Opinião

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"APENAS UM MILITANTE"

Genoino concede entrevista à revista Fale!, de Fortaleza

Por Luís Sérgio Santos, da revista Fale!

O deputado federal José Genoino (PT-SP) diz estar vivendo numa fase de “resgate dos sonhos e das utopias”. Com atuação tímida nas articulações políticas no Congresso Nacional, Genoino diz que pretende ser somente um militante, sem cargos no Governo, no partido e na bancada.

Eleito deputado federal no ano passado, José Genoino (PT-SP) voltou à cena política de maneira tímida, após sua conturbada saída da presidência nacional do Partido dos Trabalhadores em 2005. Longe dos holofotes, Genoino diz estar inserido em “uma nova reflexão”, na qual pretende priorizar o debate político de idéias a almejar cargos no partido e na bancada.

Em julho de 2005, em meio ao escândalo do mensalão, José Genoino, então presidente do PT, foi surpreendido com a denúncia de que ele e Delúbio Soares — tesoureiro do partido na — haviam assinado um contrato de empréstimo de R$ 2,4 milhões do Banco Minas, tendo como avalista o publicitário Marcos Valério. A situação se agravou quando o assessor parlamentar de seu irmão José Nobre Guimarães (PT-CE) — hoje, também deputado federal —, foi preso quando tentava embarcar no aeroporto de Congonhas com R$ 200 mil em uma valise e US$ 100 mil presos na cueca. O desgaste político foi inevitável. Poucos dias depois, Genoino renunciou a presidência do PT.

Apostava-se que o barulhento episódio poderia marcar a morte política de uma das figuras mais fortes e influentes do PT paulista. A eleição de 2006, entretanto, mostrou que o petista ainda manteve seu prestígio entre 98.729 eleitores — a votação pouco expressiva garantiu a 53ª colocação entre os 70 mais votados em São Paulo —, que o levaram à Câmara dos Deputados.

A volta ao cenário político, entretanto, veio silenciosa. Em entrevista à Fale!, Genoino diz que está em novo momento, “vivendo uma fase de resgate dos sonhos e das utopias”. Nesta nova fase, o deputado enumera os erros que o PT e o Governo Lula teriam cometido no início do primeiro mandato — período em que esteve à frente da presidência do PT. Entre os equívocos políticos estariam o distanciamento do Governo da militância de base do partido e dos movimentos sociais, a “força exclusivista” do PT no Governo, a falta de debate ideológico e a preocupação primeira com o cenário conjuntural. Além disso, Genoino diz que o partido tinha que priorizar uma agenda própria a adotar “métodos que criticava dos adversários”.

O deputado esteve em Fortaleza na ocasião do lançamento de sua biografia José Genoino – escolhas políticas, escrito por Maria Francisca Pinheiro Coelho, com base em 16 entrevistas realizadas entre os anos de 1997 a 2005, ano da eclosão do escândalo do mensalão.

Gostaria que o Sr. fizesse um comentário sobre a perspectiva da reforma política. O que deveria ser feito, já que se fala tanto da necessidade urgente de qualificar os partidos, o processo sucessório? Como o Sr. se insere nesse debate?

