Opinião

Versão para impressão  | Indicar para amigo

SÉRIE: DIREITA X ESQUERDA

Direita x Esquerda no mundo

A vitória da direita na Itália torna ainda mais atual o debate sobre a concepção de mundo e de humanidade que separa a esquerda da direita. O resultado da eleição italiana e o que esteve em jogo nela colocam em xeque o equívoco, do qual temos tratado nestes artigos, daqueles que entendem essa polaridade como coisa do passado e que hoje ela é, ou está se tornando, inútil.

Jarbas Passarinho, em artigo publicado dia 15 de abril no Correio Brasiliense, expressa bem esta ilusão. No mesmo dia em que Berlusconi comemorava sua vitória, ele escrevia: "Se antes diferenciadas hermeticamente, (esquerda e direita) vêm se aproximando. Não se combinam, mas seus regimes políticos admitem recíprocas concessões, mais que de estofo emocional. Países adeptos da economia de mercado vieram a ter ministério de planejamento, próprio da economia de comando marxista. As medidas que Marx e Engels propuseram no Manifesto de 1848 existem, hoje, em grande parte dos regimes capitalistas: Imposto de Renda progressivo, educação gratuita, taxação de herança, estatização de empresas e crédito nas mãos do Estado."

No entanto, o antagonismo entre esquerda e direita não se explicita mais tendo como palco principal a economia política. Como já afirmamos no primeiro artigo, em nossa opinião, a linha que separa a direita da esquerda é ainda muito espessa e está relacionada ao entendimento que cada um de nós tem sobre o lugar da igualdade enquanto valor na conquista e na garantia de direitos, na disputa global dos projetos políticos e, até mesmo, na dimensão utópica.

É dessa concepção que vem nossa certeza que vivemos num mundo marcado por uma intensa polarização cultural, ideológica e política, cujo pano de fundo são as identidades diametralmente opostas da direita e da esquerda. O fim da Guerra Fria e mesmo o visível esgotamento da idéia de um mundo unipolar não eliminam essas diferenças. Elas não estão superadas, nem deixaram de existir. Muito pelo contrário! Neste início de século, assistimos ao declínio do neoliberalismo como força global hegemônica. O mundo busca um novo rumo e um novo padrão de relações entre os países os humanos. É neste contexto que a proposta de esquerda está se recolocando como possibilidade real em várias partes do mundo.

Os dilemas são novos e gigantescos, mas não partimos do zero. Apesar das derrotas, dos erros e das decepções, a agenda da esquerda é absolutamente contemporânea. Mesmo que, em alguns casos, o resultado tenha sido o autoritarismo, a esquerda sempre buscou o ideal igualitário. A Comuna de Paris, o anarquismo, o socialismo utópico, o comunismo, a social-democracia... todos foram movimentos que lutaram por igualdade. Como diz Bobbio: "Até mesmo a política de nacionalizações, que por um longo período de tempo caracterizou a política econômica dos partidos socialistas, foi conduzida em nome do ideal igualitário, não no sentido positivo de aumentar a igualdade, mas no sentido negativo de diminuir uma fonte de desigualdade."

O fio que conduz esse renascimento do pensamento de esquerda é a percepção de que a luta por uma sociedade justa é inseparável da luta por igualdade de condições básicas de existência e desfrute dos bens materiais. Para nós, a sociedade justa não se reduz aos aspectos econômicos e de bem-estar, mas agrega também outros valores, como as liberdades políticas e individuais e aqueles relacionados às novas demandas do nosso tempo como o meio ambiente, fontes alternativas de energia, demanda crescente por alimentos, conquistas relacionadas a diversidade cultural, étnica, sexual, a questão dos imigrantes, etc.

Foi na esteira dos erros e das tragédias patrocinados pelo ideal de uma sociedade de homens iguais que a direita construiu a falsa dicotomia entre igualdade e liberdade. No artigo citado, Jarbas Passarinho proclama que "(Esquerda e Direta) são termos antitéticos que dividem as ideologias, no contraste entre as paixões, uma pela igualdade e a outra pela liberdade."

Entretanto, novamente ele se equivoca! Essa simetria é irreal porque igualdade e liberdade são dimensões distintas da existência humana. A primeira sempre será uma relação social e a segunda sempre será a afirmação de um status. Se é igual a alguém. Se é livre, ou não.

Mas, mesmo que, para efeito da disputa política, desconsideremos essa inconsistência, podemos dizer que se a esquerda tem uma trajetória de luta pela igualdade, a direita atua para defender interesses e valores que nada têm de libertários. Pois, para a direita, a liberdade se afirma na vitória do indivíduo sobre o Estado e não como um direito. A propriedade privada é a garantia do indivíduo "livre" e o mercado é a arena para o exercício dessa "liberdade". Em seu nome, Bush justifica sua política truculenta e belicista. E é essa concepção que, hoje, elege Sarkozy e Berlusconi.

Mas a esquerda aprendeu com seus próprios erros e sabe que na disputa política e ideológica atual não basta a propaganda dos valores revolucionários e que a ruptura não é garantia para um mundo mais justo. Hoje, com a fantástica revolução tecnológica e científica que vivemos, com redes virtuais globais congregando todo tipo de interesse e com disparidades sociais gigantescas, não é mais possível pensarmos numa transformação social que não seja processual. É no conteúdo das ações programáticas e os valores que se definem e se preservam o caráter e o alcance da mudança e não na forma da sua conquista.

Esse caminho processualista não dilui a disputa ideológica nem reduz a política a uma técnica. Esvaziar a disputa política de seu sentido estratégico e transformá-la numa engenharia mercadológica é render-se à visão neoliberal. É a gestão se sobrepondo à política. Por outro lado, aqueles que concebem o processo como o fim em si mesmo e a forma da mudança como um imperativo para sua radicalidade acabam perdendo o conteúdo e o sentido da disputa. As posições da ultra-esquerda no Brasil e o voto nulo dos zapatistas - que resultou na vitória da direita mexicana em 2006 – são exemplos dessa rebeldia desprovida de conteúdo.

Por isso, não podemos perder de vista que ao lutarmos por um mundo melhor e mais justo, temos de ter um lado. Dados da ONU de 2005 revelam um mundo injusto, com muita exclusão e privilégios: 20% dos mais ricos no mundo são responsáveis por 86% do consumo global; os 20% mais pobres, por apenas 1%. Uma parcela de 80% do PIB mundial pertence a 1 bilhão de pessoas vivendo no mundo desenvolvido. Os restantes 20% são repartidos por 5 bilhões no mundo emergente.

Por isso, Bobbio mais uma vez tem razão: "Diante dessa realidade, a distinção entre direita e esquerda, para a qual o ideal da igualdade sempre foi a estrela polar a ser contemplada e seguida, é claríssima. Basta deslocar os olhos da questão social interna dos estados singulares, da qual nasceu a esquerda no século passado (XIX), para a questão social internacional para se dar conta de que a esquerda não só não completou seu caminho como mal o começou."

Próximo artigo
Direita x Esquerda IV: A esquerda e o governo Lula

Artigos anteriores
Direita x Esquerda I: Direita e Esquerda, hoje
Direita x Esquerda II: A atualidade do debate direita x esquerda no Brasil

05 de Maio de 2008

Busca no site:
Receba nossos informativos.
Preencha os dados abaixo:
Nome:
E-mail: