja um risco autoritário às instituições democráticas. Mas ocorre que elas, em grande medida, se tornaram não funcionais como meios para atingir objetivos para os quais foram erguidas.

Em política, como já ensinaram os teóricos clássicos, sempre existem envolvidos interesses pessoais dos agentes. Mas isto não pode desobrigá-los de pôr uma causa acima desses interesses. É esta causa, relativa ao bem ou interesse público, que deve dimensionar os fins próprios da ação política, sua dimensão ética.

Muitos analistas e colunistas políticos têm observado que, nos últimos tempos, parece que o jogo fisiológico dos interesses pessoais se sobrepôs ao interesse público e assumiu explícita e publicamente sua crueza voraz por espaços, cargos e privilégios. Esta observação não é sem razão. O primeiro movimento deste processo consistiu em forçar a preeminência de interesses individuais ou de grupos políticos sobre os interesses dos partidos enquanto coletivos. Isto levou a uma desmoralização dos partidos políticos e de seus programas. O segundo movimento consistiu na explicitação da preeminência daqueles interesses individuais e de grupos sobre o interesse público da sociedade.

As demandas particularistas se impuseram com força nos debates e nas articulações políticas. Agora se torna necessário pressioná-las e impor-lhes um recuo. Isto só será possível se os agentes políticos – governo e oposição, partidos e lideranças políticas – forem capazes de restabelecer a primazia de agendas políticas relevantes para o país e para o interesse público sobre aqueles interesses particularistas que tomaram de assalto as relações políticas e o espaço público. Somente o debate, as relações e as disputas em torno de agendas caracterizadas pelo interesse público e pelo interesse do país serão capazes de recomprimir os desejos e instintos particularistas que estão agindo com desenfreado descontrole.

Assim, as relações internas nos partidos precisam ser dimensionadas por normas e projetos. As relações internas no governo precisam orientar-se por aquilo que deve ser a virtude própria da boa governança: agir segundo objetivos da sociedade, definidos em agendas, projetos e programas. As relações entre governo e oposição precisam observar a necessidade do respeito e do fortalecimento das instituições democráticas e da promoção do interesse da sociedade. As alianças eleitorais e governamentais precisam ter como referência propósitos comuns e programas a realizar.

O fato de se refletir com intensidade crescente sobre a conjuntura política a perspectiva da disputa eleitoral da 2006 não autoriza a nós, políticos, que percamos a noção da nossa responsabilidade pública e transformemos as nossas ações numa corrida desmedida para a agregação de vantagens competitivas, estruturas materiais e posições de prestígio público. Da mesma forma, a perspectiva de um embate eleitoral duro entre governistas e oposicionistas não pode transformar as relações entre governo e oposição num jogo de ardis onde tudo é permitido e onde a vendeta ocupa o lugar de um confronto legítimo de idéias, propostas e programas.

A democracia requer que governo e oposição legitimem suas posições e seus espaços junto à sociedade a partir de causas e propósitos públicos, a partir de conteúdos e convencimentos. A redução da política a um jogo de ardis e de vendetas, além de desservir a democracia, não produz adesões substantivas do eleitorado. Pelo contrário, só serve para deslegitimar as instituições e os políticos junto à opinião pública.

Cada político, cada liderança, cada militante e cada partido precisa promover um esforço para restabelecer a dignidade da política. Cada um, levando em conta suas causas e objetivos, deve assumir sua responsabilidade, com a consciência de que a liberdade e a democracia não comportam um vale-tudo ilimitado. É preciso perceber que o passo seguinte da persistência de um ambiente de degradação política consiste na corrupção desenfreada. Por isto, as luzes de alerta precisam ser acionadas para conter um movimento indesejado e repudiado pela sociedade.

Mas as ações fundadas em vontades retificadoras de condutas são insuficientes. A opinião pública e a sociedade civil precisam perceber que a intenção de se fazer o bem precisa ser acompanhada por atitudes concretas de reformas das nossas instituições e regras políticas. Se a reforma política vinha se manifestando como uma necessidade presente, o ambiente de erosão da política a transforma numa necessidade urgente.

O diagnóstico feito acima já designa o sentido orientador da reforma política: fortalecer os partidos políticos enquanto agentes agregadores e explicitadores de interesses sociais; fortalecer o caráter normativo das regras eleitorais e conferir um conteúdo moralizador e modernizador a estas regras. O nosso sistema político e eleitoral deve sofrer uma reforma de tal ordem, capaz de torná-lo mais efetivo na representação e mais respeitador da soberania popular.

28 de Março de 2005

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