Opinião

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Entrevista

O PT tem que dialogar com a nova base social

Antônio Cruz/ABr
Ex-presidente da sigla faz mea-culpa, pede mudanças no Congresso e defende a aliança com legendas de centro e esquerda

Lucas Ferraz e Edson Sardinha para o Congresso em Foco

Desde que deixou a presidência do PT, em julho de 2005, no auge do escândalo do mensalão, José Genoino nunca mais foi o mesmo. De volta à Câmara após quatro anos de ausência, o deputado paulista trocou o estilo combativo que o tornou conhecido ainda em 1983, quando assumiu o primeiro mandato, por uma discrição quase absoluta. 

Atualmente, suas intervenções durante as sessões no plenário são eventuais. Há algumas semanas, depois de um rápido aparte, foi saudado entusiasticamente pelo também deputado Ciro Gomes (PSB-CE): “Genoino, como é bom ouvi-lo!”. Apesar de manter distância dos holofotes, o petista continua influente nos bastidores, auxiliando o governo na interlocução com a oposição.

Nesta entrevista ao Congresso em Foco, Genoino reconheceu erros da legenda, como o fato de ter se afastado da base, “que foi quem o segurou na hora do tranco”, segundo explica. O ex-presidente do PT afirma já ter acertado suas contas com a militância, com a divulgação de textos e cartas, principalmente com o lançamento de dois livros: Escolhas Políticas, biografia escrita pela professora Maria Francisco Coelho e que foi lançada recentemente, e Entre o Sonho e o Poder, com depoimentos dele à jornalista Denise Paraná, lançado em agosto do ano passado.

Genoino, no entanto, deixa escapar uma certa insatisfação com a postura de alguns membros do PT que, ainda hoje, depois de dois anos da pior crise da história do partido, não se manifestaram sobre o assunto com os correligionários e com a própria sociedade. “Minha responsabilidade política eu cumpri integralmente”, declarou. “Nunca me omiti em nada, nunca deixei de correr riscos, e tudo que fiz foi com muita causa, com muito ideal, não fiz nada em benefício próprio.” O parlamentar espera que a direção do PT preste contas com a população no próximo congresso do partido, previsto para ocorrer em agosto.

Outra crítica dele é de que a sigla se preocupou mais com o governo do que a sociedade no primeiro mandato de Lula. “A tarefa do partido não é necessariamente igual a do governo, que tem o seu tempo e a circunstância própria”, afirmou. Ele também nega que o PT tenha se “domesticado” ou que “foi cooptado”, mas diz que a legenda precisa “melhorar a relação com os movimentos sociais, que ficou arranhada no primeiro mandato”, e defende a aliança com partidos de centro, que resultou na coalizão. “Temos uma aliança de esquerda, que defendo, e uma aliança de centro. Uma não anula a outra.”
 
Governo e Congresso

Dizendo ser um ferrenho militante do governo Lula, o qual aponta como o “melhor da história do país”, o deputado paulista defende a política econômica, que diz considerar de esquerda. “Os parâmetros do modelo econômico neoliberal nós não consolidamos, nem repetimos. Estamos recuperando o papel indutor e articulador do Estado”, argumentou.

José Genoino defende ainda mudanças estruturais no Congresso, como alterações no regimento interno, com medidas para se tentar diminuir a freqüência com que a pauta é trancada, e condenou o excesso de medidas provisórias editadas pelo Executivo. “Muitas coisas o governo deveria mandar como projeto de lei com urgência constitucional. Temos que mexer um pouco na tramitação”, diz. Segundo ele, só com a reforma política será possível acabar com uma situação “tão perversa” como o atual sistema eleitoral.

Em mais de uma hora de entrevista em seu gabinete, em Brasília, Genoino estava bem-humorado e falante. Fumou durante a conversa cinco cigarros Charm, hábito que hesita em parar. O deputado explica que viveu dois tipos de tortura durante sua vida política: “A medieval, no período da clandestinidade, na prisão, que é um tortura que se dá no corpo, e vivi um outro tipo de tortura, que é a da alma, da reputação, a tortura do vale-tudo”, disse, referindo-se ao mensalão. 