José Genoino. Eu estou me inserindo numa nova reflexão política. Estou numa fase de me situar na militância política, priorizando a luta de idéias e causas, sem nenhuma pretensão de cargos no partido nem na bancada. Em relação à reforma política, nós temos um sistema de representação que está esgotado. É preciso fazer mudanças. Primeiro, resgatar o papel da política no sentido da representação, da negociação, dos conflitos e do consenso. Em segundo lugar, nós temos que, democraticamente, dar funcionalidade à política para criar condições de relação com a sociedade e também de governança. Precisamos aumentar os mecanismos de participação popular — como referendos, plebiscitos, consultas e a própria iniciativa de lei — e combinar isso com a representação política dos partidos, que estão muito desgastados e precisam ser fortalecidos. A reforma seria muito importante para cumprir essas finalidades. Eu defendo, na reforma política, a separação entre público e o privado. A melhor maneia para essa separação é o financiamento público exclusivo. Hoje, esse tipo de financiamento só pode ser viabilizado para as eleições majoritárias — prefeitos, governadores e presidente. Se nós garantimos o financiamento público em campanhas baratas e em condições de igualdade, nós democratizamos a disputa e evitamos a relação entre o interesse privado e o público. Eu defendi a lista fechada pré-ordenada para viabilizar o financiamento público, mas ela foi derrotada [em votação no Congresso]. Agora, nós temos que aprovar a fidelidade partidária para acabar com esse troca-troca de partidos, garantir que as alianças que se formam nas eleições tenham durabilidade de pelo menos quatro anos — um ano antes e três anos depois das eleições —, e permitir que se acabe com o fim de alianças nas eleições proporcionais. Isso seria um passo importante para o sistema eleitoral brasileiro. Estou participando das conversas com a bancada do PT, com os partidos do Congresso Nacional — tanto de esquerda como da oposição — para construir algum consenso para viabilizar essa reforma. A mudança no sistema eleitoral brasileiro, entretanto, precisa levar em conta a cultura brasileira, as condições das disputas políticas e a via processual para fazer essa reforma política. Há muitos outros itens que temos que pôr em debate. Por exemplo, ajustar o pacto federativo, que é fundamental na reforma política. O Brasil está vencendo o desafio da inclusão social, do crescimento e da soberania da política externa. Nós temos que resolver, agora, o desafio da política. Em meio a todas as crises que o País tem vivido, não podemos ficar no pessimismo nem pensar em soluções milagrosas. É preciso buscar soluções processuais e possíveis nesse cenário.

Como controlar a questão do financiamento de campanha?

José Genoino. Primeiro, estabelecendo uma fiscalização através de financiamento público de campanhas. Limite de gastos com condições de igualdade, com a manutenção das proibições de showmícios, outdoor, brindes. A campanha tem que privilegiar o conteúdo das propostas e dos programas e acabar com essa supremacia do marketing, que causou prejuízo na política brasileira. Isso barateia a campanha, e deveríamos fazer dessas campanhas eleitorais um momento de privilegiar os partidos na disputa de programas e projetos. Eu acho que, muitas vezes, a disputa fica tão maquiada, tão espetacular, tão virtual, que não se dá visibilidade às idéias, os projetos e programas.

Em relação à fidelidade partidária, qual seria o mecanismo legal para evitar esse troca-troca de partidos? O Sr. falou de um prazo de três anos...

José Genoino. O mecanismo ideal seria o seguinte, a fidelidade nasce do voto do eleitor. Na hora que se registra a candidatura, o candidato está firmando um compromisso com o eleitor, com o programa e com o partido. Até o registro da próxima eleição, o então candidato não pode trocar de partido, senão perde o mandato, que é um contrato com tempo de quatro anos. Ele tem que estar registrado um ano antes e três depois [da eleição]. Quando o candidato for disputar uma nova eleição, ele poderá mudar de partido. Mas ele vai legitimar no voto popular essa troca. Eu acho que deveria ser permitido a mudança de partido apenas no caso de criar uma nova legenda, ou do partido mudar o programa que elegeu seus deputados.

E a sua doutrina...

José Genoino. Sim, se houver modificações em sua doutrina e programa, aí sim, seria permitido a mudança de partido. Mas não é isso que acontece no Brasil. Se nós não valorizarmos os blocos e os partidos, a governabilidade fica muito comprometida, porque você acaba estabelecendo uma negociação pulverizada, individualista, carreirista e não uma negociação de projetos e programas.

Agora, a preço de hoje, sobre a composição plural da Câmara dos Deputados. O Sr. percebe um sentimento, uma vontade de se fazer uma reforma política que assegure valores como fidelidade partidária, financiamento público de campanhas, entre outra série de valores? O Sr. sente isso ou é algo utópico?

José Genoino. Apesar da derrota da votação em lista, seja aberta ou mista, eu acho que a fidelidade partidária tem maioria para votar. A questão do fim das coligações na eleição proporcional tem maioria.

A fidelidade partidária com essa reserva de três anos tem maioria?

José Genoino. É uma emenda constitucional que estamos trabalhando. Temos condições de votar, porque eu acho que o Congresso sabe que precisa de uma reforma. Se não é a ideal, ela tem que vir por etapas. As reformas do Congresso sempre foram assim. Foi assim na Lei da Anistia, na Constituinte, na imunidade parlamentar, na limitação de medidas provisórias. Não podemos parar. Vamos tentar votar a matéria sobre o financiamento público somente para eleições majoritárias, mas ainda não tenho certeza se vai ser aprovada ou não. Vamos tentar colocar na pauta. A eleição proporcional não pode ter financiamento público, pois é só através de lista. Agora só para a eleição majoritária seria um passo.

O que o deputado acha da sistemática de apresentação e execução das emendas orçamentárias?

José Genoino. O parlamentar deve defender os projetos de sua região e estado, não necessariamente a obra de uma ponte, um hospital. Ele atuaria em bloco. Na execução que se destinaria para ponte, hospital, asfalto, saneamento. Isso seria o método mais democrático. Isso evitaria que o parlamentar ficasse sujeito, muitas vezes, de ser condenado... Por exemplo, um parlamentar faz uma emenda que é executada por uma empreiteira. Se há uma denúncia contra essa empreiteira acaba sobrando para o deputado. Esse sistema que está aí, às vezes, transforma inocentes em condenados e culpados em inocentes. É um sistema perverso. Acho que devemos mudar essa sistemática. O Executivo deveria ter mais critério para edição de medidas provisórias — muitas vezes, o Legislativo fica muito abarrotado de tanta medida provisória. Eu considero o Parlamento uma grande escola. Há uma cobertura perversa do Parlamento. A pauta é muito negativa. O Parlamento deveria ter uma relação tanto com o Executivo quanto com a sociedade mais pró-ativa que reativa.

Como o Sr. avalia hoje, do ponto de vista da doutrina, da ideologia, o papel da esquerda brasileira?

José Genoino. Eu sou militante de esquerda, me baseio nos valores do socialismo democrático. Eu acho que a esquerda brasileira tem que recolocar a idéia da utopia, do sonho e do seu projeto de disputa política na sociedade. Nós vivemos numa era em que a barbárie, a “coisificação”, a quebra das utopias, as decepções e frustrações, devem ser enfrentadas pela esquerda. Nem é o socialismo autoritário, nem o deus do mercado. Eu acho que devemos buscar o resgate do caminho da cidadania, dos direitos coletivos e individuais e de uma idéia de uma sociedade justa. A esquerda deve partir da busca da igualdade social nos marcos da radicalização da democracia. Tanto o PT, como o PCdoB, como o PSB, como o PDT, e as personalidades que giram em torno do ideário de esquerda, deveriam fazer um debate de mérito. O debate político brasileiro está rebaixado. Nós temos que sair de um fato conjuntural para debater questões estratégicas. Eu acho que isso foi um dos erros que cometemos no PT, logo após a eleição do Lula. Nós ficamos muito no debate da conjuntura governamental e desprezamos o debate de mérito, com formação e discussão, para atualizar o ideário de esquerda. Segundo lugar, nós tínhamos que discutir um programa de mudanças. A experiência do Governo Lula e de outros governos, tem que passar por um crivo de um debate. Analisando as falhas, as virtudes, os dilemas e desafios. Nós temos a responsabilidade de criar um caminho alternativo ao caminho neoliberal. Por outro lado, nós vivemos em um mundo numa crise muito grande. Estamos vivendo um momento de muita escuridão e reacionalismo no mundo. O que está acontecendo na América do Sul, particularmente, é uma espécie de brecha de algo que se deve repensar sobre um projeto de esquerda. Cada país ao seu modo e a sua maneira. Acho que devemos qualificar o debate. Por isso, a minha opção política prioritária, hoje, não é a disputa de cargos, mandato no PT, força no Governo. Minha prioridade, depois de anos de experiência de vida, é o debate de idéias desvinculado do debate conjuntural, como as questões eleitorais e de poder. Vivemos em um momento em que tudo vira um espetáculo, tanto a tragédia como a virtude. As garantias de direitos são violentadas pela força do espetáculo, como foi na ditadura militar, através da força da censura e da tortura. Hoje, vivemos uma espécie de pessimismo do cotidiano, por isso devemos resgatar um ideário alternativo a esse. Eu acho que a esquerda tem responsabilidade muito grande. As tarefas dela vão além de governar. Não devemos nos limitar a somente governar. Eu acho que esse foi um dos erros do PT no início do Governo Lula. Nós temos que dar prioridade ao debate com a militância de base, com os movimentos sociais, partidos, forças políticas. A política não se resume apenas a eleição ou governo. Eu acho que devemos construir espaços na mídia para debates — na imprensa alternativa, independente, na internet. Temos um grande volume de informações que, muitas vezes, vira espetáculo com uma falta de controle muito grande

Como é ter o PT no poder, estar do lado de lá? Na sua experiência pessoal, não aflorou um certo conflito?

