Opinião

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Entre o sonho e o poder

"Eu vivi duas torturas", diz José Genoíno

Arquivo Tribuna da Imprensa
Entrevista à Fernando Sampaio

O deputado federal (PT-SP) José Genoíno, que lançou recentemente o livro "Entre o Sonho e o Poder", escrito pela jornalista Denise Paraná, diz que viveu duas torturas na época das acusações de envolvimento com o esquema do mensalão, do publicitário Marcos Valério, quando presidia o PT. "Eu vivi duas torturas. Vivi a tortura da época da ditadura, quando você é isolado e torturado, e vivi a tortura pós-moderna, quando a acusação não lhe o direito ao contraditório, nem ao menos dá todas as explicações. E é isso que também deixo claro no livro".

Entre as 199 páginas do livro, Genoíno faz uma análise da trajetória da esquerda brasileira, da crise do PT, e garante que mantém sua opção pelo sonho. Segundo ele, o PT está mudando o Brasil com o governo Lula. "O partido foi acusado, julgado e condenado de maneira injusta. O PT errou, mas não praticou crime de corrupção, não organizou quadrilha e nem praticou crime organizado", sustenta.

TRIBUNA DA IMPRENSA - Qual o dignóstico que o senhor faz do livro? Qual é o seu grande objetivo ?

JOSÉ GENOÍNO - Meu grande objetivo foi falar de maneira franca, sincera, despojada, com muita tranqüilidade, sobre a minha vida política, desde os anos 60, em Fortaleza, depois na clandestinidade, guerrilha, tortura, prisão, a minha profissão de professor, a fundação do PT, e 20 anos como deputado. O meu objetivo foi falar dessa história, para resgatar com a verdade, aquilo que eu mais prezo, que é o meu compromisso com a militância política, com a democracia, com o socialismo e com os ideais da esquerda.

Frei Betto disse que os petistas estão desmoralizando a esquerda brasileira. Qual a sua opinão?

Em primeiro lugar, acho que qualquer generalização é um equívoco. O PT tem uma história vitoriosa nesses 27 anos. O PT está mudando o Brasil com o governo Lula. O PT foi acusado, julgado e condenado de maneira injusta. Se o PT errou, isso tem que ser avaliado principalmente sobre as eleições de 2004, no que diz respeito ao financiamento da campanha do PT e dos aliados. Agora, o PT não praticou crime de corrupção, não organizou quadrilha e nem praticou crime organizado.

O PT, no meu modo de entender, deveria ter feito uma reforma política em 2003, e deve lutar para reformar as instituições. Faço uma análise no livro "Entre o Sonho e o Poder", do processo político que nós vivemos ao longo dos 27 anos do PT e da minha militância política, sempre buscando olhar para o futuro, sem o pessimismo, sem a visão destrutiva e individualista. É uma visão coletiva do processo do projeto que nós estamos construindo para mudar o Brasil.

Como o senhor vê a esquerda brasileira?

Acho que a esquerda brasileira está mudando o Brasil, principalmente com o PT. Nós tivemos grandes êxitos na agenda do País, de relações autônomas, interdependentes no mundo globalizado. Estamos recuperando o papel público do Estado, do papel indutor e articulador do desenvolvimento econômico. Também estamos contribuindo para diminuir, com políticas sociais, a pobreza, melhorar a distribuição de renda. E estamos agora diante do desafio de um modelo de crescimento econômico, que no meu modo de entender, o ponto de partida são as medidas do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).

Acho que a esquerda tem uma história de luta e transformação do Brasil, seja quando estava na oposição, seja agora no governo. As dezenas de prefeituras que o PT governou fizeram essas mudanças, a vinculação do PT com as lutas sociais fizeram essas mudanças, e as mudanças que estão sendo executadas pelo governo Lula nesse segundo mandato. Que aliás, a própria reeleição de Lula, na discussão do programa de governo, do governo e no caráter popular dessa eleição é uma prova disso. Portanto, com os pés no chão, eu sou otimista em relação ao papel que a esquerda está cumprindo no Brasil. Tem erros, tem defeitos, temos que estar abertos às críticas, mas sem uma visão derrotista e nem pessimista.

Como o senhor analisa a crise do PT? O senhor mantém a opção pelo sonho?

Aliás, o livro se chama "Entre o Sonho e o Poder", porque acho que a esquerda tem que sonhar por uma sociedade justa, igualitária, democrática, em que as pessoas sejam cidadãos e cidadãs, porque esse é o sentido da nossa luta. A nossa luta não se resume a cargos, mandatos, nem a status de governo. A nossa luta é por causas, por ideais. Inclusive, acho que esses debates que o PT vem fazendo são uma oportunidade de atualizar a nossa adesão aos ideais da esquerda, do socialismo democrático, da luta pela igualdade, por uma sociedade mais justa. Então, nós estamos mudando o Brasil através de um processo.

Deputado, e as acusações de envolvimento do PT com o esquema de Marcos Valério?

Olha, eu não vou entrar nesses detalhes, até porque isso é um processo que foi investigado e, no meu modo de entender, não existem provas de organização criminosa, nem de mensalão e nem de compra de votos. O PT, nas eleições de 2004, se equivocou ao buscar financiar a campanha eleitoral com os métodos tradicionais da política brasileira. O PT errou nesse ponto e temos que fazer uma avaliação autocrítica.

A minha responsabilidade, sempre deixei muito clara. Os empréstimos que eu avalizei não são ilegais. Estão na prestação de contas e na contabilidade do PT no Tribunal Superior Eleitoral. São dois empréstimos, que dão em torno de R$ 7 milhões, que estão na contabilidade do partido. Outra coisa: o PT podia pagar, como de fato está pagando. Terceiro: nós gastamos esse dinheiro nas despesas normais do partido. Isso também está na prestação de contas. Então, a minha responsabilidade é política e sempre deixei isso muito claro. Agora, veja bem, o PT tem uma história de 27 anos de vitórias, de lutas, de ideais. Temos que analisar esse processo que nós vivemos, com a visão do futuro. Para corrigir e ao mesmo tempo reformular, para valorizar a militância de base do PT, que foi um dos erros, a relação do PT com os movimentos sociais, que acho que é fundamental.

Democratizar as instâncias do partido, investir na formação política e teórica dos militantes do PT. A agenda do PT não pode se confundir com a agenda do governo. Ela é mais ampla do que a agenda do governo. São de coisas assim que o PT tem que tirar lições dos episódios que nós vivemos. Agora, também temos que avaliar que houve uma saraivada, uma guerra de acusações, de vale-tudo, que raras vezes aconteceu na história do Brasil. Portanto, acho que alguns companheiros, equivocadamente, passam a ter uma visão pessimista e negativista. Eu sempre tenho uma visão otimista em relação ao futuro.

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) afirma que o clima é de desalento no Brasil. O senhor concorda com isso?

Eu não concordo. Acho que o Brasil mostrou nas eleições de 2006 que há um clima de expectativa de mudança, de esperança. Nós é que estamos mudando o Brasil. Trabalhando para melhorar a renda, para aumentar a inclusão social, fazer uma reforma política democrática. Estamos lutando para priorizar o crescimento econômico, e aí estão as medidas do PAC. O Brasil está executando uma política externa autônoma, multilateral, interdependente na relação com os países em desenvolvimento e com os centros hegemônicos de poder. Portanto, estamos transformando o Brasil. O País só muda se for pela via processual, como estamos com o governo Lula praticando e executando.

Como fica o seu partido em meio a tantos escândalos? O senhor não se sente constrangido com tudo isso?

Em primeiro lugar, o Partido dos Trabalhadores não roubou, não praticou crime, e não aceito a criminalização do PT. O PT fez escolhas políticas e ele tem que ser criticado e analisado por isso. Agora, essa onda criminalizadora que foi feita contra o PT, é exatamente pelo papel que o PT representa no País.

O que explica a votação que o PT teve nas eleições de 2006 é o fato de manter praticamente a mesma bancada, de ter aumentado o número de governadores, além da vitória do Lula, sua força e liderança, que são maiores que o PT? Portanto, o PT tem que fazer um debate profundo no seu 3º Congresso, buscando reformulações do partido nas suas estruturas, na relação com a sociedade, atualizando o seu programa, e dar continuidade a essa trajetória de mudanças que estamos executando nesses 27 anos.

Por outro lado, quero deixar bem claro que a minha vida, nesses 40 anos, foi de militância política dedicada à causa pública. Meus bens são os mesmos há mais de 20 anos. Só tenho um sobrado onde moro (São Paulo). Meus sigilo bancário e telefônico foram quebrados e não encontraram nada. Até uma pensão com a qual eu ajudava meu pai (Sebastião Genoíno Guimarães, de 85 anos, no Ceará), tive que suspender quando saí da presidência do PT. Portanto, trabalho para sobreviver e tenho a consciência tranqüila da verdade do que eu sou. E olha bem, estou há 40 anos na minha militância política e 20 anos como deputado federal.

Aceito o desafio de ser investigado, como eu fui, mas precisam divulgar o que encontram. Acusação, ouvi dizer, fulano de tal disse, no oba-oba, no vale-tudo, não aceito. Tenho sempre me dedicado, na minha história política pratiquei e corri todos os riscos. Seja de vida, quando fui preso, seja na tortura, na prisão de cinco anos, na fundação do PT, na oposição e, agora, no governo. Não aceito que esses julgamentos apressados e maneteístas, virem o papel transformador que o PT representa na sociedade brasileira.

O senhor acredita que o avanço da violência é culpa da política econômica, como muitos afirmam?

Não, isso é uma relação automática que não existe. Acho que a violência tem causas mais profundas, que é a crise social, e nós estamos lutando para diminuir a pobreza, a miséria, para dar alternativa para a juventude. Por outro lado, é necessário ter uma política de segurança preventiva, eficaz, que procure dar uma alternativa de vida para a juventude, porque a maior parte da população que entra no banditismo é de jovens. Temos que ter uma mudança na legislação processual penal e estamos fazendo isso no Congresso.

