Parlamento - Pronunciamentos

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Parlamento

Genoino discursa no Grande Expediente da Câmara dos Deputados

SR. PRESIDENTE,

 

SRAS. DEPUTADAS,

 

SRS. DEPUTADOS,

 

Quero expressar, de início, minha satisfação pelo fato de ter conseguido a oportunidade de um espaço no Grande Expediente para este discurso. Agradeço pela ocasião surgida e, desde agora, pela paciência de Vossas Excelências para me ouvirem.

 

Após ter exercido cinco mandatos sucessivos nesta Câmara dos Deputados, por vinte anos ininterruptos desde minha primeira eleição em 1982, retorno à Casa - de onde não deveria ter me afastado - e hoje faço o pronunciamento que considero ser o de estréia na legislatura há pouco inaugurada, desta mesma tribuna da qual tantas vezes falei aos meus ilustres pares.

 

CANDIDATURA AO GOVERNO SP

 

Quando, em 2002, aceitei concorrer ao governo do Estado de São Paulo, fiz uma escolha que agora avalio autocriticamente. Digo isto, porque hoje me convenci de que sou um parlamentar por vocação. Minha natureza de “ser político” é mais compatível com o desempenho da representação popular no âmbito do legislativo. È verdade que as circunstâncias daquele momento me impeliram a aceitar o desafio daquela candidatura. Embora tenha obtido uma boa votação nos dois turnos daquela eleição, acabei derrotado. Todavia, a extraordinária vitória de Lula para a presidência da República, naquele pleito de 2002, é que foi o fato politicamente significativo para mim.

 

PRESIDÊNCIA DO PT

 

Nesses quatro anos de interregno do exercício de mandato de Deputado Federal, acabei sendo instado a assumir o comando representativo do Partido. É fato que, paralelamente, participei das discussões em torno do governo que estava por iniciar-se e do processo de transição.

 

No âmbito da Executiva e do Diretório do Partido dos Trabalhadores, deixei bem claro que presidiria o PT apenas exercendo a representação partidária e a articulação política. Por outras palavras, eu agiria tão-somente como representante político do partido. Quer dizer: não cuidaria nem de pessoal – por isso mesmo não acompanhava as nomeações indicadas pelo PT no governo -, nem me competiriam a administração e as finanças partidárias.

 

Foi dessa forma que assumi e exerci a presidência do Partido. Isto é, foi com tal demarcação de atribuições, por minha vontade restritas, que me tornei presidente do PT, até porque sempre considerei aquele mandato como de transição. E nem podia ser diferente. Um, porque eu não havia sido eleito. Dois, porque se tratava, efetivamente, de um mandato-tampão, até por decorrência de não ter sido eleito, como é regra no processo de escolha dos dirigentes do PT. Três, porque fiquei afastado da Executiva por mais de um ano, quando me candidatei ao governo do Estado de São Paulo.

 

CRISE POLÍTICA DE 2005

 

Sobreveio a crise política de 2005. O PT foi atingido em cheio, precisamente durante minha gestão. Criou-se uma situação de “vale tudo”. Ou seja: contra o PT, vale tudo; a favor do PT, tudo é questionável. Na minha opinião, surgiu e espalhou-se rapidamente uma opinião pública julgadora, grandemente inoculada de espírito revanchista e oportunisticamente engrossada como massa de manobra capaz e pronta para investir até mesmo contra o regime, se fosse o caso, e a tentar desestabilizar o governo do presidente Lula.

 

Referindo-me apenas ao meu caso, mas com certeza relacionado a muitas outras pessoas, senti-me julgado e acusado previamente. É a pior sensação de abatimento que qualquer um pode ter. É como estar em fim de linha e contra a parede, em fase terminal de vida, no fundo do poço. Sente-se que o mundo todo desabou sobre você e ninguém aparece para retirar os entulhos que o esmagam. Não há dúvida de que isso parece ser uma vicissitude da vida pública. Mas, pergunto, quem está bem preparado para encarar tal adversidade com – digamos – indiferença? Acho que ninguém. Eu, pelo menos, que jamais enfrentara uma situação dessas, me senti e ainda me sinto profundamente indignado, principalmente quanto à consciência - e à certeza - de ter sido e de estar sendo completamente injustiçado. Tenho responsabilidade política, o que é muito diferente de ser criminoso. Sobre isso, já explicitei minha autocrítica na Carta aos Petistas, na Contribuição para os Debates do III Congresso do PT e no livro “Entre o Sonho e o Poder”.

