Opinião

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Idéias para um país melhor

Por uma esquerda republicana

O II Congresso do PT está suscitando novamente debate público sobre o socialismo. Na tese que apresentamos para o Congresso partidário, decidimos não fazer referência ao socialismo por entendermos que este conceito designa uma realidade identificada historicamente com o comunismo soviético e do Leste Europeu. Trata-se de uma herança negativa, fracassada, assimilada à supressão da liberdade política e econômica, à ditadura de partido único e de líderes autocráticos, que violaram os direitos humanos. Teoricamente, o conceito expressa um conjunto de significações sintetizadas nas idéias da inelutabilidade da revolução operária e no determinismo econômico da história, que tem seu desfecho necessário no comunismo. Ou seja, trata-se de uma dogmática que não consegue explicar a história do nosso tempo. O que resgatamos do socialismo são valores, como a solidariedade, a igualdade, a justiça e a opção de fazer política em defesa dos setores explorados e oprimidos.

Ao não defendermos o socialismo, não significa que passamos a aderir ao capitalismo como modelo econômico. Propomos uma esquerda que resgate as tradições históricas das lutas democráticas e republicanas que, na sua essência, são lutas por liberdade, por igualdade, por justiça, por cidadania e por direitos. Democracia, desde suas origens gregas, além da liberdade política e do pluralismo, significa também uma sociedade de equilíbrio, social e economicamente eqüitativa, com direitos iguais perante a lei. República, nas melhores tradições desta noção, significa a supremacia do interesse público, do bem comum, sobre interesses particulares. Ambas as noções, no entanto, incorporam a liberdade econômica – o socialismo o demonstrou – expressa uma economia estatizada. E como o estado é um aparato onde alguém governa e domina, uma economia estatizada torna-se instrumento de ditadura e de privilégios.

Liberdade econômica, da mesma forma que liberdade política, significa sociedade de conflito. O conflito social deve ser mediado e solucionado pacificamente por aqueles instrumentos retificadores do Estado democrático e republicano aptos a produzir equilíbrio, eqüidade e justiça. O que ocorre no nosso tempo é que o poder do capital se sobrepôs aos instrumentos democráticos e republicanos, em parte porque o capital se concentrou exorbitantemente e, em parte, porque a democracia e república foram falsificadas e reduzidas aos seus aspectos formais. A luta da esquerda, hoje, consiste em restaurar o conteúdo e a funcionalidade efetivas da democracia republicana.

A afirmação e garantia de direitos concretos das pessoas e grupos sociais é caminho que deve ser trilhado na busca dessa sociedade justa e de bem-estar. Uma sociedade democrática e republicana deve buscar justiça como fator de equilíbrio material, equilibrando valores. O socialismo sacrificou a liberdade absolutizando a igualdade; o capitalismo sacrifica a eqüidade absolutizando a liberdade. A justiça, em sentido amplo, não pode sacrificar a liberdade em nome do bem-estar, e nem o bem-estar em nome da liberdade. Decorre daí que a liberdade econômica não pode ser suprimida pelo igualitarismo, e que o mercado não pode imolar a eqüidade e o bem-estar. Sem liberdade econômica, marcha-se para a ditadura; sem eqüidade, vive-se a barbárie.

A partir desses pressupostos, entendemos que o Congresso do PT deve aprofundar as definições de um programa para o Brasil. Programa que deve rejeitar a tradição conservadora, o modo estatal de constituição da economia, a forma autoritária de gestão política e administrativa e a Justiça e polícia instituídas para proteger os poderosos e reprimir os fracos. Foi neste leito antidemocrático e anti-republicano que o Brasil formou-se. Os instrumentos do patrimonialismo, que pontificaram no passado, continuam vigorando ainda hoje, com formas modificadas. Patrimonialismo corporificado no capitalismo estatal que institui privilégios de um lado, e exclusão social de outro; que define os ganhadores e os perdedores do jogo econômico, que fez do Brasil o país com a maior concentração de renda do mundo.

Acreditar que as reformas “liberais” de Collor e Fernando Henrique acabaram com o estatismo é um auto-engano. Elas definiram os ganhos do capital financeiro e as perdas dos trabalhadores e do setor produtivo. Definiram a desnacionalização de setores da economia, o desemprego, o financiamento e o subsídio ao capital estrangeiro com dinheiro público etc. O Ministério da Fazenda, Banco Central, a Receita Federal, o sistema tributário, a Sudene, o BNDES, o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e os incentivos e subsídios são os principais instrumentos da política patrimonialista do Estado e de manutenção do capitalismo de privilégios.

Sem nenhuma transparência, o capital financeiro hoje é fonte de especulação, não de poupança e de financiamento. O mercado de ações, por exemplo, é um obscuro negócio de poucos. Os acionistas minoritários são violentados em seus direitos, expropriados pelos grandes. O Estado, os órgãos administrativos do Governo e o Judiciário são uma grande capa protetora dos privilégios e da concentração. O programa do PT deve atacar essas condições estruturais do capitalismo brasileiro que concentram a riqueza e a terra e impedem a democratização do capital e da propriedade. Promover uma radical reforma democratizadora do capital, da propriedade e das rendas, e republicanizadora do Estado tem, no Brasil, o alcance de uma revolução.

O Estado de S.Paulo

13 de Novembro de 1999

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