Opinião

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ARTIGO

A necessidade de uma alternativa

A percepção de que nosso país vive um momento particularmente grave e difícil atravessa o conjunto da sociedade. E ninguém tem dúvida de que o cenário que transparece no horizonte próximo é ainda mais sombrio, carregado de conseqüências imprevisíveis, mas certamente danosas para a grande maioria da população brasileira.

As esperanças por muitos depositadas no governo eleito diretamente em dezembro de 89 se esvaem de forma rápida. O Plano Collor 1 fracassou integralmente. O presidente gastou a única bala que ele disse dispor em sua arma sem ferir mortalmente o tigre da inflação. E a custo de uma brutal recessão, gerando um imenso desemprego e reduzindo sensivelmente o poder de compra dos salários.

As possibilidades de sucesso do Plano Collor 2 são praticamente nulas. Ademais do seu caráter arrochante e das inconsistências que apresenta, ao decretá-lo o governo incorreu novamente no equívoco de tentar se colocar acima da sociedade e do Congresso Nacional, violando a Constituição através da edição de medidas provisórias.

É sabido que a viabilidade de uma política econômica depende em larga medida da credibilidade do governo e de sua equipe econômica. Ao que parece, o presidente e seus ministros não aprenderam essa lição fundamental. Por insistir no caminho autoritário, o governo se desgastou, aprofundou seu isolamento, disseminou desconfianças e experimenta hoje uma verdadeira crise de credibilidade, que corrói crescentemente as chances de êxito das suas políticas.

O problema principal no momento, contudo, não são as desventuras do governo Collor. O fato de, em apenas um ano, ele estar metido numa crise de razoáveis proporções é algo que decorre de seus próprios erros, sobretudo de sua vocação elitista e antidemocrática, do seu estilo imperial, voluntarioso e auto-suficiente de governar. O preocupante é que o país se afunda cada vez mais num abismo.

Nessas circunstâncias, é evidente que os trabalhadores, os setores democráticos e populares irão reagir, defendendo a democracia, lutando por seus legítimos direitos e resistindo a uma política econômica recessiva, ineficaz no combate à inflação e que pune duramente as camadas menos favorecidas da população. No entanto, embora a mobilização social e política sejam imprescindíveis para barrar o autoritarismo e defender o emprego e o salário, sabemos que apenas isso não basta. É necessário articular a ela a formatação de propostas alternativas que possam descortinar um novo rumo.

O Congresso Nacional pode desempenhar um papel de maior relevância nesse sentido. Especialmente se recusar a via fácil e enganosa da adesão e do apoio ao governo e se empenhar efetivamente na construção de políticas alternativas. Dessa forma, ele poderá se constituir num espaço sério de negociação política e se credenciar como um interlocutor permanente e profícuo das diversas representações da sociedade civil. A premissa de uma nova e autônoma conduta do Congresso é a regulamentação e a limitação imediata do uso das medidas provisórias, sem o que ele permanecerá castrado em sua independência e incapacitado para exercer uma função ativa no enfrentamento de uma crise.

As negociações que ocorrem no Congresso Nacional envolvendo a questão salarial são um bom exemplo da importância de se buscar alternativas. Diante do ataque aos salários patrocinado pelo governo, alguns partidos de oposição empenharam seus esforços na elaboração de uma política de proteção e de elevação dos salários, que está dando a tônica nas discussões em curso.

O significado da proposta apresentada pela oposição é duplo. Em primeiro lugar, porque ela possibilita um amplo e transparente debate acerca da questão salarial. O Congresso torna-se o fórum privilegiado desse debate, aberto à participação da sociedade civil. Assim, ao invés de se definir algo vital como a política salarial pelo caminho autoritário das medidas provisórias, institui-se um procedimento pelo qual a decisão deve passar pelo crivo de todos os interessados, destacadamente dos trabalhadores e das entidades sindicais. Em segundo lugar, porque ela favorece as camadas mais necessitadas, elevando a base salarial e redistribuindo renda em benefício dos salários. A proposta estabelece o aumento do salário mínimo em março para pelo menos Cr$ 25 mil e cria uma cesta básica equivalente a dois salários mínimos ou a Cr$ 50 mil. Os reajustes de salários seriam bimestrais, referenciados na variação nominal da cesta básica. Os trabalhadores com renda de até dois salários mínimos teriam aumentos reais. Os que recebem de dois a dez salários seriam protegidos com reajustes de, no mínimo, 70% da variação nominal da cesta básica. Caso a inflação mensal chegue a 10% ou mais, um gatilho seria acionado. Somado a isso, se garantiria a estabilidade provisória e reajustes para os aposentados iguais aos dos trabalhadores ativos.

A responsabilidade dos partidos de esquerda nesse processo não é pequena. A política salarial é somente um primeiro passo. Teremos de formular alternativas em torno de outras questões essenciais. Estamos desafiados a apresentar para a sociedade uma política econômica democrática, que combine a distribuição de renda com a retomada do desenvolvimento econômico. O PT aceita o desafio.

José Genoino, Folha de S. Paulo – 22/02/1991

22 de Fevereiro de 1991

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