Opinião

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Reforma Política já! - Chico Macena

DEFENDER A REFORMA POLÍTICA JÁ.

LISTA FECHADA E FINANCIAMENTO PÚBLICO DE CAMPANHA

Chico Macena

O objetivo deste texto é contribuir para o debate dentro da nossa base sobre a importância de desencadearmos uma ampla campanha pela reforma política. A maneira como estas questões foram abordadas partiu dos comentários que tenho ouvido nas reuniões dos diretórios zonais e na base do mandato. Este texto não tem a pretensão de apresentar um estudo aprofundado sobre o tema, mas o de trabalhar os argumentos que são apresentados contrários e fazer a defesa da lista fechada, do financiamento público de campanha e do fim das coligações proporcionais.

No Congresso Nacional do PT teve como resolução a defesa de uma Constituinte Exclusiva para fazer a Reforma Política.  A resolução aponta ainda os temas a serem aprofundados na reforma.
“É preciso debater e aprovar medidas sobre temas como: a convocação de plebiscitos em temas de impacto nacional, a simplificação das formalidades para proposição de iniciativas populares legislativas; orçamento participativo, a correção das distorções do pacto federativo na representação parlamentar; revisão do papel do senado, considerando o tempo de mandato, a eleição de suplentes e seu caráter de câmara revisora; fidelidade partidária, o financiamento público exclusivo de campanhas eleitorais, o voto em lista pré-ordenada, o fim das coligações proporcionais; o fim da reeleição para todos os cargos majoritários a partir das próximas eleições; e a proibição do exercício de mais de três mandatos consecutivos no mesmo cargo”.

Muitos destes temas são consensuais dentro do PT, mas alguns ainda geram dúvidas ou divergências dentro da militância.  Apesar de serem aprovados majoritariamente dentro do Congresso, devemos debater intensamente estas propostas a fim de buscar a maior unidade possível dentro do partido e permitir que se desenvolva no próximo processo eleitoral uma campanha na sociedade pelas reformas.


LISTA ABERTA X LISTA FECHADA

No sistema de representação proporcional é fundamental definir a forma como os partidos políticos apresentarão os seus candidatos à sociedade.   O modelo adotado hoje é o da lista aberta onde o partido apresenta uma lista de candidatos e o eleitor vota em um dos nomes e as vagas são ocupadas por aqueles mais votados individualmente.  Outra possibilidade do eleitor no Brasil é votar na legenda (no partido), mas que ajuda a definir apenas o número de cadeiras que o partido alcançará.  Ainda temos a possibilidade das coligações partidárias nas eleições proporcionais, onde na prática existe uma espécie de “fusão” dos partidos coligados e uma lista única para a disputa eleitoral.

Esse modelo traz algumas distorções na compreensão do caráter da disputa e no processo eleitoral.  O Primeiro dele está relacionado à fidelidade partidária e a antiga discussão: a quem pertence o mandato?  Já ouvi e li formulações dentro do PT que o mandato pertence ao candidato eleito, pois foi ele que conquistou a confiança do eleitor, outras que afirmam que o mandato é do partido, pois poucos candidatos conseguem sozinhos os coeficientes eleitorais, ou seja, dependeram dos votos da chapa e da legenda, e ainda aqueles que afirmam que o mandato pertence ao partido, mas que o candidato tem autonomia, pois ele como candidato é que tem que responder para a sociedade.  Parece-me que todas estas afirmações carecem de um debate mais político, apesar de algumas delas terem um pouco de verdade.

As interpretações que individualizam o mandato o fazem por acharem que a sua eleição é resultado do esforço individual, ou seja, foi o candidato que foi a luta conquistar os votos para ser eleito. Essa é uma das verdades do modelo atual que causam outras distorções do processo eleitoral como uma acirrada disputa entre os candidatos de um mesmo partido para se obter as primeiras vagas na chapa. Dentro do PT essa disputa esta cada vez mais despolitizada e fratricida com uma corrida a busca de cabos eleitorais (usei este termo porque se assemelha mais a forma tradicional que o PT sempre criticou e não a adesão de militantes a um projeto), pois o modelo estimula os candidatos a competirem entre si.   Um segundo ponto é que para buscar os votos, os candidatos procuram estabelecer programas próprios, pois têm incentivos para pedir votos para si e poucos incentivos para pedir votos para uma proposta partidária, fazendo inclusive que alguns candidatos façam críticas públicas a determinadas decisões partidárias para se aproximar ou reduzir o desgaste na “sua base eleitoral”. Esta despolitização já faz parte da cultura de parte do eleitorado quando afirmam: “eu voto em pessoas e não em partidos”.   Além desta confusão política a lista aberta ainda favorece algumas práticas de conquistas do voto que reforçam as práticas historicamente criticadas pelo PT de fisiologismo e clientelismo (seja de esquerda ou de direita) e influencia também o modelo de mandato a ser adotado depois de eleito.  É comum encontrarmos parlamentares que no dia seguinte de ter sido eleito afirma que já está preparando e trabalhando a reeleição. Não quero simplificar, mas parece que eleição e reeleição são um fim em si mesmo.   Isto além de personificar a campanha enfraquece ainda mais os partidos políticos.  Mesmo dentro do PT não conseguiremos atacar estes problemas apenas com mecanismos internos de controle, precisamos mudar a estrutura da representação partidária e do caráter do voto do eleitor. Acredito que a única medida que poderá corrigir parte destas distorções é a lista fechada: O partido apresenta uma lista para a sociedade numa ordem pré-estabelecida, e dependendo do número de cadeiras que o partido tem direito os primeiros é que a ocupam.  A adoção da lista fechada fortalece os projetos coletivos e os partidos políticos e é a única forma de estabelecer o financiamento público de campanha.

