Parlamento - Pronunciamentos

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PLENÁRIO

Homenagem ao ex-deputado Chico Pinto

Câmara dos Deputados
Sessão: 320.2.53.O  
Data: 15/12/2008
Hora: 10h39

Arlindo Chinaglia - Concedo a palavra ao deputado José Genoino, um dos autores do requerimento.

José Genoino - Sr. presidente, deputado Arlindo Chinaglia, deputados Alencar Furtado e Paes de Andrade, amigos e familiares de Chico Pinto, como a Thais, com quem convivemos durante tanto tempo aqui na Câmara dos Deputados — agradeço a presença da sua filha, que é a cara do Chico Pinto, companheira Maria Cavalcanti:

O requerimento que ensejou a realização desta sessão solene foi concebido no dia em que, neste plenário, soubemos da morte do Chico Pinto. O deputado Ibsen Pinheiro, o ex-deputado Airton Soares, o deputado Colbert Martins, o deputado Uldurico Pinto e eu dissemos naquele momento que era necessário fazer este ano uma homenagem ao Chico Pinto. E fazemos esta homenagem entre amigos, lutadores e familiares. A iniciativa do requerimento está, portanto, dividida entre os deputados e ex-deputados aqui presentes.

Falei com o Marcelo Nobre, filho do ex-deputado Freitas Nobre, sobre aquele período e convidei-o a participar desta homenagem, ele que é membro do Conselho Nacional de Justiça. E eu gostaria de dizer que procurei também algumas figuras lendárias da imprensa brasileira, como Tarcísio Holanda, Lustosa da Costa, Marcondes, Leite Filho. Conversamos sobre a importância desta sessão. Sr. Presidente, eu me mobilizei para fazer esta homenagem.

O Chico Pinto entrou na minha militância política de maneira muito singular.

Em 1973, eu estava preso e incomunicável em Brasília — não conhecia Brasília, muito menos o Congresso Nacional. Vocês sabem que eu estava lutando na resistência armada. A guerrilha tinha feito uma carta simbólica a um deputado federal, sem nominá-lo, e eu era interrogado sobre quem era esse deputado. Eu não sabia quem era o deputado federal. Eu pregava o voto nulo e estava na resistência armada. Eles perguntavam sobre o Chico Pinto. Meu temor era que eles perguntassem sobre o Mário Covas, porque no processo que eu tinha na Auditoria Militar da época em que viajei para o Congresso de Ibiúna, com passagem da Câmara, estava escrito que a passagem era uma doação do ex-deputado Mário Covas para que eu me deslocasse de Fortaleza para São Paulo.

E eu ficava com aquele nome na cabeça: Chico Pinto, Chico Pinto.
No mesmo presídio, também incomunicável, estava preso um vereador do MDB, o vereador Walmir, de Anápolis. Eu estranhei: Walmir, estamos aqui presos por causa da luta armada. Você está preso por causa do MDB? Que história é essa? Aí ele começou a nos explicar a situação. Eu perguntei: quem é esse deputado, Chico Pinto? Ele dizia: Olha, para os homens daí, eu sou moderado e Tancredo Neves, mas para vocês eu sou Chico Pinto autêntico. Foi a primeira vez que ouvi falar em Chico Pinto autêntico. Ele dizia para nós, naquela clandestinidade do PIC, comunicando-se com a mão, que para nós ele era Chico Pinto autêntico, mas para os homens lá, os interrogadores, ele era Tancredo Neves moderado. E ficou aquela idéia do Chico Pinto na minha cabeça.

Para nós, presos políticos dos anos de 1972 a 1975, ficou essa imagem muito forte. E nós, lutadores, compreendemos que a história não é um simples quadro de acontecimentos, como uma fotografia morta na parede. É mais, é o verbo, a história feita, o exemplo, o livro. Não é por acaso que nós vamos hoje homenagear também Lysâneas Maciel, com um livro da série Perfis Parlamentares.

E digo mais, parafraseando Machado de Assis: É a força que transforma o presente e o futuro. Nessa relação dialética entre o retrovisor e o pára-brisa, o sentido da homenagem a homens cuja vida se realizou na luta por causas, na luta por sonhos. Para mim, Chico Pinto sempre dava aquela idéia do sonho. E eu dizia, mais uma vez citando Machado de Assis, que o sonho é a festa dos espíritos. Éramos os sonhadores de então.

Naquela época, ou íamos para o exílio ou íamos para a clandestinidade. Eu estava na clandestinidade, e estava preso. Descobrimos com os autênticos do MDB que existia uma brecha estreita o fio da navalha na atuação parlamentar, logo nós que pregávamos o voto nulo e denunciávamos o partido do sim e o do sim, senhor. Eu me perguntava como é que surgia no MDB o grupo Autêntico, que estava contestando o Governo Médici, nos anos 1972, 1973.

É esse o sonho que para nós é muito importante lembrar nesta homenagem, uma homenagem que tem vida, uma homenagem de exemplos concretos de pessoas que continuam vivas, presentes.
Posteriormente, interessei-me muito em conhecer, ainda preso, o Chico Pinto. O Airton Soares não era deputado, era advogado e preso político naquela época. Era ele quem nos levava informações sobre quem era Chico Pinto, dos Autênticos do MDB. Depois, em 1978, o Airton Soares foi eleito, quando estávamos saindo da prisão. Mas no período da prisão, em São Paulo, Brasília e depois em Fortaleza, minhas informações sobre os Autênticos do MDB vinham do amigo Airton Soares.