 

REPUDIO A DENÚNCIA DO MP

 

Ressalto minha convicção de que estou indiciado na denúncia sob apreciação do Supremo Tribunal Federal pelo que fui (presidente do PT à época dos fatos e autorias submetidos a julgamento) e, não pelo que fiz ou tenha feito. Se uma dessas acusações se refere a empréstimos que avalizei quando e por que era o presidente do Partido, tais empréstimos são legais. Estão na prestação de contas do PT submetidas ao Tribunal Superior Eleitoral. São dois empréstimos, que dão em torno de R$7 milhões, devidamente registrados na contabilidade do Partido. Isso foi feito, de forma absolutamente transparente, porque o PT precisava dos recursos e porque podia pagar o empréstimo, como está pagando. O dinheiro foi gasto nas despesas normais do Partido. Tudo isso se encontra na prestação de contas a que me referi.

 

Procurem e apontem quais são, em que montante de valor econômico ou financeiro, e onde está guardado, escondido ou aplicado o resultado ou o produto de ilicitudes ou falcatruas que eu tenha praticado. Quem se interessar por essa investigação poderá dispor de todo o tempo de sua vida ou da existência do mundo e do auxílio de quem quiser se associar nessa empreitada.

 

REBATO AS ACUSAÇÕES

 

De tudo o que aconteceu comigo, desde quando se produziu aquele “tsunami” político no País, em 2005, o inaceitável é a irresponsabilidade de muitas pessoas que, lidando com a informação publicada e com a formação opinativa de leitores, ouvintes e telespectadores, mexem com as dimensões essenciais à reputação, como a honra e a dignidade. E eu tenho a certeza de que Vossas Excelências, Sr. Presidente, Sras. Deputadas e Srs. Deputados, têm a necessária e a mais aguda sensibilidade para compreenderem bem o que estou dizendo, pois são ou podem vir a ser, a qualquer tempo, alvos preferenciais. Somos, todos, pessoas públicas, personagens do cotidiano da e na mídia, por menos conhecidos que uns possam ser em comparação a outros.

 

Está lá, no livro em que se encontra meu depoimento à jornalista Denise Paraná, que as denúncias inaugurais da crise de 2005, desde que publicadas na imprensa, foram transformadas em “verdades inquestionáveis”, antes mesmo do início de investigações aprofundadas. Houve um incontido açodamento no processo de formação de uma opinião pública julgadora. Por isso é que – já o disse aqui e repito – eu me senti julgado e condenado previamente. Os artifícios da linguagem jornalística não impede e muito menos evita a ocorrência de danos irremediáveis, causados diretamente em razão do conteúdo indutivo da destruição, infundada e pública, de reputações. Exemplo de tais artifícios são os famosos recursos a fórmulas lingüísticas, como o emprego do adjetivo “suposto”, ou do advérbio que lhe corresponde (“supostamente”). É o caso, também, do emprego corrente do modo condicional dos verbos, onde acusações, denúncias e indiciamentos viram condenação.

 

A professora Marilena Chaui, em setembro de 2005, numa carta aos seus alunos, mais tarde publicada pelo Jornal Folha de S.Paulo, onde reflete as relações da mídia, faz o seguinte testemunho: “Vendo algumas sessões das CPIs e noticiários de televisão, ouvindo as rádios e lendo jornais, dava-me conta do bombardeio de notícias desencontradas, que não permitiam formar um quadro de referência mínimo para emitir algum juízo. Além disso, pouco a pouco, tornava-se claro não só que as notícias eram desencontradas, mas que também eram apresentadas como surpresas diárias: o que se imaginava saber na véspera era desmentido no dia seguinte. Mas não só isso. Era também possível observar, sobretudo no caso dos jornais e televisões, que as manchetes ou ‘chamadas’ não correspondiam exatamente ao conteúdo da notícia, fazendo com que se desconfiasse de ambos.” Fecha aspas.