O deputado também criticou a postura da imprensa durante a maior crise do partido. “Havia um direcionamento, houve um espírito de campanha na cobertura”. Por causa do episódio, Genoino diz ter feito uma reflexão sobre seu relacionamento com a mídia. “Não quero mais ter a relação que eu tinha”, afirmou. “Vivi o lado da unanimidade e o lado da condenação pelo que eu era, não pelo que eu fiz. Nunca, nas matérias publicadas, a imprensa explicou toda a história. Nunca. Confundiram-se erros políticos com criminalização.”

O ex-guerrilheiro que lutou no Araguaia na esperança de derrubar o governo militar, no início dos anos de 1970, e se consolidou no Congresso com um dos mais barulhentos e contundentes parlamentares do PT, prega agora a boa relação política. “A democracia não é a arte da guerra, um lado não tem que destruir o outro. Não podemos tratar o outro como inimigo. Temos que ter um relacionamento de adversários políticos, de disputa de projetos”, ponderou.   

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Congresso em Foco – O recém-lançado livro sobre sua vida política pode ser visto como o fim do silêncio que o senhor se impôs quando deixou a presidência do PT, no auge do escândalo do mensalão?
José Genoino – O livro estava pronto em 2002 e seria lançado naquele ano, quando eu deixei de ser deputado e fui candidato a governador de São Paulo. Ele começou a ser trabalhado em 1997 e não pôde sair naquela época, pois misturava com a campanha eleitoral. Era para ele ter saído em 2005, quando eu estava na presidência do PT, mas depois surgiu a crise. A base do livro é toda a minha história política, tanto que a parte recente está em entrevistas [elaboradas depois da crise do mensalão e da queda da presidência do PT]. [O livro] é uma avaliação que faço das minhas escolhas políticas, todas elas feitas em nome de causas e ideais. É uma avaliação da história do Brasil, de minha história, e uma contribuição para o debate político. É um livro com documentos, mais acadêmico, baseado em pesquisas. Não tem o sentido de quebrar o silêncio. Primeiro, porque eu nunca fiquei em silêncio. Quando eu deixei de ser presidente do PT, fiquei em casa trabalhando, dando aulas, corrigindo textos, escrevendo um pouco e lendo.

Mas o senhor evitava a imprensa, ficou um tempo sem dar declarações, não?
Veja bem, eu não tinha cargo, não tinha mandato, não era da direção executiva do PT, então eu ia falar em nome de quem? Foi mais nesse sentido. Mas eu nunca me recusei a falar. O problema é que a imprensa fazia algumas matérias, e eu tenho uma visão muita crítica sobre isso, eu vivi os dois lados da imprensa. Vivi o lado da unanimidade e o lado da condenação pelo que eu era, não pelo que eu fiz. Nunca, nas matérias publicadas, a imprensa explicou toda a história. Nunca. Por exemplo, os empréstimos que eu avalizei, ela [a imprensa] nunca disse o que eu dizia, que os empréstimos eram legais e estavam na contabilidade do PT, aprovados pelo Tribunal Superior Eleitoral. Não tinham nada a ver com campanha eleitoral. Sempre disse que os gastos estavam na contabilidade do PT, aluguel de carros, reuniões, hotéis, passagens aéreas. Mas o que era importante naquele momento era o foco que uma parte da oposição e uma parte da mídia deu. Havia um direcionamento, houve um espírito de campanha na cobertura. Achava que eu podia falar, mas desde que colocassem aquilo que eu falava.

E como o senhor observa a imprensa hoje?
Eu não gosto de avaliar a imprensa porque eu vivi os extremos dos dois lados: fui unanimidade e fui acusado de maneira injusta, em minha avaliação. Eu acho que não é o caso de avaliar, não me sinto mais à vontade. Não quero mais ter a relação que eu tinha.