A grande crítica que ouvimos dentro do PT ao modelo de lista fechada se dá ao “perigo da estrutura partidária, a burocracia partidária seria reforçada e ela é quem determinaria a ordem da lista, impedindo que houvesse um processo mais democrático e o acesso de militantes, inclusive os de base do direito da experiência parlamentar”.   A luz da realidade do partido hoje este é um falso debate. É verdade que o risco de reforçar ainda mais burocracia partidária existe, mas é falso achar que o modelo atual favorece uma maior democracia interna. Hoje qualquer militante que tiver interesse (legítimo), pessoal ou do coletivo consegue sair candidato?  É mentira que hoje os detentores de posições na máquina partidária têm melhores condições de disputar uma eleição?  O peso da máquina partidária não tem sido determinante em muitos processos eleitorais?  A maioria dos parlamentares hoje eleitos não tem relação direta ou vieram da burocracia partidária ou sindical?  Tirando uma ou outra “personalidade” ou representante de movimento social (cada vez menos) todos os parlamentares eleitos direta ou indiretamente fazem parte da burocracia partidária.  Esta é outra discussão que devemos travar internamente no PT, debate este inclusive antigo nos partidos de esquerda e social-democratas.  Abendroth no livro “A história Social do Movimento Trabalhista Europeu” (1977) já alertava para o problema:

“Havia criado um quadro de parlamentares, de burocrata trabalhista e de funcionários administrativos, que se assentavam nas organizações sindicais, nas cooperativas, nas secretarias do partido, nas relações com os órgãos de imprensa do partido, e como deputados nos parlamentos. Essa gente já não mais vivia para o movimento trabalhista, mas do movimento trabalhista”.

Guardada as devidas proporções, este é um risco que atinge o Partido dos Trabalhadores e que precisamos debater. Mas este é o tema que estão chamando de “Uma Reforma Interna do PT”.
Portanto é falso que a lista fechada é que levaria a uma situação de favorecimento da burocracia partidária. Outro grande risco é o de transferirmos as práticas de disputa do voto no eleitorado para a disputa de votos dos filiados. Risco, aliás, que já estamos incorrendo no modelo atual. O que precisamos são mecanismos democráticos de composição da lista, como proporcionalidade das diversas forças políticas na lista, restrição do número de mandatos, como o que foi aprovado no Congresso de três, mecanismos de aperfeiçoamento da democracia interna que pretendo retomar mais à frente.  Outra crítica sempre presente na sociedade é que a lista distanciaria o eleitor do eleito e o último não teria que prestar contas de seu mandato, o que nos parece também um problema que não é causado pelo modelo, pois, hoje 78% da população não sabe em quem votou na última eleição, muito menos o que o seu candidato esta fazendo.

O que não podemos é perder a oportunidade de fortalecimento do vínculo dos eleitores com o partido, fortalecimento do debate de projetos partidários e mecanismos mais democráticos (pois permitirá o acesso de mais militantes) de escolher os parlamentares.   
Precisamos fazer este debate dentro do PT para rapidamente envolvermos a sociedade, o PT já perdeu uma grande oportunidade quando na votação da lista no congresso devido, principalmente, a uma divisão na bancada do PT, que possibilitou manobras no congresso impedindo a sua aprovação.