José Genoino. A vida é um conflito e a política vive de conflito. A política tem duas faces, o lado da poesia e o lado do sangue. Eu conheci as duas faces, que se intercalam. É claro que nossa utopia, quando temos a responsabilidade de governar uma cidade, um estado e um País, tem que ser construída numa espécie de fio da navalha —  nem podemos cair no adaptacionismo nem no isolacionismo. É um processo de mudança. Eu acho que nas questões gerais, macro, no fundamental, o Governo Lula, o PT e os partidos que apóiam o Governo estão mudando o Brasil em todos os aspectos.

Quais são esses aspectos de mudança na questão social?

José Genoino. Estamos mudando a distribuição de renda no País. Nós colocamos na agenda [de Governo] a luta contra a pobreza e a miséria com os programas de inclusão social. Colocamos na agenda e estamos viabilizando o resgate do papel do Estado como indutor e articulador do desenvolvimento econômico — essa é a grande virtude do Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC. Nós estamos colocando na agenda a prioridade da educação como porta para o futuro. O País está melhor relacionado no mundo, com autonomia e multilateralismo — porque hoje nós devemos ter uma relação de interdependência no mundo. Estamos construindo isso, o Brasil está mudando. Agora, essa mudança é pela via processual. Muitas vezes, estamos caminhando sobre o fio da navalha. Acho que o PT errou no primeiro mandato, porque o partido acabou sendo uma força muito exclusivista no Governo. O PT adotou métodos que criticava dos adversários. O PT e o Governo tinham que ter uma agenda própria.

O partido e seus quadros estavam preparados?

José Genoino. Eu acho que sim. Até porque os principais quadros do PT foram para o Governo. Nós fizemos um movimento tático correto para eleger o Lula. Agora, o partido ao for fazer um movimento tático tem fazer também um movimento estratégico do seu programa, de seu futuro, de seu rumo em geral. A esquerda vive um dilema porque ela vive uma concepção de revolução rupturista. E essa concepção foi derrotada. Eu vivi essa experiência intensamente e corri todos os riscos.

No primeiro Governo Lula, quando o presidente assumiu, se divulgava que ele rasgaria os contratos...

José Genoino. Nós saímos de uma concepção rupturista para uma concepção processualista. Isso necessita de um debate mais profundo. A base dos programas e da política econômica do Governo Lula foi correta e necessária. É uma realidade concreta que, muitas vezes, ao mudar o mundo, você precisa colocar os pés no chão, pois somos materialistas. Isso tem que ser uma reflexão. Estamos, hoje, retomando a idéia de construir uma aliança mais ampla, um bloco de esquerda, que é fundamental. Melhorar a relação com o PSB, o PCdoB, o PDT. Segundo, eu acho que o PT está aprendendo a viver na prática numa coalizão política, pois o PT não é dono da verdade nem força exclusiva. O PT tem que aprender a dividir o poder e o espaço com outros partidos, e isso é um aprendizado dramático que estamos vivendo. É a idéia de fazer governos amplos e, ao mesmo tempo, ter uma perspectiva. Muitas vezes, temos que fazer movimentos táticos como produto da relação de forças. Fizemos isso ao assinar a Carta aos brasileiros, na definição do superávit, da taxa de juros. Foram momentos dramáticos. Ao mesmo tempo, isso foi fundamental. Ou se governava a crise ou a crise nos governava. A experiência mostrou que nós governamos a crise e, hoje, o País está numa situação muito melhor.

Nesse processo houve perdas, danos?

José Genoino. Sim, houve perdas, erros, falhas, decepções. É um processo histórico dramático. Assim como a esquerda viveu experiências revolucionárias com a luta armada, nós vivemos quando conquistamos o poder pela via eleitoral. É preciso radicalizar a democracia, que tem que ser o meio e o fim, é um valor fundamental. Tem um conjunto de questões que a esquerda tem que refletir. E eu estou ajudando nesta reflexão com minha experiência política. Meu entusiasmo, hoje, é com essa reflexão que está nos livros que eu ajudei a escrever, nos artigos e debates.