E como era essa relação?
Eu ficava à disposição, fazia matéria em qualquer hora. Fiz uma reflexão. Vivemos um momento hoje na política em que o espetáculo predomina, ele é o mais importante, é o grande cenário. A mesma facilidade com que surge, sai. Há uma pré-condenação sem verificar os fatos, as provas. Esse clima é uma fase que nós estamos vivendo no Brasil.

Como uma fase? Já não havia na época em que o PT era oposição?
Acho que já vem de antes, antes do PT chegar ao governo.

Mas o PT não alimentou esse espírito quando oposição?
Nós não alimentamos. O PT se beneficiou com o espaço na mídia e depois foi vítima. Mas isso aí é da luta política, é da democracia, não compete a mim fazer qualquer juízo sobre isso. Eu vivi bem os dois lados. Confundiram-se erros políticos com criminalização. Confundiram-se escolhas, opções, como se fossem crimes. Tudo isso foi um jogo de vale-tudo. Já falei bastante sobre essa fase, já dei um depoimento para a Denise Paraná [autora] e fiz uma carta aos petistas, uma espécie de prestação de contas políticas.

O senhor comentou que durante a crise viveu um “suplício pós-moderno”. Como é isso? Já superou essa fase?   
Vivi dois momentos em minha vida, que foi o período da tortura, tipo medieval, no período da clandestinidade, na prisão, que é um tortura que se dá no corpo da vítima. E vivi um outro tipo de tortura, que é a tortura da alma, da reputação, a tortura do vale-tudo. São formas diferentes. É claro que tudo na vida a gente tira lições políticas. Eu iniciei vários ciclos em minha vida, e eu estou em um novo. Vivi o ciclo do movimento estudantil, da guerrilha, da prisão, fui professor de cursinho, participei da fundação do PT. São ciclos, como eu vivi o ciclo de ser candidato a governador [de são Paulo, em 2002] e assumi a presidência do PT. Não deveria ter saída da Câmara, devia ter ficado aqui, como deputado federal. São lições políticas que você faz dentro das circunstâncias. Como eu ia avaliar em 1970 se eu ia ou não para o Araguaia? Aquela circunstância era uma opção que eu tinha que fazer. Nunca me omiti em nada, nunca deixei de correr riscos, e tudo que fiz foi com muita causa, com muito ideal, não fiz nada em benefício próprio. Hoje estou tranqüilo em relação às minhas escolhas políticas. Não tenho pretensão mais em disputar nenhum cargo no governo, nenhum cargo no PT.

Uma crítica recorrente hoje que se faz ao Congresso é de que ele deixou de ser uma Casa de debates e passou a se nortear por um “sou contra”, “sou a favor”. Qual sua avaliação nesse retorno?
Acho que Parlamento é a instituição mais democrática de uma sociedade, e ele, para mim, foi uma grande escola. Ele tem erros, mas tem mais acertos. É uma fase. O parlamento reflete a eleição, cada momento é novo. Vivi aqui a fase da ditadura, durante o governo de Figueiredo [1979-1985], vivi a fase da Constituinte, que foi o momento áureo, da elaboração da nova Constituição. Vivi uma outra fase, durante o governo Fernando Henrique Cardoso. No governo Lula, estou vivendo agora. Temos que fazer uma reforma no parlamento, sempre defendi uma reforma no regimento, para que a disputa e a tramitação das leis sejam mais rápidas; sempre defendi que uma lei não pode ter o mesmo curso no Senado e na Câmara. O ideal é ter leis próprias da Câmara e próprias do Senado, e só em último caso fazer uma revisão. No parlamento tem que ter um espaço de diálogo entre governo e oposição, pois tem questões que não divide situação e oposição. Por exemplo, as reformas política e tributária, os temas relacionados ao comportamento como o aborto e a união civil de homossexuais. Na época de FHC, eu tinha um diálogo muito positivo com líderes que apoiavam o governo. Tinha relação com o [José] Serra, com o Luís Eduardo [Magalhães], com o [Nelson] Jobim, com o Sigmaringa [Seixas], com o Miro Teixeira. Acho que tem que se recuperar essa prática de dialogar, de conversar.