O Voto Distrital

Ultimamente vem aumentando o número de pessoas que levantam a possibilidade de defender o voto distrital, o voto distrital misto, sobretudo no PSDB. Alguns companheiros do PT também defendem esta tese, o que acaba por aumentar a confusão no interior do partido e da militância.  Encontro muitas vezes alguns companheiros de Diretórios Zonais ou de Diretórios Municipais que vêem na possibilidade do voto distrital a valorização do seu diretório, da sua atuação política, da política e dos interesses desenvolvidos no seu território.  Ao contrário desta avaliação imputo justamente a esta possibilidade o maior perigo do voto distrital: transformar apenas o território e seus temas a base do debate e das opções políticas.  Isto reforçaria uma visão paroquiana, aliás, muito presente no atual modelo. Nossa experiência nas eleições para as câmaras municipais, onde muitas vezes se dá pela prática da distritalização do voto, é um enumerado de vícios, de distorções e despolitização em busca da afetividade do eleitor.  Hoje na Câmara Municipal de São Paulo, dos 55 vereadores eleitos, se tivermos pelo menos dez que foram eleitos com votos distribuídos por toda a cidade é muito. A grande maioria tem uma concentração de votos numa determinada região e este fato tem pautado o mandato destes vereadores, definindo os temas que colocam em pauta na câmara, as emendas parlamentares, a profissionalização da militância ou dos cabos-eleitorais, e o tempo dedicado no exercício parlamentar. Não preciso aqui mencionar os mecanismos de fisiologismo e clientelismo que ainda prevalecem para conquistar o voto. Na cidade de São Paulo ainda se distribui dentaduras, cadeira de rodas, e outras coisas mais.  No voto distrital este mecanismo estará mais presente e contaminará ainda mais o futuro mandato, permitindo inclusive uma cooptação muito mais fácil por parte dos governos para obter maioria parlamentar.  Muitos podem achar que estes argumentos rebaixam o debate, mas devemos fazer a discussão do modelo à luz da experiência brasileira, dos nossos valores culturais e do grau de esclarecimento e envolvimento da população. As experiências dos paises europeus são importantes, mas temos diferenças grandes como, por exemplo, o voto obrigatório do voto facultativo de alguns países, o grau de informação, a participação mais independente da mídia e os métodos de desenvolver a campanha eleitoral.

Ao mesmo tempo em que reforça esses vícios, o voto distrital enfraquece o debate ideológico, os temas mais gerais, as minorias e o vínculo dos eleitores com os partidos políticos. Teremos dezenas, centenas de eleições do tipo majoritárias para escolher os parlamentares. Uma outra questão importante é que sempre é apontada na experiência do voto distrital ou distrital misto na Europa é que ele provoca distorções na representação partidária. Vou aqui recorrer à experiência (sempre citada no debate deste tema) da Inglaterra onde os Trabalhistas tiveram 35,3% dos votos e conquistaram 62% do parlamento (356 lugares) e os conservadores tiveram 32% dos votos e obtiveram 34% do parlamento (198 lugares).  Esta é uma distorção muito grande, um partido que obtenha 49% dos votos em todos os distritos e, portanto 49% dos votos na eleição pode ficar sem nenhum representante.  O voto distrital misto pode diminuir um pouco esta distorção, mas nada significativo, pois devido às dimensões regionais do país um número sempre maior de parlamentares será eleito pelo distrito.

O FINANCIAMENTO PÚBLICO DE CAMPANHA.

Na Tese da CNB – Construindo um novo Brasil, foi apresentada de forma bem clara a nossa posição com relação do financiamento público das campanhas e o porque defendemos:
“O financiamento da política não deve contribuir para a privatização do Estado, mas para a preservação de seu caráter público, razão pela qual o financiamento público exclusivo de campanhas, combinado com o voto em listas pré-ordenadas que contemplem a representação de gênero, raça e etnia, deve ser urgentemente implantado no Brasil. A existência de instituições republicanas fortes é a principal garantia de que os interesses privados não subjuguem os interesses públicos”.
Entendemos que para isso, porém, o PT deve abrir um grande debate com sua militância sobre a Reforma Política, fazendo dessa uma oportunidade de formação política e esclarecimento sobre as peculiaridades de cada proposta, considerando que a reforma política que defendemos deverá significar a ampliação da democracia no PT e no Brasil.

