Opinião

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ABIN

Relaxe, você está sendo escutado

Jornal O Valor

Começou a tramitar na Câmara projeto de lei do deputado José Genoino (PT-SP) para atualizar a legislação que regula as atividades da Agência Brasileira de Inteligência. Trata-se de iniciativa oportuna, no momento em que a Abin se queixa de ser uma "agência de inteligência surda" por não ter autorização para "escutar", ou seja, grampear telefones.

A Abin quer entrar na festa. Neste momento, segundo alguns cálculos, até 20 mil conversas telefônicas podem estar sendo monitoradas no país, graças ao avanço tecnológico dos meios eletrônicos de interceptação, como o famoso sistema Guardião operado pela Polícia Federal.

Esse é um cálculo que se refere somente a órgãos oficiais - além da PF, polícias estaduais dispõem de sistemas parecidos. O Ministério Público Federal lê o manual de operações do seu. Mas há também o que Genoino chama de "Grampolândia", uma vasta rede privada e semiprivada de escuta em atividade "que ninguém sabe de onde vem e para onde vai".

O grave, nisso tudo, é que mesmo algumas escutas oficiais podem estar sendo feitas à margem da lei. Sistemas como o Guardião permitem que as conversas entre dois telefones diferentes possam ser monitoradas caso tenham feito chamadas para um terceiro telefone que esteja grampeado com autorização judicial. Para isso, basta a execução de comando. Cabe perguntar quem controla os guardiães.O projeto de José Genoino não se limita a dar orelhas à Abin. Permite "as atividades de espionagem eletrônica, via internet ou redes congêneres de quaisquer modalidades de comunicação visual, auditiva, ou de qualquer modo perceptível pelos sentidos, de caráter nacional e internacional, via satélite (...), e outras que vierem a ser usuais no campo da tecnologia de comunicação", diz o projeto.

"Não se trata nem de arapongagem nem de banalizar a espionagem", argumenta Genoino, talvez o deputado do PT com maior trânsito entre os militares e o mais bem preparado em assuntos de inteligência e contra-inteligência. O que importa, segundo ele, é que as autorizações sejam feitas num terreno "muito bem delimitado, com fundamentação, justificativa e só em ocasiões especialíssimas". Em situações de contra-espionagem, por exemplo, ou de proteção de informações do Estado, tanto industrial quanto tecnológica.O Guardião ouve tudo. Quem manda no Guardião?

Por se tratar de uma "agência surda", entre outras coisas, é que a Abin não teria previsto a invasão da usina hidrelétrica de Tucuruí por integrantes da Via Campesina e do Movimento dos Atingidos por Barragem, segundo relato da repórter Tânia Monteiro em "O Estado de S. Paulo", domingo passado. Para Genoino, o papel da Abin, em casos como esse, é o de analisar para o presidente da República se o sistema de segurança da usina é ou não adequado. "Não é infiltrar ou escutar o MST". O mesmo vale para o tráfego aéreo: dizer "se o sistema tem gargalos e não vigiar controlador de vôo".Isso porque o cliente da Abin é o presidente da República. Cabe ao serviço de inteligência, nos termos do projeto, fornecer ao presidente "subsídios de interesse nacional que impliquem tomada de posição ou de decisão de governo e de Estado face à situação política nacional e internacional, presente e futura de curto e médio prazos, quando necessário o envolvimento da União ou do País".

"Inteligência faz cenário, aponta tendências sobre assuntos para o presidente da República tomar boas decisões", diz o deputado. "A informação não pode atacar a privacidade nem atender a interesses políticos e partidários".Assim, como órgão de assessoramento do presidente, o projeto de Genoino determina que a Abin seja subordinada diretamente ao gabinete do presidente da República, e não mais a um ministro de Estado, como hoje é o chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI). É a prática nos regimes presidenciais democráticos.

Delimitar o campo de ação da Abin é importante também para que sejam regulados os limites dos outros órgãos com licença para invadir a privacidade do cidadão, com parâmetros mais precisos para a própria Justiça decidir, caso a caso, e não simplesmente autorizar balaios de escuta judicial. Talvez até exercitar algum controle sobre a própria "grampolândia".

Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília.
Escreve às terças-feiras no Jorna O Valor Econômico

03 de Julho de 2007

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