Como o Sr. se define hoje? O deputado não tem se revelado, nem falado como um homem ligado diretamente ao Governo. Qual a posição do Sr. hoje no Congresso Nacional?

José Genoino. Primeiro, no Congresso, eu sou um militante que defende 100% o Governo Lula, seja na bancada, nas comissões ou no plenário. Segundo, eu quero ser só militante para ajudar a bancada do PT e demais partidos no debate de idéias. Eu não quero disputar nada, nem na bancada nem no Governo. Em terceiro lugar, eu quero privilegiar na minha atividade política a relação com a militância de base do partido, os movimentos sociais e as comunidades. Eu acho que nos primeiros dois anos do Governo Lula é que ficamos muito distantes da base social do PT.

Isso teria estimulado uma dissidência que germinou o PSol, por exemplo?

José Genoino. Não, eu acho que os companheiros que foram para o PSol fizeram uma ruptura estratégica. Isso era inevitável, porque eles tinham um projeto alternativo. Isso é democrático e legítimo, respeito esses companheiros. É claro, nós vivemos um momento de muita tensão. Teríamos que ter tido um debate mais aprofundado, principalmente nos anos de 2003 e 2004. Na eleição de 2004, não deveríamos ter feito uma campanha como fizemos. Deveríamos ter feito uma campanha mais de militante e menos de marketing. Erramos no financiamento de campanha, no critério para política de alianças. Isso o partido tinha que discutir de maneira franca com seus filiados.

Como o Sr. avalia a figura do presidente Lula, que emergido numa avalanche de pressões e denúncias, disputou a reeleição, e se mostrou acima disso?

José Genoino. Não só o Lula como PT, que mesmo com tudo que aconteceu, foi o partido mais votado para a Câmara federal. Depois de dois anos de pancadaria, o PT é o primeiro partido de maior preferência eleitoral. A eleição de 2006, foi uma batalha, o que eu chamo de uma revolução silenciosa pela cidadania. Primeiro, porque as camadas populares ficaram autônomas em relação aos formadores de opinião e fizeram as suas opções de acordo com sua identidade. Mesmo com a pressão da mídia. Segundo lugar, a campanha mostrou que o debate político de mérito — papel do Estado, problema social, política externa — é fundamental. Isso é o essencial. Marketing, pirotecnia, shows, não definem o processo eleitoral. Apenas é uma enganação, uma máquina de ganhar dinheiro. A base social do PT sofreu mudanças. Até a eleição de Lula em 2002, a base do PT era de classe média. Hoje, essa base era formada pelos movimentos sociais e camadas populares. O partido tem que se preparar para politizar essa relação com o povo. O PT precisa fazer uma reforma orgânica no partido. Por exemplo, privilegiar o investimento na base, ter comunicação direta com filiados, investir na formação política — curso de preparação, debates e leitura —, democratizar os organismos de direção do partido em nível regional e nacional.

Como o deputado avalia a credibilidade da classe política, considerando as ações da Polícia Federal, que tem revelado problemas que tem colocado em xeque a reputação de deputados, agora recentemente de senadores?

José Genoino. Acho que a credibilidade dos políticos e partidos está abalado por vários fatores. Primeiro, por erro dos políticos e partidos. Segundo, por uma maneira de denunciar que não se separa joio do trigo, e tudo vira um espetáculo. Terceiro, por uma espécie de má vontade e pessimismo, que coloca todo mundo na vala comum. Há um esforço para descredenciar a política para que certas instituições do Estado encarnem o “Bem”, e não é bem assim. Há certo canibalismo na disputa política, um vale-tudo. A política não é a arte da guerra, quando um tem que destruir o outro. A política é a arte do consenso e dissenso. No Brasil, entretanto, se canibalizou muito. Acho que se sectarizou as relações, não se tem conversas políticas entre adversários, inclusive entre aliados. Essa idéia que tudo vira espetáculo, em que certas pessoas se arvoram à prerrogativa de julgar, sem contraditório e de qualquer jeito. Há uma competição selvagem na mídia para ver quem “fura” mais, quem dá maior espetáculo. Isso gera uma espécie de circo romano. Agora, o PT foi criminalizado violentamente. O PT cometeu erros políticos e escolhas políticas erradas. Mas dizer que é organização criminosa? Muitas vezes, se parte para o tudo ou nada na política, o que gera um sentimento de apatia e pessimismo do eleitorado.

