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SOBERANIA

Deputado aborda a situação da Raposa Serra do Sol e defende a política externa brasileira

Câmara dos Deputados - Detaq
Sessão: 317.2.53.O  
Data: 11/12/2008
Hora: 16:45
 
Deputado Carlos Brandão - Com a palavra o deputado José Genoino. S.Exa. dispõe de 20 minutos.

Deputado José Genoino - Sr. presidente, sras. e srs. deputados, quero tratar de dois assuntos, rapidamente. O primeiro diz respeito à decisão, pela maioria dos ministros do Supremo, ainda não definitiva porque houve pedido de vistas, sobre a questão polêmica da demarcação da Raposa Serra do Sol.

E eu sempre destaquei dois aspectos fundamentais naquela contenda. Primeiro: que a segurança nacional não está em risco porque as terras são propriedade da União, e as Forças Armadas têm inteira soberania, e soberania ilimitada sobre as terras da União, principalmente nas fronteiras.

Segundo, a presença dos organismos de Estado nas áreas demarcadas, e o voto do ministro Carlos Alberto Menezes Direito organiza as restrições ao definir a demarcação contínua.

É correto o que s.exa. diz, seja em relação às riquezas minerais, rios e lagos, seja em relação à presença das Forças Armadas e da Polícia Federal, à preservação ambiental, às atividades econômicas próprias das regiões dos índios, com base no art. 231, sejam os bens de patrimônio na forma da preservação com isenção tributária, veda a ampliação da área já demarcada e garante corretamente os direitos dos povos indígenas.

Portanto, foi uma decisão correta e não representa risco à soberania e à presença e à autoridade do Estado, nem de suas instituições estatais, principalmente no que diz respeito à segurança pública e à defesa nacional.
Inclusive tenho as restrições do voto, que foi o guia para os demais votos do Supremo Tribunal Federal. Portanto, a meu ver, o caminho está aberto para se buscar uma solução para aquele conflito.

Outro assunto é a defesa da política externa do governo Lula que marcou uma nova era nos seis anos que o presidente governa o Brasil.

Estabeleço também oposição às posições adotadas por representantes de um pensamento conservador, que integrou governos anteriores, particularmente o ex-embaixador Rubens Barbosa, o ex-chanceler Luiz Felipe Lampreia, que se baseia na idéia de que o Brasil — seria uma política correta e inteligente — estabeleça diplomacia centrada na relação bilateral com os países ricos, seja os Estados Unidos ou Europa. E ao fazer uma crítica à política externa do governo Lula, na entrevista de domingo do ex-ministro Francisco Weffort, qualificar de populismo diplomático ao se referir a governos e a países que o Brasil tem relações de amizade, de cooperação e de integração.

São posições, no meu modo de entender, que quer retomar a tese da fracassada, principalmente agora com a queda dos pressupostos do modelo neoliberal, que não dá certo nas condições do Brasil.

E os êxitos da política externa do governo Lula, com a competência do ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, com o claro posicionamento da diplomacia brasileira na relação com a diplomacia presidencial, marcaram o que chamo de uma nova era, desde a clara posição quanto à guerra do Iraque, de tirar a Alca da agenda da diplomacia brasileira, da defesa da reforma dos organismos multilaterais, tendo como ponto central o Conselho de Segurança da ONU, do plebiscito na Venezuela, quando houve pressão internacional para desestabilizar e inviabilizar o processo político em curso naquele país.

E a experiência mostra que foi correta a participação do governo nos organismos multilaterais, seja na defesa de posições autônomas e soberanas da OMC, seja na organização do G-20, em que o Brasil, com os países emergentes — China, Índia e Rússia —, tiveram destacadas posições. E com a crise mundial, esses países têm sido muito importantes para diminuir os efeitos da crise do sistema financeiro internacional nas economias emergentes.

E o discurso do presidente Lula na abertura da Assembléia-Geral da ONU, a reunião preparatória em São Paulo, e a reunião do G-20 em Washington, mostrou que a diplomacia brasileira começa a trabalhar nos âmbitos econômico, político e social, na defesa de uma nova visão, a de como projetar o prestígio e os interesses do Brasil no mundo globalizado.

Não partimos da idéia de que a globalização é um fim em si mesmo, ou é um bem em si mesmo, nós temos interesses e posições nos enfrentamentos que são características das nações. As nações têm interesses, as nações têm posições, as nações se movem por forças materiais, e o Brasil compreende bem essa questão no governo do presidente Lula.

Neste momento eu chamo a atenção para o debate da política de integração sul-americana. A União das Nações Sul-Americanas — Unasul, proposta que o Brasil, particularmente o presidente Lula, teve papel muito importante, articulou a constituição do Conselho Sul-Americano de Defesa. É fundamental que essa integração não seja apenas um discurso diplomático.

Ela tem de se viabilizar enquanto proposta econômica e comercial, como alternativa para a ligação, as relações, a malha de infra-estrutura entre os países sul-americanos.

Por isso, sr. presidente, quero chamar a atenção para alguns posicionamentos equivocados dos países irmãos da América do Sul.

A idéia levantada, seja a partir da posição do Equador, que já me manifestei a respeito, do novo governo do Uruguai, da provável ou discutida decisão da Bolívia e da Venezuela sobre estabelecer nas relações comerciais e financeiras com o Brasil uma concepção de sub-imperialismo, ou de calote, compromete a integração, compromete a visão de se buscar soluções regionais de parcerias para os grandes problemas. A meu ver, buscar arbitragem internacional para os conflitos, que são naturais, é um equívoco do governo do Equador, com todo respeito, assim como propagar a possibilidade de calote, como a grande imprensa brasileira colocou em suas manchetes, é também um equívoco. O nosso governo não fez, por exemplo, quando teve o contencioso com a Bolívia, no caso da Petrobras, quando teve algumas disputas com relação a outros países, no caso a Argentina. Não buscamos arbitragem internacional, porque sabemos que a integração pressupõe uma relação de parceria, de complementação, de entendimento, porque no mundo globalizado, em crise, que tinha uma hegemonia unipolar, e agora essa hegemonia unipolar dos Estados Unidos está em crise, temos de buscar o fortalecimento dos laços regionais em todos os aspectos.

Ouço o companheiro deputado Fernando Ferro.

Deputado Fernando Ferro - Deputado José Genoino, v.exa. aborda com muita propriedade que o momento histórico que vive a América Latina deve ensejar o estreitamento de relações e a maturidade no tratamento dessas questões localizadas nos conflitos por uso de energia, das terras de fronteira. Ao acirrar-se essas tensões, nossos vizinhos, parceiros políticos que constituem hoje conjunto de nações que experimentam processo democrático de consolidação de poder popular, devem esgotar a diplomacia interna na solução desses problemas.

Soa-nos estranha a atitude de tencionar com um parceiro sem esgotar as vias da diplomacia e da política de integração que estamos vivendo, que em raros momentos tivemos neste continente. O pronunciamento de v.exa. chama a atenção desses países para suas responsabilidades. Deputado José Genoino, o que v.exa. disse sobre a demarcação da Raposa Serra do Sol, a definição da preservação do conceito Estado e Nação está clara na atitude tomada pelos ministros em relação ao julgamento. Primeiro, porque preserva ao Brasil, enquanto Nação, dando-lhe autonomia para usar os recursos naturais, como a energia elétrica, a partir da consulta ao Congresso Nacional. Evidentemente, obedece a um conceito político que preserva a nossa autonomia e autodeterminação enquanto Nação, desmancha o conjunto de argumentos que tentam nos colocar como extremamente liberais na relação com os povos indígenas. Os povos indígenas têm relações imemoriais com aquela terra e serão preservados. O país terá autonomia para explorar os recursos naturais e garantir a sua faixa de fronteira com as Forças Armadas, a fim de preservar a nossa segurança ambiental. A atitude do Supremo engrandece aquela Casa, preserva os direitos dos povos indígenas e garante a unidade do território brasileiro.