É interessante que o sonho do Chico Pinto era associar a luta contra a ditadura militar à luta por transformações econômico-sociais. Quem não se lembra das suas denúncias sobre a desnacionalização do País e a concentração da renda? Quem não se lembra das suas denúncias, por causa delas foi punido, sobre a ditadura de Pinochet? Estávamos acompanhando os acontecimentos políticos no Chile quando o Chico Pinto denunciou o ditador Pinochet. Por isso, ele foi punido. Imaginem a ousadia que foi denunciar a ditadura de Pinochet no Parlamento brasileiro!

Começamos então a discutir a brecha que aparecia no MDB, a brecha dos autênticos, que através de um processo eleitoral colocavam na pauta do País a discussão sobre a democracia — luta pela anistia, luta pelos direitos humanos. E acompanhamos o debate em torno do MDB.

O MDB teve papel histórico e fundamental na luta pela democracia, porque, quando estávamos sendo derrotados, na clandestinidade, com as mortes, com as prisões, o MDB ocupou um espaço político dentro da institucionalidade que culminou com a eleição de 1974 e depois com a eleição de 1978, um grande rio onde convergiam as nossas esperanças.

Porque estávamos presos e incomunicáveis, não imaginávamos que a democracia... A gente tinha uma tese: democracia só através da luta armada. Mas a luta armada estava derrotada, quanto tempo a gente ia ficar lá? E víamos esse laço, esse fio. E a imagem do Chico Pinto para mim era muito forte porque era esse fio. Imaginar um deputado autêntico, combativo, que além da luta pela democracia, além de denunciar a perseguição aos presos políticos, levantava temas econômicos e temas sociais na luta pela democracia.

E veio também uma idéia interessante: naquela época lutar contra a ditadura militar no Parlamento já era uma ousadia, agora, organizar com outros companheiros um grupo autêntico, para defender um enfrentamento mais radical com a ditadura militar, aí era a ousadia da ousadia, não é, Alencar? Caminhava-se para um processo político de conciliação, e aquele grupo foi uma peça importante no debate sobre a própria transição da ditadura militar.

Será que hoje, analisando a auto-extinção do MDB de então, que teria sido um problema grave para a democracia se não fosse a energia, a vitalidade e a força do Grupo Autêntico, para mostrar à população que dentro do MDB tinha uma energia que estava nascendo na luta contra a ditadura militar..., e o Chico Pinto representou isso muito bem.

Por isso que quero dizer nesta homenagem, por uma relação muito pessoal, que o Chico Pinto fez algo que é muito importante destacar hoje. A ditadura é a negação da política porque tudo se resolve pela força, toda ditadura nega apolítica. E, naquelas condições terríveis, Chico Pinto e os demais companheiros do MDB resgataram o sentido da política no protesto, na denúncia, nos espaços, na imprensa alternativa, a exemplo do jornal Movimento, nas articulações dos Autênticos, depois Tendência Popular do MDB, que era a maneira de colocar a política no seu pedestal.

E não é por acaso dizer isso, é importante dizer isso hoje, e tenho pensado muito ao ouvir as lições do deputado Ibsen Pinheiro, no sentido de que hoje vivemos uma fase delicada da política, em que se busca negar a política enquanto expressão das paixões, dos projetos, dos programas e das reivindicações populares por uma lógica da judicialização da política.

Povo. Só em seu nome o poder pode ser exercido, ou diretamente, ou através dos seus representantes, e nós vamos entender que naquela brechinha, naquele fio da navalha de 73, 74 e 75 surgiram homens e mulheres do MDB que levantavam a bandeira.

Eu estava no presídio e me lembro, Alencar, quando você fez aquele pronunciamento sobre os desaparecidos políticos, perguntando pelas mães que não sabem se os filhos morreram e pelos pais que não sabem onde estão os filhos. Ouvíamos seu pronunciamento e nos perguntávamos o que estava acontecendo no Brasil. Estávamos presos, imaginar um deputado dizendo aquilo.

Por isso que eu acho que resgatamos essa história não para adorá-la e petrificá-la no muro do museu, mas como instrumento de transformação do presente e do futuro. Esse é o sentido da homenagem militante e corajosa que, com emoção, faço a Chico Pinto, a seus amigos e colegas, a seus lutadores do MDB.

Por acaso fizemos uma ponta com uma geração que estava na resistência armada, sumida, perseguida, torturada e que não via a luz no final do túnel. E por acaso buscamos essa luz, ou num interrogatório, ou no vereador Walmir ou depois nas articulações de que participamos na tendência popular do PMDB, no processo de formação do PT, toda essa história que é um condutor como se fosse um carro com retrovisor e pára-brisa.

E hoje eu dizia para o Alencar: o desafio naquela época era duro. Hoje, o desafio é outro. Optamos por mudar a ordem por dentro da ordem, com limites e desafios permanentes. E temos um governo que está no limite fazendo.

Quero com isso dizer que esta homenagem a Chico Pinto, além de resgate, é também energia para o nosso presente e para o nosso futuro.

Um grande abraço aos amigos, aos lutadores, aos familiares de Chico Pinto, que está entre nós — e de Lisâneas Maciel, sobre quem estaremos lançando hoje mais uma publicação da série Perfis Parlamentares.

Muito obrigado.

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