Opinião

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NOTAS POLÍTICAS

Nota 38 - Democracia e Crise Econômica

José Genoino e Luiz Moreira

Os parlamentos estruturaram-se como sofisticado mecanismo da democracia para apaziguar as diferenças inerentes às vontades. Não é por acaso que o processo parlamentar estabelece-se por meio de comissões, representação partidária e bicameralismo, de modo que as contradições sejam conciliadas na promulgação da lei. A exigência de quorum, a estabelecer medida de consenso em torno da proposição, institucionaliza o processo de decisão, o que tem como corolário mitigar o não acatamento de algumas sugestões.

Desse modo, aos parlamentos cabem constatar as vontades vigentes na sociedade. A vontade ganha representação com a proposição apresentada pelo partido. Como representante de parte da sociedade, o partido apresenta sua colaboração ao debate. Essa colaboração recebe o nome de proposição. A fim de deixar de ser mera proposição e se converter em lei, a proposição precisa ganhar no Parlamento o assentimento dos demais partidos, de modo a se transformar em algo capaz de obter a aprovação das demais partes. É o assentimento que garante que o projeto se converta em lei, permitindo que o que estava circunscrito a uma fração da sociedade ganhe contornos universais. É assim que filosofia política estabelece a passagem da vontade à lei (razão), sendo a vontade obra das partes e a lei, do consenso.

Esse processo por si só sofisticado ganha legitimidade na medida em que representa, pelo voto, a sociedade. É assim que a democracia, com os Parlamentos, soluciona a intricada questão da representação, que por ser representação, nunca se equipara à sociedade, razão pela qual a democracia é sempre aberta a modificações e a revisão daquilo que fora ordenado.

É assim que a Política constitui o Direito e o dota de legitimidade, formalizando-se assim o princípio da soberania popular, segundo o qual todo o poder emana do povo.

Essa questão de legitimidade ganha contornos decisivos no contexto da atual crise econômica mundial. Essa crise, produzida no centro do capitalismo, nos conduz a uma mudança de paradigma não apenas da economia, mas da definição dos papéis que cabem ao Estado desempenhar.

A desconfiança ante a atividade estatal se materializa pelo estabelecimento de marco jurídico que significava desconfiança, traduzida em termos jurídicos pela circunscrição da administração ao princípio da legalidade.

A legalidade veio substituir a presunção de legitimidade dos atos da administração. Com a legalidade, a administração passa a reger-se por uma lógica daquilo que aconteceu, submetendo a inovação pela mesmice. Cabe ao Executivo e ao Legislativo voltar-se para os desafios e para a constituição da realidade. Logo, a exigência de constituição da realidade é incompatível com a equiparação dos atos da administração ao que já passou. Os atos do Estado, por decorrerem da soberana manifestação do cidadão, são presumivelmente legítimos. É essa legitimidade que permite que o Estado projete a esperança de dias melhores.

A crise econômica mundial gerou uma reviravolta na concepção das estruturas do Estado, na relação entre Estado e sociedade e em seu paradigma. No cenário mundial, a desconfiança antes circunscrita ao Estado muda de lugar. Agora, é a atividade econômica, a atividade privada que se vê envolta em desconfiança e a legitimidade, na seara econômica, passa a ser própria à atividade estatal.

Portanto, a fim de o Estado brasileiro poder afinar-se com os conceitos decorrentes da crise, é preciso dotá-lo de marco jurídico que seja capaz de conferir à administração pública e ao Estado os meios que alavanquem nosso desenvolvimento, substituindo a legalidade pela legitimidade da administração pública, de modo que a lógica do não fazer ceda lugar à constituição do futuro, isto é, é preciso substituir a desconfiança pela licitude de modo que administração pública possa ser reconhecida como instituição legitimada pelo voto.


José Genoino Neto, 63, é Deputado Federal pelo PT-SP e vice-líder do partido na Câmara. Foi presidente nacional do PT (2002-2005).

Luiz Moreira Gomes Júnior, 40, é Mestre em Filosofia e Doutor em Direito pela UFMG e autor, dentre outros, do livro “A Constituição como Simulacro” (Lumen Juris, 2007).

20 de Julho de 2009

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