Essa é ao meu ver a principal resposta que devemos dar as crises que o PT e o Congresso Nacional passou no último período.  Ao instituir o financiamento público devemos não só proibir como estabelecer leis rígidas contra o financiamento privado.
A defesa do financiamento público de campanha tem como objetivo acabar com a prática de caixa dois utilizadas em algumas campanhas, mas também criar mecanismos de segurança para que os partidos políticos fiquem reféns de grupos de interesses a partir do poder econômico dos mesmos.  Outro aspecto importante é que o financiamento público democratiza as campanhas, onde hoje somente aqueles que conseguem arregimentar um maior apoio econômico é que tem mais viabilidade eleitoral. Isto tem acontecido inclusive no PT. Hoje está cada vez mais difícil um companheiro do movimento popular, da militância sair candidato. Pode ter o perfil adequado, e ser uma pessoa comprometida e capacitada, mas se não tiver capacidade individual de angariar recursos é quase impossível a sua eleição.
À direita e a elite conservadora são as maiores críticas do financiamento público alegando que seria um custo muito alto para o estado financiar as campanhas dos partidos políticos.  Na verdade se escondem atrás deste argumento para manter a influência econômica que detêm hoje no processo eleitoral, pois o custo social do financiamento privado é muito maior do que uma possível economia no gasto público, onde grupos de interesse cobram, depois, com forte ágio, o que pagaram. Temos inúmeros exemplos no Congresso Nacional, como as “bancadas da bala”, “bancada ruralista” e outros grupos de interesse.  Outro aspecto importante é o fato de ser muito mais fácil fiscalizar o emprego dos recursos no financiamento público e as chamadas “sobras de campanha”, que muitas vezes é utilizada para enriquecimento pessoal. Perder essa possibilidade de arrecadar de empresas privadas e/ou justificar os recursos que acabam obtendo do financiamento privado é o fator de maior resistência destes setores.  E justamente para garantirem os seus interesses é que despolitizam esta questão com a simplificação da crítica justificada “nos custos para o Estado”.

PROIBIÇÃO DA COLIGAÇÃO PROPORCIONAL

A Possibilidade da coligação proporcional é mais uma das distorções do sistema eleitoral brasileiro, que contribui para enfraquecer os partidos políticos, criar injustiças na representação das legendas e proporcionam alianças entre partidos baseadas mais na perspectiva de conquista de uma cadeira do que programática.
Este tem sido, aliás, um debate antigo dentro do PT, que nunca produz resultados mais concretos devido à forma rebaixada com que é feito, e pelo fato de sempre acontecer próximo aos períodos eleitorais, onde os interesses e a possibilidade de conquistar uma prefeitura, ou o governo do estado enterra qualquer possibilidade de discussão. Isto porque os partidos para coligarem com o majoritário colocam como uma moeda de troca a coligação no proporcional.
Sempre que este debate aparece no interior do PT os defensores da coligação (alguns somente em casos específicos) tentam impedir o debate afirmando ser uma reclamação apenas daqueles (candidatos do partido) que perderam as eleições.  Os que criticam sempre lembram de fato que o partido poderia ter elegido mais um, dois ou três parlamentares se tivesse saído com chapa pura.

Em alguns municípios, sobretudo os pequenos a coligação no proporcional é a estratégia mais usada para se conseguir o coeficiente eleitoral.
No geral, a possibilidade de coligações no proporcional cria distorções na representação dos partidos políticos. Temos como exemplo o caso da Câmara Municipal de São Paulo, onde na votação para vereadores o PT (voto de legenda) mais os votos dos candidatos do partido teria direito a 16 cadeiras, sendo que elegeu 13 parlamentares. O PTB que coligou com o PT somando os votos (legenda mais candidatos) teria 4 cadeiras e elegeu 7
Vereadores.  Verificamos que, de fato há uma distorção na representação. Mas, o mais grave é que estes parlamentares eleitos com os votos do PT não compõem um projeto de oposição conosco. Muitas vezes é o contrário: fazem parte da base de sustentação do governo, seja programática ou como costumam dizer “pontual”. Tivemos situações bizarras na Câmara onde um determinado vereador eleito na nossa chapa declarou publicamente não ter votado na nossa candidata à prefeitura.

Quando a coligação vira instrumento dos partidos menores de aumentarem de forma artificial sua representação, tal fato enfraquece os partidos políticos, distorcem a representação e não cria valores programáticos.


Estes pontos são o mínimo de uma pauta a ser discutida na reforma política.
 
Temos questões importantes como o nosso modelo bicameral (Câmara /de deputados e Senado), as distorções da representação regional (São Paulo com 28 milhões de eleitores tem o mesmo peso que Roraima com 233 mil eleitores no caso do Senado) e não é proporcional no caso da Câmara de Deputados.  Tempo do mandato do senador e o caráter do senado são outros temas importantes, mas acredito que estes temas têm mais dificuldade de prosperar no Congresso Nacional.

Não podemos nos omitir de oferecer o mínimo para debate na sociedade e propostas que respondam as crises que passamos ultimamente, sob pena de reforçarmos o descrédito (existente e trabalhado diariamente pela mídia) nos partidos políticos e na política.
Agora este debate só vai avançar e conquistar resultados concretos através de uma ampla campanha pública. Mas para isso é preciso primeiro haver este consenso ou uma posição amplamente majoritária dentro do PT.

02 de Abril de 2008

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