O que se perdeu em relação àquele Congresso que o senhor tinha deixado?
São épocas diferentes, mas nós temos que fazer uma reforma do regimento e fazer uma reforma política. Porque o sistema de representação política está no limite, está esgotado. Por isso que eu defendo o financiamento público de campanha exclusivo, o voto em lista em lista preordenada, fidelidade partidária, proibir coligação em eleição de deputados [proporcionais], para priorizar um programa entre os partidos, e as alianças que se formam na eleição têm que ter continuidade até a próxima eleição. Acho que é fundamental se fazer essa reforma, estou muito convencido dela.

O senhor acredita que ela sai mesmo?
As coisas aqui saem de um processo de negociação permanente. Temos que batalhar. Aqui não tem o pessimismo do oito nem o otimismo do 88. Tem que se buscar o meio-termo. Muitas coisas aqui, e já participei de várias, foram assim. Acho que com a regulamentação da medida provisória., em 1999, 2000, avançamos muito, mas agora precisamos aperfeiçoar.

O governo Lula tem abusado das medidas provisórias?
A tramitação está complicada. Tem excessos, acho que muitas coisas o governo deveria mandar como projeto de lei com urgência constitucional. Temos que mexer um pouco na tramitação, nesse processo de trancamento da pauta, que foi um método adotado quando fizemos a reforma da medida provisória. Temos que ver um caminho para que a tramitação não tranque tudo. São coisas assim que nós temos que trabalhar.

Essa é a prioridade do Congresso?
A agenda própria do Congresso, como a reforma política e o ajuste no regimento interno. Depois tem outros temas, como segurança pública, que é um assunto do Parlamento, do governo federal e dos governadores, e a reforma tributária. Temos que ter uma agenda, o Congresso não pode ficar movido por especulação, por bochicho. Ele tem que trabalhar com uma agenda positiva, acho que está faltando a gente organizar isso, inclusive com pontos da própria oposição.

E a oposição, neste momento, está aberta a isso?
Prefiro não fazer avaliação da oposição, porque sou governo. Sou 100% militante de apoio e acho que o Lula está fazendo o melhor governo da história do Brasil. Respeito a oposição, ela tem sua postura, tem seu programa, tem sua crítica, tem sua polarização, mas tem que ter uma relação de respeito. É necessário que a relação entre governo e oposição não seja de guerra. Nunca fui partidário de uma relação de guerra. Quando era oposição, não tinha uma relação de guerra. Relacionava-me com o próprio Fernando Henrique Cardoso, várias vezes participei de reunião com ele. O parlamentar tem que proporcionar isso. Tem que respeitar a oposição, fazendo um diálogo permanente.

Ainda reflete no Congresso o clima de radicalização da eleição de 2006?
Não vivi aqui o clima de 2005 e 2006, então não tenho condições de avaliar. Mas a democracia não é a arte da guerra, um lado não tem que destruir o outro. Não podemos tratar o outro como inimigo. Temos que ter um relacionamento de adversários políticos, de disputa de projetos.

O senhor já falou que o PT precisa de uma reformulação, mas que reformulação seria essa?  
A esquerda passou por uma grave crise no fim dos anos 80, tivemos uma grande hegemonia neoliberal nos anos 90, e agora estão sendo rediscutidos novos paradigmas para uma postura de esquerda. Acho que tem que haver um debate mais teórico. A esquerda tem atualidade no momento. Temos como divisor de águas a questão da luta pela igualdade social. Hoje vivemos uma crise muito grande de valores, a violência, a barbárie, o individualismo, o salve-se quem puder, uma desconstituição da vida solidária, uma espécie de barbárie pós-moderna, não só no Brasil, mas no mundo. Contraditoriamente, estamos respirando um momento muito positivo na América Latina, particularmente na América do Sul. Se analisarmos o mundo, temos guerras, fundamentalismo, intolerância e crise social profunda, principalmente na África. Na América do Sul há uma construção de novos caminhos, cada país a seu modo, com dificuldade, problemas, mas se está construindo. A esquerda tem que fazer uma reflexão sobre sua história e sobre novos desafios para o futuro, enquanto projeto de esquerda. Isso vale tanto para o PT como para outros personagens da esquerda. Quero ficar mais dedicado a dar minha contribuição política e teórica num projeto de esquerda que tenha como base o PT.