Hoje, já se discute a sucessão do presidente Lula. O Sr. acredita na hipótese da esquerda perder esse processo sucessório? Há risco de setores mais conservadores retomarem o poder?

José Genoino. Não podemos colocar a sucessão de 2010 na pauta. Temos que, primeiramente, realizar as mudanças e avançar no segundo mandato. Segundo, nós temos que reformar as instituições políticas do Estado brasileiro. Terceiro, nós temos uma eleição municipal em 2008. Em quarto, nós temos que discutir 2010 no momento adequado e não agora. Isso passa por uma unidade das forças que apóiam o Governo Lula, por uma “consertação” com os partidos mais à esquerda, que dão consistência estratégica programática, e por uma postura de abertura para o diálogo. Nem pode haver veto a nenhum partido que apóia o Governo Lula nem predefinição. Nós temos que criar uma criar um ambiente de diálogo em nome do projeto.

Como o PT vai se posicionar na sucessão municipal em São Paulo? O PT está se preparando para retomar a capital paulista?

José Genoino. Eu não estou na direção estadual nem municipal do partido, estou apenas acompanhando. O PT tem grandes chances. A maior liderança do partido em São Paulo é a Marta Suplicy [ministra do Turismo]. Temos que acompanhar a evolução do quadro para ver quem vai ser candidato e qual será a nossa tática. Ainda não temos todos os elementos para isso.

O deputado tem acompanhado o partido nos estados? Como o Sr. avalia a capilaridade do partido, do ponto de vista de gestão de governo?

José Genoino. O PT é uma instituição nacional com muita capilaridade, e com uma penetração no povo muito forte, que deve ser politizada e melhorada. Sobre a questão dos estados, acho que o PT tem uma força, mas sozinho ele não ganha eleição.

Então, a idéia da aliança está clara como necessidade?

José Genoino. A necessidade de aliança e de governo de coalizão é fundamental. Nos lugares onde há governos sem alianças e fechados temos grandes chances de derrota. Essa é uma experiência que a gente viveu, inclusive em São Paulo, na primeira experiência com Luiza Erundina [foi prefeita quando filiada ao PT, e hoje está no PSB] e na campanha de Marta Suplicy [em 2004, a então prefeita foi derrotada pelo tucano José Serra, atual governador de São Paulo]. Também vivemos essa experiência em Santos e até Porto Alegre.

O Sr. acompanhou a composição da aliança que elegeu o governador do Ceará Cid Gomes (PSB)?

José Genoino. Acompanhei no geral. Acho que a experiência do Ceará é muito promissora, assim como em Pernambuco, Bahia, Sergipe, Rio Grande do Norte. São experiências que devemos consolidar e apostar.

E no Rio de Janeiro, porque o PT não consegue deslanchar?

José Genoino. No Rio de Janeiro, o partido tem duas grandes prefeituras. Agora está tendo uma nova aliança com o governador Sérgio Cabral (PMDB). O PT do Rio de Janeiro ficou muito tempo entre o isolamento e um pragmatismo que o prejudicou. Os dilemas que nós vivemos, como aquela intervenção no Rio, apoiar o Garotinho em 98, foi um erro. Bem como as dificuldades para construir uma alternativa própria. Hoje, nós temos que apostar na nova aliança, em prefeituras em êxito. Um partido como o PT se não tiver referências legitimadas e conhecidas pela população, terá muita dificuldade de crescer. Tem que ter referências ou como cabeça de chapa do PT ou de outros partidos.

Como o José Genoino se define hoje, depois de muitas fases?

José Genoino. Tanto no livro Entre o sonho e o poder e Escolhas políticas eu me defino como militante de esquerda socialista e democrático. Antes de ser socialista eu sou democrata. Estou vivendo uma fase de resgate dos sonhos e das utopias, e a esquerda está precisando disso. Eu acho que o debate sobre o socialismo democrático, valores como solidariedade, igualdade, pluralismo, humanismo são fundamentais para resgatar o projeto da esquerda.

O Governo Lula, de certo modo, vem implementando esses valores?

José Genoino. O Governo Lula tem uma marca e identidade que eu considero de esquerda. É um governo que está alterando o padrão da desigualdade social. Não é ideal, mas estamos mexendo na distribuição de renda e incluindo milhares de brasileiros num grau de cidadania. Isso é um grande avanço.

01 de Abril de 2008

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