Deputado José Genoino - Agradeço a v.exa. o aparte, o qual incorporo ao meu pronunciamento.

Pois, não deputado Milton Monti.

Deputado Milton Monti - Deputado José Genoino, cumprimento v.exa., especialmente quando expõe de forma muita clara a política diplomática deste governo. O presidente Lula, nos primeiros anos do seu mandato, transformou-se quase que em num caixeiro viajante. Levou as possibilidades brasileiras a muitos países desconsiderados por nossa diplomacia. Os reflexos estão aí. A relação comercial do Brasil com os Estados Unidos se aproximava de 50% e hoje não chega a 30%. Se tivéssemos mantido aquela relação, vejam a dependência que teríamos neste momento e o quanto sofreríamos com a impossibilidade de exportar para aquele mercado. O presidente Lula acertou ao ampliar os horizontes e a diplomacia do país.

Deputado José Genoino - Agradeço ao deputado Milton Monti. V.Exa. tem razão. Quando o Brasil diversificou as escolhas econômicas e comerciais, através de uma diplomacia, vamos chamar assim, pragmática, em sua execução tática, mas com base nos princípios do multilateralismo, da paz, da democracia e de uma nova ordem mundial, que deveria se reestruturar com a proposta de reforma dos organismos multilaterais, como o Conselho de Segurança da ONU, a OMC, o Banco Mundial, o próprio FMI, possibilitou-se que neste momento, em que a crise é pesada nos países ricos, as conseqüências para o país não fossem tão profundas.

Por isso, os críticos da política externa do nosso governo estão equivocados. É uma visão ideológica e até certo ponto preconceituosa. Quero dizer que me decepcionei com a entrevista do prof. Francisco Weffort, que usa termos como o populismo, talvez por causa da principal obra dele como intelectual: <i>O Populismo na Política Brasileira</i>. Ele pegou o termo populismo para fazer oposição à política externa do presidente Lula. Achei o argumento artificial, preconceituoso, sem fundamento.

As relações comerciais, as relações de importações e exportações, a abertura que se deu em muitos países emergentes e países parceiros da América do Sul, os números da nossa balança comercial, os números dos investimentos... Os números falam por si sós. Os investimentos que o governo Lula fez em países como o Equador — com o BNDES —, a Bolívia, o Peru, o Uruguai são em infra-estrutura e são fundamentais, porque a integração tem que ser material, estrutural, não pode ser uma integração em que as distâncias nesse mundo globalizado sejam cada vez maiores.

É necessário, e chamo a atenção, que os governos progressistas e democráticos da América do Sul tenham uma posição madura, lúcida, de como tratar nossas divergências. É claro que temos divergências — as nações têm divergências e interesses —, mas colocar no terreno da disputa, como se o Brasil fosse sub-imperialista, fosse dominar, não é verdade. Nossas relações não são de dominação nem de exploração. Nossas relações são de parceria, de cooperação. É nesse sentido que, ao levantar na grande imprensa a discussão do calote, é uma visão profundamente equivocada, imatura, infantil, do ponto de vista de tratar o mundo globalizado e o papel dessa região nessa disputa.

O mundo vai passar por grandes mudanças com a crise financeira internacional, podem ter certeza. Vejam a crise nos Estados Unidos — o seu papel no mundo vai ser redefinido —; a ascensão da Rússia, que se reorganizou com o governo do Putin; a projeção da China e da Índia; a crise nesses países. Ao mesmo tempo, a possibilidade de países emergentes se fortalecerem vai mudar a geopolítica mundial.

