Opinião

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Nota 47 - Um projeto de lei autoritário e conservador

“Encastelados no reino do bem, os formadores de opinião observam o resto do mundo enrolando-se na própria cauda, como o Minos dantesco, para indicar o círculo vicioso no qual deve cair esse ou aquele adversário.” Foi com esta frase, retirada do livro “Crítica da Retórica Democrática” de Luciano Canfora, que comecei meu pronunciamento sobre o Projeto de Lei de Iniciativa Popular nº 518, de 2009, de iniciativa da CNBB. Conhecido como “ficha suja”.

Apoiando-me em juristas como Celso de Mello e Eros Grau, em personalidades políticas como Ulysses Guimarães, Josafá Marinho, Odacir Klein, entre outros e na própria Constituição Brasileira afirmei a inconstitucionalidade deste projeto. No meu discurso lembrei que em diversas circunstâncias, votos destes juristas e pronunciamentos destes parlamentares construíram e confirmaram um princípio que hoje é uma das colunas que sustentam a nossa constituição e que, no meu entender, o projeto da CNBB tenta solapar, cuja síntese é "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória".

Chamei a atenção, também que a presunção da inocência vem desde a súmula teológica de São Tomás de Aquino, passando pela Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, pela carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, pela Convenção Europeia, pela Convenção Americana, pelo Pacto Internacional dos Direitos Civis outras várias declarações.

Portanto, para além da total ausência de razão constitucional, na minha opinião, este projeto é autoritário e conservador. Todos os períodos autoritários da humanidade trazem no seu bojo a ideia de o Estado definir, previamente, aqueles que podem ou não ser candidatos. “Somente com cabeças autoritárias, em regime de autoritários, é que se estabelece a presunção da culpa”, diz Celso de Melo em um dos textos citados. Aqui no Brasil, este princípio surgiu na Lei Complementar nº 5, de 1970, Governo Médici. Foi a Junta Militar, em 1969, que introduziu no Direito Constitucional Brasileiro a perda de direitos políticos por improbidade administrativa sem sentença transitada e julgada. “Você é culpado até que prove a inocência” quando o princípio universal dos direitos humanos é exatamente a presunção da inocência.

Na eleição nós nos submetemos ao povo. Vamos para a rua nos expor, ser xingados e apoiados. Quem julga que a pessoa pode ou não ser candidato? Passa por uma eleição? Por um debate na rua? Não. Este Projeto de Lei de Iniciativa Popular quer colocar um funcionário do estado, um burocrata, para selecionar quem deve e quem não deve ser candidato. Pois é este concursado, representando a verdade da sentença judicial ou da técnica, que sabe o que é bom ou não para o País. É a tutela sobre o povo porque se considera que ele não sabe votar. Hoje eles querem excluir alguns, amanhã poderão querer excluir todos.

Conclui meu discurso afirmando que “sempre defendi e defendo uma reforma política ampla e democrática na Casa, uma reforma que resgate o sentido democrático e republicano da política, com base no princípio de que todo o poder emana do povo e só pode ser exercido diretamente ou pela representação. Esse poder que emana do povo está passando por uma crise de legitimação. E temos que fazer uma reforma política. Agora, substituir a política pelo arbítrio da proibição, da discriminação, da vedação é contrariar o princípio universal da democracia, que foi base para todas as revoluções democráticas desde o século XVIII e que está consagrada em centenas de contratos e protocolos históricos, como na Declaração Universal dos Direitos do Homem da ONU e na Constituição Brasileira.”

Abraços

José Genoino

05 de Novembro de 2009

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