Opinião

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SÉRIE: DIREITA X ESQUERDA - I

Direita x Esquerda, hoje

"Nas últimas eleições presidenciais, nenhum candidato se assumiu como de direita, mesmo sendo". Esta afirmação foi feita por um companheiro num debate de que participei no ano passado. Desde então, tenho pensado nas razões disso.

A ditadura militar no Brasil, como de resto em toda a América Latina, foi implantada e sustentada por forças políticas claramente de direita. Parece claro que após a derrota da ditadura não era adequado, para efeito da disputa política, assumir-se como de direita. O Brasil estava saindo de um dos períodos mais sombrios da sua história recente e identificar-se com ele provavelmente marcaria o partido ou a liderança política de forma irremediavelmente negativa. Nem a Frente Liberal - dissidência do PDS que apoiou a candidatura de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral, da qual faziam parte políticos como Marco Maciel, Antônio Carlos Magalhães e Jorge Bornhausen, por exemplo - não se dizia explicitamente de direita. Portanto, como havia um vínculo forte entre a ditadura militar e direita, é fácil entender os motivos dos partidos políticos e lideranças, no início dos anos 80, não quererem ser identificados como "de direita".

No entanto, é certo que esta identificação entre a direita e a ditadura não é suficiente para explicar o fato de que até hoje nunca nenhum candidato se assumiu ou assumiu defender um programa "de direita".

Então porque, passados mais de 30 anos do fim da ditadura, nenhum partido, corrente de opinião ou liderança política de peso nacional ainda não se assume como tal? Nem mesmo um relativo "estou à direita" ninguém ousa dizer.

Este fato fica, aparentemente, ainda mais confuso, quando se olha para a conjuntura política do mundo, nestes últimos 30 anos. O fim da ditadura no Brasil coincidiu com o período em que a esquerda mundial começava a entrar na defensiva teórica e política. Havia caído o muro de Berlim. A social-democracia européia e seu "estado do bem-estar-social" começavam a sofrer suas primeiras derrotas. Margareth Thatcher, sob os olhares entusiasmados de George Bush (pai), começava implantar o neoliberalismo, com desmonte do Estado através de uma política de privatização jamais vista. O devaneio de Francis Fukuyama, funcionário do Departamento de Estado americano, de que a história havia chegado a seu final era comemorado nos salões da direita conservadora mundo afora e foi imediatamente elevado à categoria de descoberta filosófica por um conjunto de instituições como o Banco Mundial, FMI, entre outros. Hoje, sabe-se que a tese do fim da história é uma tolice teórica e que seu único objetivo foi justificar a implantação de uma política econômica selvagem e concentradora, fundamentando a primazia do mercado sobre o homem. Um produto para aquele momento, segundo Perry Anderson (O fim da História - De Hegel a Fukuyama).

Por isso, o fato de ninguém ousar se assumir como de direita no Brasil, mesmo levando-se em conta o vínculo com a ditadura, pode parecer uma contradição do ponto de vista da disputa hegemônica e ideológica.

Entretanto, pode-se também responsabilizar as características da nossa transição da ditadura para a democracia como um elemento importante desse acanhamento das forças de direita no Brasil. Existem estudos e várias teses sobre as peculiaridades do nosso período de redemocratização e do destacado papel que os movimentos sociais tiveram no nosso desenho institucional pós-ditadura. Tenho afirmado que, no Brasil, o neoliberaslimo enfrentou um movimento social organizado que foi uma verdadeira barreira às intenções de precarização do trabalho. Mesmo a política de privatização não conseguiu avançar como o mercado desejava.

Penso, e por isso fiz esta rápida introdução, que a ausência de candidatos assumidamente direitistas nas eleições presidenciais e o fato de, três décadas depois do fim da ditadura, nenhuma corrente política, com peso nacional, se assumir como de direita, são questões que devem nos levar a uma indagação prévia, porém mais importante e decisiva. Afinal, o que é ser de direita hoje? Ou, para deixar a pergunta ainda mais simples: o que distingue, hoje, a direita da esquerda?

Além do debate sobre este tema ser, por si só, sempre instigante, o fato do PT ser governo há seis anos, dá a ele outra dimensão e redefine o nosso papel. Ao enfrentar a tarefa de implantar um programa para mudar o Brasil, o PT adquiriu uma qualidade de protagonista. Isto é, se antes o PT era uma referência importante para o pensamento de esquerda no mundo, hoje, após seis anos de um governo bem sucedido, ele pode se transformar num pólo aglutinador e, ao mesmo tempo, irradiador de um projeto político de esquerda para o mundo. Portanto, a intenção de debater o que distingue a esquerda da direita está, também, (e quero deixar isto claro) vinculada à certeza de que o nosso governo está implantando no país um programa essencialmente de esquerda.

Por outro lado, a proximidade das eleições municipais e suas repercussões nas eleições de 2010 e na sucessão de Lula tornam ainda mais importante este debate.Em 2006, explicitaram-se dois projetos para o país, principalmente no segundo turno. Entretanto, o verdadeiro debate ficou subjacente, pois Alckmin, em nenhum momento, fez a defesa explícita de seu programa, de forte viés neoliberal. Na tentativa de se afastar do governo FHC ou de não se identificar com sua política de privatização, ele chegou a pousar para fotos com a roupa cheia de adesivos com a logomarca de estatais.

No entanto, poderemos ver, em 2010, novamente a eleição se transformar num palco onde a verdade sobre alguns projetos políticos fique oculta. Pois, em função do sucesso do governo Lula e o forte enraizamento social dos nossos programas (fato comprovado pela pesquisa CNI/IBOPE divulgada em 27 de março, registrando índices de aprovação superiores aos do início do governo), poderemos vir a presenciar um falso consenso sobre a necessidade de continuidade, pelo menos, das bases destes programas. Isto é, a dissimulação política poderá se tornar o comportamento padrão dos nossos adversários.

Na verdade, isso já está acontecendo. Fernando Gabeira, candidato a prefeito do Rio de Janeiro, com apoio do PSDB e do PPS e ferrenho opositor de Lula, promete agora "cooperação total" com o governo que passou a ser "federal". Além disso, afirma que no seu caso a "polarização esquerda e direita está superada". Como bem diagnosticou Maurício Dias, da Revista Carta Capital, "Fernando Gabeira proclamou que esquerda e direita são categorias ultrapassadas. Esse é o último refúgio de quem mudou de lado." (Carta Capital - N.487)

Observação:
Este é o primeiro dos quatro artigos da série "Direita x Esquerda", que o deputado José Genoino publicará semanalmente em seu site.

Próximos artigos
Direita x Esquerda II: A atualidade do debate direita x esquerda no Brasil
Direita x Esquerda III: Direita x Esquerda no mundo
Direita x Esquerda IV: A esquerda e o governo Lula

01 de Abril de 2008

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