 

Recordo que, no bojo da crise, por ocasião de se apresentarem os empréstimos bancários feitos para o PT, junto ao BMG e ao Banco Rural, ambos já estavam sendo tomados como peças de um julgamento no qual, como presidente do partido, eu seria integrante de um grande “esquema”, lamentavelmente chamado pelo Ministério Público de “organização criminosa”. Essa expressão, a meu ver usada de forma completamente equivocada na denúncia que o MP ofereceu ao Supremo Tribunal Federal, seja do ponto de vista semântico no que se refere ao vocábulo “organização”, seja do ponto de vista conceitual no campo jurídico, onde tal palavra não tem qualquer sentido técnico já sedimentado ou consolidado, principalmente na área penal no que se refere ao complemento adjetivador ali utilizado com o vocábulo “criminosa”. Particularmente porque ensejou uma interpretação, não-técnica, porém decisiva no plano da formação da opinião pública, eis que parece significar uma espécie de prejulgamento do próprio MP. Ora, mesmo se sabendo que, tecnicamente falando no plano jurídico-penal, a denúncia, ato de competência privativa do Ministério Público, não é julgamento, pois quem julga é o Judiciário – no caso o Supremo Tribunal Federal – e que esse julgamento ainda não foi feito, mesmo assim aquela expressão, utilizada para significar sabe-se lá o que, contribuiu decisivamente para a formação de uma opinião pública condenatória. Pois a mídia a incorporou e disseminou até onde pode, precisamente com a carga de condenação que ela em si, tecnicamente falando, não contém, mas parece conter. E a imprensa sabe muito bem que não há condenação alguma pelo Ministério Público. O próprio Ministério Público da União deveria ter percebido a tempo, antes da entrega do texto definitivo da denúncia ao STF, que aquela expressão permitiria ser usada com enorme carga de prejulgamento. E o pior de tudo é que duvido que algum dos detratores prévios tenha lido uma página sequer da tal denúncia. Quer dizer, falam sobre algo de que não conhecem absolutamente nada. Aliás, essa é mais uma das práticas irresponsáveis de muitas pessoas que se acham não-responsabilizáveis. Também ficava evidente que nem os jornalistas e repórteres encarregados de fazer as matérias sobre as denúncias liam os documentos e os processos relacionados. A pressa para a publicação das notícias e o prestígio advindo desses supostos furos, resultava num total descaso com a veracidade da informação. Isso se repetiu, recentemente, quando a assessoria de imprensa do STF coloca - em manchete no site do próprio Supremo - o anúncio da abertura da ação penal como a “primeira do mensalão”! No entanto, não existe uma única referência ao chamado “mensalão” nas centenas de páginas da ação recebida pelo Supremo.

 

Disseminou-se uma generalizada opinião criminalizadora do PT. Isso contou com o apoio de setores da imprensa, que capitalizaram a idéia do espetáculo julgador. E esse mesmo espetáculo condenatório também serviu para projetar lideranças no campo da oposição e personalidades no campo das instituições de Estado. Ou seja, a opinião publicada e o clamor criado a partir disso produziram uma ação sem antes se averiguar a verdade dos fatos concretos.

 

Tenho sentido como se efetivamente estivesse de novo nos tempos da repressão política. Só que naquela época não havia o Coliseu eletrônico de hoje para servir à diversão do público. Era apenas a dureza da clandestinidade, do nome não revelado, das solitárias. Agora a virulência tem um novo e ampliado palco de exposição.

 

Noutra passagem da carta aos seus alunos, a Professora Marilena Chaui, de forma brilhante expõe essas circunstâncias: “Além disso, a notícia já é apresentada como opinião, em lugar de permitir a formação de uma opinião. Por isso mesmo, a forma da notícia tornou-se assustadora, pois indícios e suspeitas são apresentados como evidências, e, antes que haja provas, os suspeitos são julgados culpados e condenados. Esse procedimento fere dois princípios afirmados em 1789, na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, quais sejam, todo cidadão é considerado inocente até prova em contrário e ninguém poderá ser condenado por suas idéias, mas somente por seus atos.” A professora lembra um texto de Hegel, sobre o Terror escrito em 1793, que trata da “transformação sumária do suspeito em culpado e sua condenação à morte sem direito de defesa, morte efetuada sob a forma do espetáculo público.” Chaui recorre também a Hannah Arendt e a Claude Lefort, e suas reflexões “a respeito dos totalitarismos e seus tribunais, e para isso ambos enfatizam, na Declaração de 1789, o princípio referente à não criminalização das idéias, assinalando que nos regimes totalitários a opinião dissidente é tratada como crime. Assim, na presente circunstância brasileira, a impressão geral deixada pela mídia é da mescla de espetáculo e terror.”

