Opinião

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ARTIGO

O contribuinte paga a conta

O debate sobre a medida provisória que incentiva as fusões de bancos ficou um pouco esmaecido pela eclosão do caso Sivam.Caso contrário, certamente, seria o tema mais relevante a ser tratado pela mídia e pelo sistema político nas últimas semanas. O que ficou evidente até agora é que há uma crise no sistema financeiro do país. As raízes desta crise estão na incapacidade ou na irresponsabilidade do próprio sistema por não ter se preparado para enfrentar superveniência de mudanças no setor, provocadas pelo impacto das novas tecnologias e pela diminuição da importância do sistema bancário na prestação de serviços à sociedade. Há que se considerar que o sistema financeiro não é mais restrito aos bancos. Hoje existem poderosas instituições, como fundos de pensão etc., que atuam na área financeira.

Os bancos não se prepararam, também, para a mudança do ambiente econômico do país, radicada no fim da inflação. No período inflacionário, os bancos tinham altos lucros, como mostram todos os dados disponíveis sobre a lucratividade proporcionada pela ciranda financeira da inflação. Além das facilidades de captação, os bancos captavam a custos baixos e emprestavam a custos elevados. As facilidades do período anterior ao fim da inflação provocaram um superdimensionamento do sistema em toda a sua estrutura, tanto no número de agências como no número de instituições.

O outro pé da crise está fincado na ação do Banco Central. As autoridades desta instituição vieram a público reconhecer que o BC não fiscaliza de forma adequada, que aceita balanços de bancos totalmente maquiados pelas auditorias particulares, e assim por diante. A própria ação morosa do BC diante do conhecimento que tinha da crise de determinadas instituições é questionada. Mas é nesse ambiente de irresponsabilidades privadas e públicas que explodiu a crise bancária, que vinha sendo maturada ao longo do tempo. Os bancos públicos estaduais foram os primeiros atingidos.
A crise do sistema bancário representa mais uma vez a aplicação da tática da privatização do lucro e da socialização do prejuízo. Isto é, depois de alimentar a combustão da crise, os bancos solicitam ajuda do governo para evitar um efeito cascata que poderia atingir os correntistas e outras empresas, colocando em risco a credibilidade do sistema como um todo, o que poderia provocar uma corrida e a quebradeira geral. É claro que diante de um risco potencial como este, o governo é obrigado a agir. Mas o que está em questão, agora, é a forma de ação do governo.

O discurso do atual governo tem primado por defender uma estratégia econômica orientada para o mercado. Próceres do governo e do setor privado têm sustentado um discurso liberal apontando a necessidade de ajustes no Estado, no Banco do Brasil, na Caixa Econômica Federal e nas estatais. Mas por que não se defende com igual empenho o ajuste do setor privado? Por que a crise dos bancos não tem uma solução de mercado? E por que o governo se apressa em socorrê-los com subsídios públicos, às custas do contribuinte? O que se vê é que existem dois pesos e duas medidas: enquanto alguns setores da economia são obrigados a arcar sozinhos com os ajustes e a crise, outros recebem pronta ajuda do governo e muitas vezes por meio da barganha política, como foi o caso dos ruralistas. A sociedade está para ver se os proprietários e os executivos dos bancos quebrados pagarão alguma coisa, por intermédio da indisponibilidade de suas propriedades, pela má gestão dessas instituições – muitas delas de propriedade de oligarquias familiares. Espera-se que desta vez as autoridades apliquem algum tipo de punição aos responsáveis pela má administração dos bancos quebrados que vem causando prejuízos aos cofres públicos.

Quanto à omissão das autoridades do Banco Central, é legítimo e necessário que se acionem os mecanismos constitucionais e legais para ver se elas cometeram crime de responsabilidade. Até hoje, defende-se, corretamente, um Banco Central independente do governo. É preciso passar a defender também um BC independente dos bancos privados. Fica claro também que o Congresso Nacional deve ter um acompanhamento mais efetivo da fiscalização que o BC exerce sobre o sistema financeiro. Não há razão, por exemplo, para que o Congresso não tenha regulamentado o artigo 192 da Constituição, estabelecendo normas mais rígidas para o funcionamento do sistema financeiro, para a autorização de funcionamento de instituições financeiras, para o seguro bancário e para o próprio funcionamento do Banco Central. O governo e os bancos devem buscar a adoção de medidas que protejam milhares de bancários ameaçados de desemprego ou medidas compensatórias para aqueles que perderem o emprego nesse processo de ajuste. Não se justifica que o governo subsidie os bancos e deixe os bancários sem nenhuma proteção.

O Estado de S. Paulo, 2 de dezembro de 1995

02 de Dezembro de 1995

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