Opinião

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Entrevista

"Juiz não pode falar fora dos autos"

Jurista considera que o ministro Marco Aurélio Mello extrapolou e diz que o presidente Lula fez 'o que qualquer político faz'

"O juiz realmente não pode falar fora dos autos', alerta Luiz Flávio Gomes, jurista e professor de Direito Penal, ao comentar o bate-boca entre o presidente Lula e o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Marco Aurélio Mello. Segundo Gomes, está expresso na Lei Orgânica da Magistratura que juiz só deve se manifestar em processo sob sua responsabilidade.



Gomes, que foi juiz criminal por 15 anos, diz que a regra do silêncio vale para qualquer nível - juiz de primeiro grau, desembargador e ministros dos tribunais superiores. O embate entre Lula e Marco Aurélio ocorreu porque o DEM e o PSDB pediram no Supremo Tribunal Federal (STF) a suspensão do programa Territórios da Cidadania, lançado no início da semana, por considerá-lo eleitoreiro.

Na quinta-feira, em Aracaju, Lula disse que 'seria bom que o Poder Judiciário metesse o nariz apenas nas coisas dele', referindo-se, sem citar nomes, ao fato de que Marco Aurélio dois dias antes havia criticado o Territórios da Cidadania - para ele, um programa social em ano eleitoral, o que a lei proíbe - e afirmado que a oposição poderia contestá-lo na Justiça. Para o presidente, as declarações teriam sido a senha para a oposição recorrer.



Na sexta-feira, Marco Aurélio reagiu. 'Na nossa área jurídica há um fenômeno denominado o direito de espernear. Aqueles que se mostrem inconformados por isso ou aquilo têm o direito de reclamar. Eu só estranhei a acidez do presidente', afirmou. 'Como ele estava no palanque, eu relevo. Ele estava num ambiente propenso e talvez tenha esquecido que não está em campanha.'

Para Gomes, essa troca de farpas causou perplexidade. Mas o jurista acredita que 'não existe uma crise institucional, isso é coisa boba'.

Juiz não pode falar?

Está na Lei Orgânica e todos os magistrados, sem exceção, a ela devem se submeter. Os juízes, de fato, devem ser mais cautelosos. A magnitude da função de ministro exige ponderação, equilíbrio.

Mas o presidente de um tribunal não tem o direito de falar?



O ministro Marco Aurélio não deveria ter declarado nada.



Por quê?

Porque ele vai participar desse julgamento. Ainda que não vote, é ele o presidente do tribunal eleitoral.

É ruim para o País um embate dessa natureza?

É ruim para a democracia, para o fortalecimento das instituições. Queremos instituições fortes, não queremos instituições fracas, vulneráveis, que não assegurem a continuidade democrática. Melhor para a democracia é que todos se respeitem e que não violem regras de ética da profissão.

Fora do Brasil não é comum esse desentendimento?

É muito comum a celeuma entre políticos, mas é muito raro ministro falar sobre qualquer assunto. Justamente para não criar polêmicas.



Ministro está impedido de se pronunciar mesmo quando não aborda o mérito de uma pendência?

Juridicamente, o magistrado não deve mesmo falar fora do processo. Prejudica o ambiente harmônico dos Poderes, traz desequilíbrio, prejudica até a economia em muitos casos. Sobretudo nesse caso, em que uma representação irá à corte, o ideal seria que o ministro não se pronunciasse.

Lula disse que o Judiciário não deve se meter em seus atos. Ele pode criticar e não ser criticado?



Quando diz que não se mete no Judiciário, quer dizer que não se intromete em decisões judiciais. Político está aí para isso. Temos que dar um desconto. Juiz é que não pode entrar em bate-boca. Tem que ter mais equilíbrio, mais ponderação.



O presidente da República pode atacar um chefe do Judiciário?



Normalmente, o presidente, por ser político, acaba extrapolando. O presidente fez o que qualquer político faz. Como eles têm mais liberdade para falar, podem falar o que quiserem. O presidente está dentro da margem natural.



E o ministro não está?



Nesse episódio, o ministro não deveria ter dado início à polêmica. Isso não está dentro dessa margem das funções de ministro. Melhor mesmo é que um ministro não fale fora dos autos. É o melhor caminho.



Não seria mais sensato que o presidente também evitasse críticas?

Faz parte do bate-boca, é natural no mundo político dizer essas coisas. O que não é natural é o ministro falar. A Lei Orgânica impõe que o magistrado se manifeste apenas nos autos. Está expresso no texto.



Há uma crise entre os Poderes?

Não vejo isso como crise. Não chega a ser crise institucional, apenas um incidente corriqueiro, bobo, que não terá maiores repercussões. Segunda-feira os dois já estarão conversando normalmente. Não foi um incidente sério, mas fica como advertência para o ministro.

 

Quem é: Luiz Flávio Gomes

Foi juiz criminal por 15 anos e promotor de Justiça por 3.



É professor de Direito Penal e dirige o Instituto LFG, preparatório para concursos.

Fausto Macedo para O Jornal O Estado de S.Paulo - 02/03/08

03 de Março de 2008

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