 

Sr. Presidente, o que eu mais desejo é que as pessoas possam ter acesso aos fatos, possam ler as provas – isso é fundamental para um julgamento isento. Não há qualquer fato que comprove e corrobore aquela designação. Na denúncia oferecida ao STF, pelo menos no que me diz respeito, aquela designação é mera adjetivação desastrosa. Para quem quiser se inteirar, recomendo a leitura de minha defesa no processo em curso. Examine-se, com isenção e sem parti pris, os pontos da denúncia que a mim se referem. Trata-se, efetivamente, de denúncia, por assim dizer, vazia. Tecnicamente falando, a denúncia carece de justa causa.

 

Quero dizer a todos que a verdade de minha inocência será totalmente provada, pois que nada, nada do que me acusaram ou acusam resistirá à contraprova que apresento em minha defesa ante o vazio absoluto de verdade em qualquer acusação que eu tenha sofrido, tanto em face da denúncia do Ministério Público em curso no Supremo Tribunal Federal, quanto em qualquer outro, seja no de eventuais CPIs, no de investigações internas que se fizeram no PT, ou em qualquer fórum que venha a ser do desejo de quem quiser investigar atos ilícitos que eu tenha praticado ou fatos que tenham ocorrido sob um imaginário abrigo de minha complacência ou para benefício e proveito pessoal de qualquer natureza que eu tenha obtido ou venha a auferir.

 

A CONDENAÇÃO PELA IMPRENSA

 

Por isso mesmo, Sr. Presidente, Sras. Deputadas e Srs. Deputados, fiz questão de pronunciar este discurso. No livro “Entre o sonho e o poder”, digo que não aceito ser julgado pela imprensa. E não aceito mesmo. Todavia, se quiserem me acusar com base em provas, eu permito e até exorto a imprensa a investigar todos os fatos que tenham sido apontados por ela como irregulares, ilícitos ou delituosos. Não restrinjo absolutamente nada. Terá toda a liberdade e todo o tempo que quiser para me investigar. Pode inclusive ajudar e ser ajudada por órgãos policiais e pelo Ministério Público. Agora, no final das investigações, em que inclusive abro mão desde já das garantias constitucionais sobre meus sigilos bancário, fiscal, comercial e outros que existirem, exigirei uma declaração pública de toda a imprensa, pelos jornais, rádios e emissoras de televisão de que fui injustamente acusado, porque nada foi provado contra mim.

 

Quero deixar bem claro que não estou atacando a imprensa, entendida esta palavra como a instituição imprensa, isto é, aquela que detém o poder da comunicação livre. Vou repetir que não estou atacando a imprensa e os órgãos que a representam e que, profissionalmente, desempenham o papel que lhe é próprio. Muito ao contrário, sou um dos maiores defensores do respeito incondicional ao princípio da liberdade da comunicação e da veiculação informativa e opinativa pela imprensa em geral, assim como o sou em relação a todas as garantias asseguradas a essa mesma liberdade, ampla e expressamente referidas em nossa Constituição quanto aos direitos individuais e coletivos pertinentes à cidadania.

 

Por isso é que suspeito do resultado produzido pela opinião pública formada a partir das meias-verdades, ou a partir de compromissos (ou descompromissos?) de alguns dos formadores de opinião com interesses, ou com forças ideologica, politica e economicamente dominantes e dominadoras das armas da comunicação informativa e opinativa, como classicamente o é a palavra, ou mais modernamente a imagem fotográfica e cinematográfica cada vez mais sujeitas à manipulação tecnológica. Fico a imaginar a enorme preocupação que devemos passar a ter com a responsabilidade dos formadores de opinião, chamemos aqui de mais independentes, que atualmente inundam a internet com seus blogs e passam a ser, eles próprios, a grande fonte preferencial dos órgãos da mídia tradicional.

 

O que ocorre na maioria das vezes é que a imprensa lança uma acusação que, mesmo depois de ela vir a ser informada por decisão judicial, não encontra espaço de divulgação necessário ao desfazimento da imagem desonrosa produzida. E o sujeito inocentado continua sendo réu público para o resto da vida. E nada acontece com o(s) autor(es) da opinião, da acusação ou da “condenação” (entre aspas), sem culpa ou autoria confirmada judicialmente, mas que foi publicada.

