Opinião

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ARTIGO

No país da grampolândia, invasão de privacidade vira jornalismo

O Custe o Que Custar (CQC) faz humor ou invasão de privacidade? É este o espaço da sátira política inteligente no século 21: enganar os "trouxas" dos políticos com uma equipe que grava com câmera escondida e diz ser o que não é?

Podem me chamar de careta, mas, para mim, o que o CQC faz é reprovável. Não quero nem saber se a vítima é o deputado federal Sandro Mabel (PR), aqui de Goiás, o José Genoino (PT), lá de São Paulo, ou o Hidelbrando Motosserra, do Acre. Não interessa. A bisbilhotice feita pela equipe comandada por Marcelo Tas não é educativa, tampouco elucida o que quer que seja sobre a "alma" dos políticos. Qualquer cidadão, pobre ou rico, fica intimidado em frente às câmeras e aceitaria sim, de bom grado, sugestões para melhorar seu desempenho.

Ah, mas Tas e seus companheiros podem dizer que os políticos, coitados, aceitaram sugestões ridículas. Sim, ao que parece, fizeram mesmo papel de bestas, mas se assim agiram, demonstram uma ingenuidade comum ao mais reles dos mortais. Portanto, onde está o furo, a genialidade do programa? Se a idéia é fazer humor com a desgraça alheia, as videocassetadas do Faustão não têm concorrência.

Mas, do ponto de vista ético, o que me preocupa é que a "pegadinha" do CQC estimula uma das mais odiosas formas de controle social, a espionagem, a bisbilhotice ou o "Estado Policial" do qual tanto reclamam membros do Congresso Nacional e da Suprema Corte.

O episódio do grampo feito por supostos agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) é fato grave e deve ser elucidado até as últimas conseqüências. Cumpre dizer que o veículo que fez a denúncia, a revista Veja, já denunciou outros grampos contra membros do Supremo, que se mostram depois falsos. Também não custa lembrar a coincidência do grampo favorecer a imagem do banqueiro-espião Daniel Dantas. Justo ele que contratou arapongas da Kroll para bisbilhotar ministros do governo Lula.

"A hipótese do grampo a serviço de Dantas é do general Jorge Armando Félix, ministro do Gabinete Institucional, que comentou com o presidente que dois agentes teriam sido contratados pelo banqueiro Daniel Dantas para fazer e divulgar o grampo".

A "grampolândia" está solta em Brasília, e de resto em todo o País. Vale repetir as palavras do diretor-geral da Abin, Paulo Lacerda:

- O que foi dito ali exige investigação séria, científica. Não podemos nos contentar com uma publicação jornalística, com direito constitucional a sigilo de fonte, para responsabilizar quem quer que seja, apesar de as acusações publicadas serem muito sérias -, disse em comentário a um amigo publicado pela Folha de terça-feira, 3/9.

Estimular bisbilhotices, exposições viscerais de intimidade, entrevistas degradantes e, principalmente, pichar a política e os políticos como "coisa que não presta" é, a meu ver, o receituário para desacreditar a democracia e preparar o caminho para um regime totalitário. Não há saída senão na política e na democracia, e para que este processo seja amplo, é preciso que todas as instituições sejam fortes: Executivo, Legislativo, Judiciário, e, é claro, o "quarto poder", a imprensa.

Jornalismo investigativo é uma coisa. Jornalismo laudatário, outra. Que há de investigativo num veículo que publica grampos e investigações vazadas por setores do Ministério Público, da Polícia Federal ou do Judiciário? Que novo jornalismo é este que não respeita o direito à imagem e à privacidade? Vale tudo? Então não vale nada.

Marcus Vinícius é jornalista, graduado em Economia (UCG), com formação em História (UFG). Foi editor
de Política do jornal Diário da Manhã


Fonte: Diário da Manhã - Goias - 03 setembro 2008

03 de Setembro de 2008

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