O senhor acha que a caminhada do PT para o centro foi abrupta?        
Não concordo com essa avaliação de que o PT foi para o centro. O PT é um partido de esquerda. Suas formulações são de esquerda. Sua adesão ao programa de luta por desigualdade social é de esquerda. A política do PT é de esquerda. O PT fez um movimento para ganhar a eleição e teve que fazer uma aliança ao centro. Ele não foi ao centro. Esse movimento que o partido fez é democrático e correto. Agora, tem que se trabalhar paralelamente com seu projeto estratégico, tem que sempre equilibrar essa parte. Acho que é a formação política, a prioridade para as organizações de base, o contato direto com a militância social e política, o debate mais teórico, que hoje não existe mais nos espaços públicos. É nesse sentido que eu acho que o PT tem que dar a sua contribuição, não só o PT, mas também outros partidos de esquerda.

Agora, a política econômica do PT não é de esquerda.
Eu acho que sim. Os parâmetros do modelo econômico neoliberal nós não consolidamos, nem repetimos. Estamos recuperando o papel indutor e articulador do Estado. A política econômica do governo Lula não é a mesma de Fernando Henrique Cardoso. Estamos fazendo uma mudança no Brasil processual, não fizemos uma ruptura revolucionária, nós estamos mudando democraticamente. Sou de uma geração que achava que a solução era a ruptura, e pagou alto por essa ruptura, correndo risco inclusive com a vida. Aprendemos a lutar pela via processual e democrática, que é o caminho que a esquerda está trilhando, no Brasil, em alguns países da Europa e na América do Sul. Agora, você tem uma realidade, uma correlação de forças, você tem exigências que tem que levar em conta, senão acaba isolado. Veja como trabalhamos para aprovar coisas mais significativas, que mexem com determinadas questões sociais. É difícil, como é o caso da Emenda 3, entre outros projetos. Acho que é um caminho desafiante para a esquerda contribuir com sua utopia, seu sonho. Primeiro, não podemos deixar de trabalhar com a idéia do sonho e da utopia. Sou partidário da visão do socialismo democrático. Mas a igualdade social não é só material, é também de gênero, de comportamento, de religiões e não-religiões. Você não pode hoje dividir o ser humano, como no passado a esquerda dividia. ‘Vamos resolver logo o econômico que o resto vem naturalmente’. Não é mais assim. Hoje é tão radical você lutar pelo emprego como é radical lutar contra o preconceito sexual, contra o preconceito racial. São essas reflexões que a gente tem que resgatar na história da esquerda, que tem uma história de luta, vitórias e derrotas ao longo do último século. Ela tem que resgatar sua história, tirar as lições e atualizá-las no mundo de hoje, que é diferente do mundo que imaginávamos há 50 anos.

O senhor declarou certa vez que, historicamente, no Brasil, os partidos de esquerda ou se domesticavam ou se isolavam. O PT se domesticou?
Não. O PT é uma negação dessa tradição. Ou a esquerda foi eliminada a ferro e fogo, e nós temos vários exemplos de rebeliões, desde Zumbi dos Palmares até o movimento sindical anarquista da década de 20, ou vários movimentos sociais foram cooptados. O PT é um partido de esquerda que dirigiu o projeto de mudança no Brasil, o partido não foi cooptado. O governo Lula tem um projeto, um programa, está lutando para executá-lo, e o PT tem um compromisso social muito claro. O modelo nos anos 60 e 70 era diferente. Nós tentamos, fizemos, mas fomos derrotados. A própria compreensão que estamos tendo dessas lições é muito importante. O PT tem base social, tem várias tendências, o que é uma virtude. O partido não é monolítico.