O deputado Fernando Ferro tem toda a razão quando chama a atenção para que os países que buscam discutir o seu papel no mundo, países que têm dificuldade... Se a radicalização das tensões for para esse terreno... Vamos lembrar o exemplo, vejam bem, da África, o exemplo da Ásia, o exemplo do próprio Oriente Médio, o exemplo dos Bálcãs. É a radicalização selvagem, sectária entre países pequenos, países que estão buscando uma saída, que se vão enfraquecer, numa espécie de auto-extermínio, numa espécie de auto-enfraquecimento, numa espécie de cada um se salvar. Ou seja, os explorados e dominados vão brigar entre si para ver quem se salva. É um caminho equivocado, repito, falar em calote, falar em ruptura. Falar desse tipo de relação é exatamente...

A ideologia conservadora dominante leva a isso. Lembro aos colegas que quando houve aquela crise da Bolívia, o caso da Petrobras, o que a direita defendia? Se fosse possível, intervir na Bolívia, e o presidente Lula teve uma posição muito clara.

Agora, quando Rafael Correa, presidente do Equador, defende uma posição equivocada em relação ao nosso governo, o pensamento de direita, conservador no Brasil, parece que torce, aparentemente, como se estivesse ao lado de Rafael Correa. É a concepção seguinte: que os pequenos e os fracos se digladiem, se arrebentem, porque aí a hegemonia dos ricos será garantida no mundo, e cada um busque uma relação bilateral com os poderosos, porque numa relação bilateral nós não temos força para construir uma nova geopolítica mundial.

Se cada um for buscar privilegiar a relação bilateral, seja com a União Européia, seja com os Estados Unidos, nós não temos peso na negociação. Na hora em que se senta na mesa de negociação, é força, são interesses. Não é simpatia, nem brinde do melhor vinho ou do melhor uísque, nem os melhores jantares. Aquilo ali é apenas para esconder a guerra de interesses.

E o Brasil entende isso. Por isso é que a integração sul-americana é fundamental para redesenharmos os nossos interesses e projetarmos a nossa força.

O Brasil não tem conflito com nenhum país da América do Sul, nem contencioso histórico, nem conflito de fronteira. Já alguns países têm esses conflitos. Se formos para a linha dessa radicalização, cada país vai resolver seu contencioso — a Bolívia com o Chile, a Venezuela com a Colômbia, o Peru com o Equador, a Argentina com o Brasil, o Uruguai com o Paraguai. Onde vamos parar?

Esse caminho, repito, é a balcanização da disputa de interesses entre países pequenos. Cito, como exemplo, sr. presidente, os Balcãs, a África, a Ásia, principalmente a mais pobre, e a crise no Oriente Médio. Temos de buscar uma solução diferente para disputa de interesse.

Por isso, quero reafirmar aqui o meu apoio à política externa do presidente Lula, a qual se baseia no princípio da soberania nacional, na relação autônoma do Brasil com o mundo, na projeção de poder e na busca de solução democrática, pacífica e negociada num mundo cada vez mais conturbado, onde o que vemos em algumas regiões podemos até chamar de paz quente ou guerra não declarada.

É nesse sentido que temos de entender a maestria e a lucidez da política externa do presidente Lula, que tem resultados macroeconômicos, mas também conseqüências na disputa geopolítica, como o redesenhar de novos interesses no mundo. Estamos bem colocados. A crise e suas conseqüências vão dar ao Brasil condições de se colocar bem nessa geopolítica.

Por isso, quero aqui manifestar o meu apoio à política externa do presidente Lula e a minha discordância de alguns críticos de pensamento conservador que já exerceram cargos-chave na diplomacia brasileira e não produziram os resultados, as vitórias e a projeção do Brasil como vemos acontecer com o governo do presidente Lula, que exerce uma diplomacia presidencial, sob a direção do Itamaraty, do ministro Celso Amorim.

Muito obrigado.

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