E temos que mudar o sistema penitenciário, para separar presos periculosos dos que não integram quadrilhas com vinculação com o tráfico de armas e de drogas. São coisas desse tipo que temos que trabalhar, fazer. Retomar o crescimento econômico, políticas sociais e uma política de segurança efetiva. É assim que estamos mudando o Brasil e vamos mudar.

As contas de campanha não traduzem a realidade dos gastos dos partidos. O senhor acredita que as caixas de campanha vão continuar "pretas"?

A minha caixa de campanha traduz a verdade das minhas campanhas. Seja como candidato a governador de São Paulo, em 2002, seja para deputado federal, em 2006. Defendo uma reforma política com fidelidade, lista pré-ordenada, campanhas baratas, com financiamento público.

Por que o senhor resolveu registrar essa análise da trajetória da esquerda brasileira e a crise do PT?

Resolvi registrar a minha trajetória, a minha história de 40 anos, e tenho um compromisso, uma vinculação. Tem uma militância comprometida com a esquerda, e reafirmo todos esses sonhos no livro "Entre o Sonho e o Poder", que está documentado num depoimento franco e sincero pela Denise Paraná. É uma contribuição que estou dando para a esquerda, para o PT, sobre o meu testemunho, a minha experiência prática e concreta.

Quais os principais pontos que o senhor destacaria nesse livro?

Acho que o livro fala por si só. Registro a minha experiência política, desde os anos 60 até hoje. É uma experiência política que sempre foi dedicada ao ideal de igualdade, de liberdade, de democracia, de uma sociedade justa. Sempre defendi isso. E essa minha militância de 40 anos não me produziu vantagens pessoais, nem bens e muito menos ascenção econômica e social. Eu sou um militante da causa, de ideais, e é isso que deixo claro no meu livro, que fala por si só.

O senhor viveu momentos dramáticos com o episódio Marcos Valério. O que gostaria de dizer sobre isso?

Eu vivi duas torturas. Vivi a tortura na época da ditadura militar, quando você é isolado e torturado, e vivi a tortura pós-moderna, quando a acusação não se dá o contradito direito ao contraditório, e nem muito menos dá todas as explicações. E vou reafirmar: não pratiquei crime. Os empréstimos que eu avalizei são legais e estão na prestação de contas no Tribunal Superior Eleitoral. A minha conta de campanha para governador em 2002 está registrada e aprovada no Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo. A mesma coisa com a minha campanha eleitoral de 2006. O meu patrimônio é um sobrado que moro em um bairro popular em São Paulo há 23 anos. Não aumentou o meu patrimônio. Até diminuiu. E vivo dedicado à causa. Não tenho acumulação de bens e nem ascenção econômica e social.

Termino o livro dando uma frase do meu pai, Sebastião Genoíno Guimarães, que mora no interior do Ceará. Sempre todo mês, eu dou uma ajuda para ele. Quando eu deixei a presidência do PT não pude continuar ajudando e expliquei para ele. E ele me disse: "Meu filho, eu não entendo, porque você deixou a roça para estudar e sem se formar foi cassado pela ditadura. Você voltou para a roça para fazer guerrilha, depois que saiu da prisão voltou à política e 20 anos como deputado federal por São Paulo e não ficou rico. Você é presidente do PT e não tem condições de me dar uma ajuda. E lhe acusam de tanta coisa". Portanto, eu fui massacrado.

Fui condenado previamente por um processo de uma tortura pós-moderna. E é isso que também deixo claro no livro, porque isso que eu estou te falando, sobre a minha vida pessoal, a minha família, onde moro, todo mundo sabe disso. Muitos amigos da imprensa me conhecem, sabem onde eu moro, onde moro em Brasília, como vivo. Portanto, tenho a consciência tranqüila e é isso que deixo claro no depoimento do livro "Entre o Sonho e o Poder".

O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, Rodrigo Colaço, afirma que "os partidos políticos no Brasil não têm uma definição ideológica suficiente, o que incentiva muitos a tratarem as questões políticas como questões de dinheiro". O senhor concorda?

Ele tem que dizer quais são os partidos, porque falar genericamente eu não aceito. Estou cansado dessas acusações genéricas, e quando eu fiz um aparte ao Ibsen Pinheiro, pedindo desculpas por acusações, algumas genéricas e injustas que foram feitas contra ele, e eu participei desse processo, olha a injustiça que se praticou. Só que não tem volta, o prejuízo está feito. Então, tem que se dar nomes aos bois. Acho que o País precisa de uma reforma política, de um outro modelo de campanha eleitoral, votação e listas fechadas, fidelidade partidária, financiamento público. Temos que ter eleições mais baratas, e é importante que ao se jogar pedras nos outros, e eu aprendi isso, cada um examine a sua instituição, a sua responsabilidade política. É isso o que estou fazendo agora, nesse retorno, e eu falo isso no livro "Entre o Sonho e o Poder".

Jornal Tribuna da Imprensa

26 de Março de 2007

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