Mesmo com a predominância do campo majoritário?
Mas isso varia muito. Tem as variações de momento, maioria e minoria no PT são instáveis. Tudo muda. Não podemos achar que o PT se domesticou, não concordo com essa tese, nem achar que nos vamos resolver os problemas no grito, na ruptura. Não resolve.

O líder do PSB na Câmara, Márcio França (SP), e o senador Inácio Arruda (PCdoB-PE), em entrevistas recentes a este site, disseram que o PT tinha que se voltar mais à esquerda. Eles achavam que as alianças do partido com o PMDB, PP, PTB, por exemplo, o levaram muito para o centro, havendo a possibilidade da aliança do PT com o PSB e o PCdoB não se repetir em 2010. A relação do PT com essas legendas está em um momento crítico?   
Temos uma aliança de esquerda, que defendo, e uma aliança de centro. Uma não anula a outra. A aliança do PT com o PCdoB e com o PSB foi importante. Acho que devíamos ter feito a aliança com o PDT antes, já no primeiro mandato. Agora, essa aliança tem que ir até o PMDB, tem que ir ao centro. Porque só essa aliança [com os partidos de esquerda] não garante as soluções de governabilidade. A coalizão é com a esquerda e com o centro. É claro que cada partido tem suas pretensões, isso tem que ser respeitado. Mas não vejo, não está no meu horizonte, qualquer diferença maior ou no futuro da aliança do PT com PCdoB, PSB ou PDT. Pelo menos eu vou lutar para que esse eixo de esquerda, vamos chamar assim, continue existindo nas eleições, nos movimentos sociais e no Parlamento.

O teste será as eleições municipais do ano que vem?
Acho que as eleições municipais não são bem um teste, pois elas têm um componente regional muito forte. Às vezes você faz uma aliança local que não reproduz a lógica nacional. O importante é a sustentação dos programas do governo Lula e que nos preparemos para a disputa em 2010. Mas ainda não dá para tratar desse assunto, cada coisa no seu tempo.

O deputado Cândido Vaccareza (PT-SP) defende uma reprodução da coalizão do governo Lula. É possível conciliar partidos tão distintos?
Concordo com o Vaccareza. A linha geral é reproduzir nas eleições municipais a coalizão nacional. Agora, a gente sabe que tem que levar em conta as realidades regionais. O Brasil é um continente. Há regiões, realidades, dinâmicas próprias que é preciso saber respeitar.

Uma aliança entre PT e PP em São Paulo seria mais complicada?
Estou discutindo a filosofia geral da aliança. Estou defendendo uma coalizão que tenha como base uma aliança de esquerda. Não vou examinar caso a caso agora, está cedo, não está na agenda, não está nas preocupações.   

O PT falou muito em pedir desculpas à sociedade pelos erros, principalmente durante a crise do mensalão. O Tarso Genro [atual ministro a Justiça] chegou a falar até em refundação. O partido já prestou essas contas com a sociedade?
Minha responsabilidade política eu cumpri integralmente, escrevi vários textos sobre minha experiência na presidência do PT, fiz uma carta aos petistas, contribui para o congresso da legenda. Acho que o PT está se preparando para fazer o congresso [que será em agosto], quando o partido deve avaliar. Não estou na direção do PT, mas confio muito que ela vai fazer durante o congresso as avaliações e acho que tem que fazer mudanças daqui pra frente.

Como, por exemplo?
Valorizar a militância político-social, que foi quem segurou na hora do tranco. Acho que tem que ter uma política de formação de base da legenda, temos que valorizar a instância de base, ela tem que ter mais vitalidade e força do que as instâncias nacionais e estaduais. O PT tem que dialogar com a nova base social. Até 2002, a base social do PT era o movimento social organizado e setores da classe média. Hoje, é o movimento organizado e as camadas populares. Isso exige uma organização política muito grande. O PT tem que melhorar a relação dele com os movimentos sociais, que de certa maneira ficou arranhada no primeiro mandato, além de promover novos dirigentes e lideranças. É necessário também atualizar o debate sobre o programa do partido, que tem que estar mais voltado para a sociedade do que para o governo. Governo é governo, PT é sociedade.

