Opinião

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ARTIGO

Socialismo e estatização da política

A estatização da sociedade civil nos países do Leste europeu não só foi uma conseqüência necessária do projeto econômico imposto autoritariamente contra todas as classes, inclusive a classe operária, mas também foi resultado de uma visão sobre o Estado no socialismo.

A destruição da sociedade civil face à transgressão das suas fronteiras pelo Estado absoluto (sindicalismo “oficial”, associação “oficial” de escritores, associação “oficial” da juventude e das mulheres) gera a estatização da política. Como o Estado é também uma estrutura de homogeneização e síntese dos conflitos que se dão na esfera social, o momento de implementação do decidido só pode ser controlado democraticamente de fora do Estado, a partir dos interessados diretos. Se a sociedade está calada, a lógica da política no Estado é só a lógica da burocracia. Desta forma, a política se torna uma técnica de implementação das decisões estratificadas no plano e não uma mediação dos conflitos e necessidades reais da sociedade civil, que está extinta pela coerção da esfera estatal sobre o “mundo público não-estatal”.

A estatização da política e da sociedade civil não determina a ampliação da esfera pública, pois esta é a esfera onde o indivíduo, a cidadania individual ou agrupada, exercita seus direitos individuais e coletivos contra e sobre o Estado, subordinando-o à sociedade civil. Estatização, logo, nada tem a ver com instituição ou reforço de uma esfera pública democrática, mas, ao contrário, historicamente tem significado dissolver e despotencializar a sociedade civil no Estado, criar uma “aparência” de esfera pública que apenas realiza os desejos privados da burocracia, que é a força conservadora e consuetudinária mais perigosa, como diz Gramsci nos “Quaderni”.

A categoria, pois, do controle sobre o Estado, é o elemento-chave para que um projeto socialista moderno não veja no monopólio do Estado sobre todas as atividades sociais e mesmo econômicas a eterna saída contra as brutais desigualdades – materiais e morais – que caracterizam mesmo o capitalismo atual e moderno. Istvan Mèzaros, quando examina a ordem econômica internacional no seu “A Necessidade do Controle Social”, vai precisamente nesta direção: “Outra contradição básica do sistema capitalista de controle é que este não pode separar avanço de destruição, nem progresso de desperdício – ainda que as resultantes sejam catastróficas. Quanto mais o sistema destrava os poderes da produtividade, mais ele libera os poderes da destruição; e quanto mais dilata o volume da produção, tanto mais tem de sepultar tudo sob montanhas de lixo asfixiante”.

Não há possibilidade de um socialismo democrático, pois, sem uma nova “Teoria dos Direitos Públicos Subjetivos” , que na verdade é o que pode constituir e amparar o elemento jurídico-formal básico do controle público, sem o qual a burocracia subsume o direito na forma e a norma democrática transforma-se em elemento retórico: “O interesse público do Estado e o interesse público da sociedade não se correspondem necessariamente: quando for o caso de serem contrastados, deve-se sempre estar a favor do princípio que prevalece o interesse social sobre o interesse do Estado”.

O comum é que a intervenção do Estado na economia, quando em setores inessenciais (face à inexistência do controle público como controle da sociedade sobre a qualidade da gestão pública do Estado), produza entes de gestão que se convertem em centros de poder autônomos em relação às instituições democráticas. Neste caso, a própria “gestão do patrimônio público será inspirada inteiramente por critérios privatistas.”

Não é possível, pois, que se pense um outro socialismo sem que se dê asas à teoria e à imaginação verdejante; caso contrário, à submissão ao capital monopolizado sucederá a submissão à lógica da burocracia do Estado, esta sempre ciente tanto dos seus direitos como da sua intransparência.

A questão dos métodos democráticos de decisão é, pois, uma questão estratégica, que se refere à essência da decisão: o controle sobre o percurso e implantação da decisão.

Matéria publicada no jornal Folha de São Paulo em 02.04.91.

02 de Abril de 1991

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