 

A IMPRENSA EM PORTUGAL SEGUNDO UM JORNALISTA PORTUGUES

Outro dia, tomei conhecimento da publicação de um livro do deputado português Manuel Maria Carrilho, do Partido Socialista, intitulado “Sob o Signo da Verdade”. O lançamento da obra, feito, se não me engano, em maio de 2006, teve uma apresentação do respeitado jornalista português Emídio Rangel, ex-diretor da SIC (Sociedade Independente de Comunicação), que é uma rede de televisão de Portugal, e da conhecida RTP (Rádio e Televisão de Portugal). Na ocasião, o jornalista fez um duro discurso, quando afirmou, dentre outras coisas, que “há agências de comunicação social com jornalistas avençados das formas mais variadas para o serviço sujo, para silenciar e comprar estratégias comunicacionais, para fabricar heróis, construir imagens positivas ou para destruir a imagem de alguém”. Prosseguiu ele: “O mau jornalismo tem vindo a impor-se e a ganhar muitas batalhas ao bom jornalismo. No mundo da política, então, assume proporções alarmantes perante a indiferença do Estado, do Governo, da tutela dos jornalistas”. Disse mais: “Faz notícia, gera informação, opina, interpreta e analisa, não de acordo com códigos de conduta, mas segundo regras de interesse próprio e ditames de ódios encapuçados na sociedade portuguesa”. Fecho a citação.

 

INÍCIO DO EXAME DO CONCEITO DE VERDADE

 

Sr. Presidente, Sras. Deputadas e Srs. Deputados, todas as considerações que venho fazendo me levam, no fundo, a querer dividir com Vossas Excelências algumas reflexões sobre o que significa a palavra “verdade”. Para mim, essa palavra, nos sentidos em que se a pode tomar, é a única que contém, digamos assim, o código genético relativo ao domínio do conhecimento e do exercício, filosófico e prático, das chamadas virtudes cardeais, capitais, ou principais, que são: a prudência, a justiça, a coragem e a temperança.

 

O conceito de “verdade” é extremamente amplo, em especial quando procuramos estudar teorias ou enfoques filosóficos que se tentaram construir em torno dele. Não vou abordar aqui esses estudos mais profundos, porque isso fugiria do meu objetivo principal agora. Vou ficar, de início, no campo dos significados encontráveis no dicionário. O Aurélio, por exemplo, registra, como primeira acepção da palavra, o seguinte: “conformidade com o real; exatidão; realidade”. Aí ele dá um exemplo do emprego da palavra nesse sentido: “a verdade do ocorrido”. Há outras acepções ali utilizadas, que não cabem trazer neste momento, porque não dizem respeito a esse significado de “conformidade com o real”, que é o ponto a ser abordado aqui.

 

Se no campo do conhecimento, em particular no das ciências naturais, a verdade é sempre aquilo que se pode comprovar por meio da aplicação experimental. Ou seja: se a experiência prática confirma o princípio, a idéia ou a teoria científica que está sendo construída ou apresentada, isso irá corresponder àquele conceito de verdade. Por outras palavras, a verdade científica é a conformação, pela experiência concreta, da realidade prática com o conhecimento teórico que lhe corresponde.

 

O “AGIR HUMANO” RESPONSÁVEL, COMO VIRTUDE

 

Por esse foco - é conveniente frisar - o conceito de “virtude” se aplica à idéia de conduta humana, ao ser humano enquanto, primordialmente, ser de ação. E ser do agir moral ou do agir ético. Não se trata, então, do ser do agir profissional, ser do agir técnico, ser, enfim, do agir prático em todas as áreas da aptidão e da conduta humanas. Nesse caso, é bom ter em mira que o agir humano, em condições normais de conduta livre, consiste sempre num decidir com responsabilidade.

 

E – repare-se – é a idéia de responsabilidade que vai qualificar o processo permanente de decisão do homem, no campo do agir moral. É até possível, agora, dizer, de forma ampliativa, que a idéia de responsabilidade é qualificadora, também, da tomada de decisões num sub-setor muito específico do agir moral, que é o agir jurídico. Isto porque o jurídico, de um modo geral, não é outra coisa senão uma intersecção do agir moral (que é, repito, um sempre decidir com responsabilidade), que pode ser visto não apenas como conduta individual perante si mesmo, mas como agir moral inter-individual, ou seja, conduta de repercussão entre indivíduos no plano social. Porque somente interessa ao mundo jurídico aquilo que, da livre conduta de cada um, resultar prejuízo a direito de terceiro, individualmente considerado, ou a direito da própria sociedade, que nada mais é do que o indivíduo coletivamente considerado.

 

AS VIRTUDES CARDEAIS

 

Das quatro virtudes cardeais: prudência, coragem, temperança e justiça, quero me deter nesta última e peço a transcrição das outras tres, que estão no pronunciamento.