Houve uma mistura?
No primeiro mandato sim, se misturaram essas tarefas. A tarefa do partido não é necessariamente igual à do governo, que tem o seu tempo e a circunstância própria. São coisas assim que a legenda precisa refletir.

O senhor se diz um fiel defensor do governo Lula, no qual aponta como o melhor da história do Brasil. Mas não há nenhum ponto negativo em toda a gestão petista?
Sou um defensor do governo, se fosse da oposição iria falar, mas sou governo. Tem determinadas questões que não dependem do governo, mas de mudanças no plano institucional.
     
O senhor acha que faltou a alguns membros do PT reconhecer que também erraram?
Meu juízo é para a minha militância política, os compromissos são meus. Não faço juízo das responsabilidades da direção do partido nem de dirigentes, porque eu não estou na direção. Eu prefiro fazer a minha militância, o meu testemunho. Todo fim de semana reservo dois dias para fazer uma agenda com a base, fazer debates, plenárias, reuniões. É uma espécie de resgate de algo que eu sempre lutei em minha vida.

O senhor disse ter se arrependido de ter disputado o governo de São Paulo em 2002.
Não gosto de usar a palavra arrependimento, porque não existe arrependimento, você faz escolhas. Avaliando hoje, eu devia ter continuado como deputado.
 
Que outras escolhas o senhor acha que poderia ter tomado um caminho diferente?
Tive uma trajetória parlamentar, deveria ter continuado. Mas não estou arrependido. Você faz as escolhas nas circunstâncias que são colocadas. Não me ocorre nada agora.

Nem sua conduta na presidência do PT, por exemplo?
Minha avaliação sobre a minha responsabilidade política, que é totalmente diferente de responsabilidade criminal, está escrita aqui [nos dois livros que abordam sua trajetória política], o que eu tinha que ter priorizado, o que eu deveria ter investido como presidente do PT. Eram circunstâncias muito especiais, porque eu nem estava na executiva, fiquei dois anos afastado. É claro que não me arrependi de ter disputado o governo de São Paulo, são opções que você faz. Analisando hoje, acho que a luta armada seria derrotada nos anos 70, mas não estou arrependido do que eu fiz, do que participei.

Faria tudo de novo?
Nas circunstâncias, sim. Nossa geração foi emparedada, a gente não tinha opção. Ou ia para o exílio ou ia para a luta. Porque se fosse para casa, ia ser preso do mesmo jeito. A história coloca opções e você, como militante, tem de fazê-las. A vida política é um processo, é como se você analisasse a história estando no carro em que tem que ter o pára-brisa e o retrovisor. Se ficar só no pára-brisa, você fica rodeando, com raiva, com mágoa. Também não pode esquecer o passado, você tem que olhar o retrovisor, mas sem esquecer do futuro. Minha perspectiva é essa.

O senhor falou que sofreu dois tipos de tortura. A física, durante a ditadura, e da alma, durante o escândalo do mensalão. Qual deixou marcas mais profundas?
As duas deixaram marcas profundas. Agora, você não pode olhar para essas marcas com raiva, nem com revanchismo ou ódio. Você tem que interiorizá-las de maneira positiva pata tirar lições.

Já superou as duas?
Também não gosto da palavra superação. Vivi tudo que fiz intensamente, nunca fiz nada pela metade, pois eu estava sempre jogado no projeto, seja na guerrilha, seja no movimento estudantil, seja na fundação do PT ou na presidência do partido. Não é ficar com mágoa ou ressentimento. Mas você vai aprendendo, nunca se está preparado 100%. Tem que estar sempre aberto para escutar, para aprender, para ser tolerante.

02 de Julho de 2007

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