Opinião

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ARTIGO

O conceito de desenvolvimento humano

O Relatório sobre Desenvolvimento Humano no Brasil, elaborado a partir de uma pesquisa conjunta do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), contém dados, análises e conclusões riquíssimas que merecem ser divulgadas. Na sua Introdução, o relatório formula o conceito de “Desenvolvimento Humano”, que pretendo abordar neste artigo. A rigor, este conceito é a chave estruturante de todo o relatório.

O conceito de Desenvolvimento Humano (DH) está implicado com as opções e oportunidades das pessoas e comporta a idéia de desenvolvimento nas suas múltiplas dimensões: “econômica, social, política, cultural e ambiental”. Três opções básicas são apresentadas como condição do desenvolvimento de todas as demais: “desfrutar uma vida longa e saudável, adquirir conhecimento e ter acesso aos recursos necessários a um padrão de vida decente”. A partir deste núcleo sintético da definição do conceito de DH, pode-se concluir que ele tem uma função operacional extremamente eficaz para dimensionar as condições sociais, econômicas e ambientais em que vivem as populações das diversas nações.

O relatório explica que o conceito de DH é mais abrangente do que o conceito de desenvolvimento econômico. Mas não há uma contraposição entre ambos. Pelo contrário, pode-se dizer que o desenvolvimento econômico está contido no DH e é uma de suas condições necessárias, mas não suficiente. Com efeito, a história recente do desenvolvimento e da industrialização do Brasil e de outros países do Terceiro Mundo tem mostrado que o crescimento econômico não é sinônimo de bem-estar e inclusão social ampla. Nestas regiões, o crescimento econômico vem acompanhado pela presença de vastas zonas de miséria e exclusão.

Os formuladores do conceito de DH têm razão em vinculá-lo ao conceito de crescimento econômico e de produtividade. O problema consiste em definir ou qualificar os modelos de crescimento e os seus objetivos. O próprio relatório procura apresentar uma saída para este problema e indica a necessidade de que os frutos do desenvolvimento sejam partilhados pela população e que derivem a garantia de direitos sociais como saúde, educação e melhoria das condições de vida. Assim, o DH aparece como “desenvolvimento para as pessoas” e a “eqüidade” surge como componente garantidora do desenvolvimento humano. A “eqüidade” é apresentada como igualdade de oportunidades. A rigor, este é um princípio liberal que acompanha todas as democracias modernas desde a fundação da primeira, com a Declaração de Independência dos Estados Unidos. Se é verdade que nas democracias mais desenvolvidas foram alcançados níveis razoáveis de eqüidade, nem por isso eles resolveram todos os problemas de exclusão social e a situação é bem mais grave nas democracias ou semidemocracias dos países em desenvolvimento.

Igualdade de oportunidade não é uma situação que se instaura a partir da institucionalização dos direitos formais. O relatório sinaliza que, principalmente em se tratando de nações com acentuadas desigualdades, é preciso uma ação positiva para garantir a condição básica de igualdade de oportunidades. Sem saúde, educação e nutrição, não há a igualdade de oportunidades. Estes bens sociais foram alcançados pelos investimentos em políticas públicas onde vigoram os Estados de bem-estar. É sabido que hoje os caminhos que levam ao bem-estar estão em disputa: de um lado, estão aqueles que acham que o Estado tem um papel relevante para que esse objetivo seja alcançado; de outro, os neoliberais que dizem que as soluções vêm das relações de mercado.

Outro aspecto importante que é associado ao conceito de DH diz respeito à preservação ambiental. Se é verdade que a pobreza é fonte de degradação do meio ambiente, como sugere o relatório, cabe lembrar que a sua destruição foi proporcionada muito mais pelas práticas de desenvolvimento predatório. É justo, portanto, que os detentores dos meios produtivos e os países mais desenvolvidos arquem com um ônus maior nas políticas de recuperação ambiental. Por outro lado, mesmo reconhecendo que o ambiente é uma questão efetivamente global, o relatório sugere uma saída essencialmente nacional para a sua resolução. Na medida em que a degradação do meio ambiente põe em risco toda a humanidade, é questionável e perigoso subordiná-la inteiramente à soberania de cada País. Sem negar as responsabilidades de cada nação, acredito que esta questão terá uma solução adequada somente no âmbito de uma política mundial que preveja, inclusive, sanções para o país que não seguir as diretrizes internacionais.

O relatório, no seu todo, representa uma alerta para os governantes e agentes políticos e sociais. Os dados, as análises e as conclusões que apresenta cobram responsabilidades de todos nós. Ele apresenta uma radiografia do Brasil com contrastes profundos. Ao mesmo tempo em que pessoas têm níveis de vida próximos aos do Primeiro Mundo, outras vivem na mais completa pobreza. Ele sinaliza esperanças pelas potencialidades e vitalidades que o País apresenta. Mas também sugere vergonha e desconforto por vivermos numa sociedade dilacerada pelas desigualdades.

O Globo, 25 de junho de 1996

25 de Junho de 1996

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