 

PRUDÊNCIA

 

Não quero, também quanto a este ponto, aprofundar o exame do seu conceito filosófico. Vou me situar, primeiramente, na acepção básica que o léxico atribui à palavra prudência. Recorrendo de novo ao Aurélio, lá se encontra o seguinte primeiro e fundamental significado da referida palavra: “qualidade de quem age com moderação, comedimento, buscando evitar tudo o que acredita ser fonte de erro e de dano”. Aplicando-se a esta definição as notas conceituais apreciadas antes relativamente ao termo “virtude”, evidencia-se sua perfeita conformação. Assim, se a virtude é uma forma criteriosa do agir moral individual, significativamente relevante na medida em que implica decidir com responsabilidade, sendo a prudência, por seu lado, conforme a definição do Aurélio, a qualidade (vale dizer, a caracterísitica) de quem (alguém, individualmente considerado) age com moderação e comedimento (quer dizer, o agir moral relevante, isto é, o que releva esse próprio agir), buscando (tendo por objetivo) evitar tudo o que acredita ser (agir de acordo com seus próprios critérios de conduta moral) fonte de erro e de dano (a ação decidida com responsabilidade, a fim de que não produza prejuízo a outrem), logo se pode concluir que a prudência é uma virtude cardeal. E, não-indiferentemente, é a principal dessas virtudes, pois que as outras lhes são conseqüentes como será visto.

 

CORAGEM

 

É muito difícil, para a maioria esmagadora das pessoas, marchar contra a multidão de consciências inconscientes, nadar contra a onda avassaladora do pensamento coletivo pré-fabricado, direcionado para qualquer fim subserviente às chamadas forças dominantes. Pois é nesta medida do enfrentamento, digamos heróico, ao processo de esmagamento das individualidades independentes pelas grandes coletividades massivamente avassaladoras, porque formam batalhões de autômatos já avassalados, é nesta medida, repito, que se pode compreender a coragem, ou a fortaleza, como uma virtude. Por isso mesmo, o conceito que melhor se ajusta a essa virtude não é o de ela consistir numa capacidade de ataque, ou por meio de uma tática de defesa agressiva. O mais adequado a ela é a idéia de resistência, de defesa intransigente de sua posição autônoma frente aos autômatos, até mesmo com absoluta resignação. Dessa formulação conceitual é que se pode dizer que os realmente corajosos são os dotados do superior espírito de luta para defender a verdade. Não a sua verdade, mas a verdade real, isto é, aquela que se encontra muitas vezes encoberta pela falsidade que se produz, se lança e se espalha como verdade, ou pela meia-verdade com força de verdade absoluta, ou pela “versão” dos fatos, criada tantas vezes para modificar os efeitos da verdade real caso ela possa ser descoberta, ou para servir de biombo ao cometimento de inúmeras formas de injustiça contra inimigos, adversários ou, simplesmente, pessoas indesejáveis.

 

TEMPERANÇA

 

A temperança surge aí como a virtude de alguém, já dotado da coragem virtuosa para enfrentar uma luta pela justiça, conseguir moderar, conter o ímpeto de sua ira, de sua indignação, a fim de não passar dos limites de uma reação impetuosa, porém controlada e inteligente a ponto de tornar-se eficaz. De qualquer sorte, a força motriz dessa impetuosidade virtuosa será sempre a verdade. Lutar pela verdade e com a verdade como única arma.

 

JUSTIÇA

 

Antes de mais nada, vale a pena lembrar que essa palavra tem inúmeros significados no vasto campo do Direito. No que interessa a este pronunciamento, Sr. Presidente, Sras. Deputadas e Srs. Deputados, vou ficar no particular dos seus conceitos filosóficos de virtude cardeal, conforme a análise em curso agora, e de valor jurídico. Neste conceito de valor, a palavra justiça aparece como sendo a finalidade moral a que visa a aplicação do Direito. Por assim dizer, sem a realização da justiça, tanto a norma jurídica será destituída de conteúdo ético e, portanto, vazia da verdadeira legitimidade que justifica a própria existência do direito, quanto sua aplicação não terá o mérito de ser, realmente, justa. A aplicação do direito, que diz respeito estritamente à prestação jurisdicional, também será objeto de algumas considerações a seguir, neste tópico.

