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Por Emiliano José*
Começou a campanha. Ao menos para uma parte da mídia. Ao menos para a Folha de S. Paulo. A Folha volta à militância. Ao rés do chão. Melhor, ao jornalismo de esgoto. Ao mais baixo nível. E eu não sou o primeiro a falar em jornalismo de esgoto. A um jornalismo podre, fétido.
Não compensa discutir o que ela divulgou sobre o presidente da República. Por que essa raiva? Por que esse ódio contra Lula? Será que poderíamos denominar simplesmente de ódio de classe? Será que o grupo Folhas nunca admitirá o presidente operário? O presidente operário que deu certo, contra todos os prognósticos dos senhores da Casa Grande?
O grupo Folhas torceu desesperadamente pela vitória do adversário. Em todas as disputas em que Lula se envolveu. Perdeu nas duas últimas. Perdeu feio. E houve choro. Ranger de dentes. A Casa Grande nunca se conforma. Todo mundo lembra a reunião do conselho editorial da Folha em que houve murros na mesa ali por volta de agosto de 2006, Lula lá em cima nas pesquisas. No que nós erramos? Era a pergunta do partido político – é, do partido político Folha de S. Paulo, que se perguntava por que, depois de tanta campanha, Lula continuava crescendo.
Essa visão é que fez com que uma jornalista dissesse, também em 2006, que a opinião pública estava contra Lula, mas o povo, a favor. É incrível, mas uma parte, hegemônica, da imprensa, pensa dessa maneira. Despreza o pensamento do povo. Enaltece o seu. E lamenta quando não é seguida, quando o povo não a obedece. A mídia, ou parte dela, acredita que ela constitui a opinião pública.
Não é o povo que constitui a sua própria opinião. Em 2002, a população respondeu a isso. E mais ainda em 2006. Lula, uma vez. Lula duas vezes. E ela, essa mídia, não aprende. E volta a carga. Pensa: quem sabe não será agora? Já que não o pegamos por outros aspectos, voltemos a invadir a seara privada, e não importa por que caminhos, se com a verdade, se com a mentira. E não custa tentar transformar a mentira em verdade. Tantos já o fizeram e conseguiram.
Imagine se Lula, agora, fizesse o que o presidente dos EUA, Barack Obama, fez com a Fox News. Diante da claríssima militância da Fox News ao lado dos republicanos, ao lado das teses mais conservadoras da sociedade americana, ao lado do programa político derrotado pelo povo americano, ele declarou calma e solenemente que não dá mais entrevistas à rede. Já que ela tem uma posição cristalizada, de partido político como ele disse, não cabe mais dizer nada para tal rede.
Mas, Lula, com seu espírito democrático, apesar do jogo sujo, da militância nítida contra ele, não adota a mesma postura. E não seria nada demais se o fizesse. Afinal, o desrespeito, o achincalhe, o baixíssimo nível extrapolou todos os limites.
O jornalismo, em tese, e vamos insistir na tese, tem um papel formador da cidadania. Deveria ter. Deveria trabalhar no sentido de formar cidadãos, cidadãs que fossem críticos com seus governantes. Um jornalismo que atentasse para a correta aplicação do dinheiro público, que insistisse na melhoria das condições de vida do povo, que avaliasse permanentemente as políticas públicas. Que estimulasse o crescimento da participação do povo na vida política. Tudo isso, e muito mais, deveria ser papel do jornalismo.
Quando se invade a esfera privada, sobretudo quando se mente de modo obsceno sobre o mundo privado, como no caso de Lula agora, vira jornalismo de esgoto e contra a cidadania. É uma confissão de falência da Folha. Falência do jornalismo. Falência dos critérios éticos. E, ao seu modo, uma confissão de impotência. Já que as políticas públicas do governo Lula são tão bem-sucedidas, não lhe resta outra alternativa senão invadir o terreno do esgoto. Sem se importar qual o cheiro que exale. Basta que atinja o objetivo: o de desgastar o mais popular presidente da história do Brasil. O de tentar impedir novamente a vitória, agora de sua candidata.
Para nós, jornalistas, fica uma sensação de tristeza. De um filme lamentavelmente já visto. E a certeza de que é preciso insistir em critérios éticos para o exercício dessa profissão. Que a Folha abandonou há muito tempo. Leiam Beatriz Kushnir, e seus Cães de Guarda – um retrato em branco e preto sobre o Grupo Folhas. Nesse livro, pode-se perceber como foi chocado o ovo da serpente.
* Artigo publicado na edição do dia 7 de dezembro de 2009 do Jornal da Tarde.
10 de Dezembro de 2009