 

A primeira virtude cardeal – a prudência -, na medida em que se refere ao agir moral, desfruta de uma posição de primazia em relação às outras três virtudes cardeais, porque estas também se referem a esse campo da conduta humana. E é bom repisar a idéia, frisada aqui anteriormente, de que a prudência só é efetivamente manifestada, só possui relevância ética e só se converte em virtude real pelo específico fato de ser uma decorrência direta e imediata da “verdade existente”, da “verdade observada”. É importantíssimo dizer que não se trata da “simples” verdade enquanto truísmo, isto é, da verdade evidente, da verdade comum, quer dizer da verdade que entra aos olhos, que qualquer um pode ver sem nenhum esforço para procurá-la e descobri-la. A verdade que motiva o agir prudente, vale dizer, uma decisão prudente, que é sempre uma decisão responsável, é a que, nos casos de dúvida ou de descrença na sua existência, ou de controvérsia sobre ela, exige que se a procure e descubra. Dito isto de uma forma que é de uso muito popular, para significar, porém, aqui e agora, uma coisa bem mais difícil do que se imagina encontrar com facilidade: trata-se da verdade verdadeira.

 

Ora, se a prudência consiste no agir humano, em particular no campo moral, e se concretiza sob a forma de decisão responsável, porque é embasada na “verdade verdadeira”, essa decisão prudente, necessariamente, é justa, ou seja, contém em si outra das virtudes cardeais, que é a justiça. Portanto, a justiça, como segunda das virtudes cardeais, é uma decorrência direta da prudência. E se esta tem como seu elemento gerador, formador e conformador a “verdade existente”, também a justiça, enquanto virtude, ou enquanto valor, conforme expus antes, provém dessa verdade verdadeira.

 

Mas, a justiça não é uma simples idéia, ou apenas um sentimento. Ela é um modo específico do agir humano, que, todavia, deve conter seus elementos constitutivos, precisamente aqueles que a caracterizam como virtude e valor. A esfera do agir humano onde a justiça se manifesta decisoriamente corresponde ao campo do Direito. Sendo assim, a justiça que se procura fazer, na área jurídica, é a que ocorre no âmbito das decisões judiciárias, as quais, não obstante embasadas nas normas do Direito estatal legislado, aplicável a cada caso objeto dessas decisões, teoricamente estão imbuídas do chamado “espírito de justiça” que nada mais é do que a suposta presença do justo na própria norma legal que será aplicada e a suposta aplicação virtuosa (prudência e justiça) do justo (valor que se atribui ao direito justo) pelo julgador.

 

Para haver essa “aplicação virtuosa” do justo (prudência e justiça), ela tem de estar fundada e deve refletir a verdade. Quer dizer, a verdade cujo conceito foi antes abordado. Mas, no caso das decisões judiciais, que não se restringem ao campo da moral, porque pertencem ao campo do Direito, o conceito de “verdade” é um pouquinho diferente do conceito filosófico que lhe é atribuído quando se trata da prudência e da justiça como virtudes cardeais.

 

A “VERDADE PROVADA”

 

Dizia eu que a idéia de “verdade existente”, ou do que chamei propositadamente de “verdade verdadeira”, para referir-me ao grande elemento motivador das virtudes da “prudência” e da “justiça”, no caso das decisões judiciais em que os magistrados dizem o e do Direito aplicável nos diferentes litígios a eles submetidos, a base dessas decisões é sempre relacionada aos fatos apresentados pelas partes litigantes. Esses fatos, por sua vez, têm de ser comprovados. Dito de outra forma, os fatos alegados têm, necessariamente, de corresponder à realidade de sua ocorrência. Nisso consiste a verdade da base fática em que se fundamenta qualquer decisão judicial no contencioso em que se a requereu. O pronunciamento da Justiça, portanto, tem de estar embasado na chamada “verdade dos autos”. E essa verdade tem a mesmíssima natureza filosófica daquela que está presente nas virtudes da prudência e da justiça, com um pequeno aspecto diferencial, que é o seguinte: a verdade em matéria controversa submetida a decisões judiciais é a verdade provada. Aí está, portanto, o diferencial, que é o indispensável conteúdo probatório da verdade. Não por mera coincidência, possivelmente por inferência lógica, a função jurisdicional, na parte essencial de seu exercício que é a prolação das decisões, chama-se jurisprudência.

 

O QUE ESTÁ EM JOGO?

 

Certamente que a descrição dos acontecimentos de então não se aplica apenas ao meu caso, embora seja particularmente quanto ao meu sentimento e às conseqüências do que venho sofrendo aquilo que estou manifestando no presente discurso. Por isso, vou aproveitar, Sr. Presidente, saindo um pouco do foco sobre mim mesmo, a que este pronunciamento visa, para destacar, em defesa do Partido a que pertenço e das pessoas que o integram, que várias delas viveram e vivem experiências parecidas com a minha, neste episódio. Posso assegurar que o PT nunca montou uma organização criminosa. É evidente que o PT, como um todo, foi o grande alvo daquele processo – volto a classificá-lo – de revanche. Sublinho que o PT tem uma história virtuosa nesses seus 27 anos de existência. É verdade que o Partido está mudando o Brasil com o governo do presidente Lula. O PT foi acusado, julgado e condenado, precoce, preconceituosa e sumariamente, de forma muito injusta. O Partido jamais organizou quadrilha, nem praticou o que se chamou de crime organizado. Errou nas escolhas políticas? O partido deve avaliar e tirar disso todos os ensinamentos. Também não só o PT, mas o governo e o próprio presidente Lula, pessoalmente, foram vítimas de achincalhe e vitupério. Durante um largo tempo, estrategistas da oposição, davam como certo o resultado desestabilizador da campanha de desmoralização do presidente da República e admitiam como inevitável a derrota eleitoral dele na sua tentativa de reeleição. Assim com a possibilidade de acabar com a nossa “raça”, líderes da oposição só falavam em manter a tática de deixar o presidente Lula “sangrar até morrer”. Mas, o presidente Lula, com sua reconhecida inteligência, com invejável habilidade política e, sobretudo, com a contraprova que apresentou durante a campanha, de que o seu governo – que também se deve salientar que é o governo do partido do presidente, o PT – tinha, como tem, produzido enormes resultados positivos, no plano econômico e social, comparativamente a outros governos desta República e aos de outros países na conjuntura que vivemos. Hoje existe quase que uma unanimidade no reconhecimento de que o governo do presidente Lula vem aperfeiçoando e consolidando os melhores fundamentos econômicos de que temos notícia nas últimas décadas. Isso visto também comparativamente à economia de outros países. Em todas as áreas, impressiona a ação do governo federal na melhoria das condições de vida e das expectativas pela retomada segura do nosso processo de desenvolvimento, aliado às ações de combate à pobreza, de redução das desigualdades e as políticas de inclusão social, com acesso tecnológico e benefícios gerais de toda ordem. O PAC está aí, em execução, para que possamos cumprir as metas de crescimento pretendidas pelo governo Lula. Este, sem dúvida, será um dos governos mais marcantes de nossa história, por tudo o que representa de modernidade e de inserção do País no panorama de progresso e de potencialidades transformadas em realidade concreta.

 

O LIVRO “ENTRE O SONHO E O PODER”

 

Minha indignação foi - ainda é - tanta que decidi prestar um longo e pleno depoimento, de vida privada e pública, onde digo absolutamente tudo a respeito de tudo. Esse depoimento, que é uma narrativa da minha militância política, foi feito à jornalista Denise Paraná, que o publicou recentemente, pela Geração Editorial, sob o título “Entre o Sonho e o Poder”. No discurso que ora pronuncio, alguma coisa do que está no livro pode ser encontrada. A importância maior que atribuo ao depoimento é que, enquanto o fazia totalmente de improviso e de um fluxo verbal praticamente ininterrupto, não contando com nenhum tipo de anotação escrita, só de memória fática, ele significou o primeiro passo no processo de reabilitação psicológica do violento golpe sofrido. Foi tudo que precisei para decidir, logo em seguida, enfrentar a vida que segue, candidatar-me a deputado federal, ser eleito e estar aqui novamente, dando continuidade a minha militância política.

 

OPÇÃO PELO SONHO

 

O título do livro que contém meu depoimento, “Entre o Sonho e o Poder”, significa, no limite, que, entre uma coisa e outra, opto pelo sonho, porque a utopia do ideal, representando o destino da realização material das idéias, é, sempre foi e será o ar que respiro e a substância de que sou feito como “ser político”. Por isso mesmo, no início deste pronunciamento, revelei o grande equívoco de ter interrompido minha carreira no Congresso Nacional, para trocá-la por uma tentativa de ser chefe de governo estadual. Repito: sou parlamentar por vocação e aqui quero viver minhas utopias. Poder, para mim, é, principalmente, o poder das idéias, o poder do convencimento pelo debate e o supremo poder da única via de persuasão possível, que é pela verdade e para que somente a justiça prevaleça! Sou feito de escolhas políticas e nunca fico na metade das coisas.

 

O SENTIDO DA MINHA MILITÂNCIA

 

Mas esta época está sendo marcada por coisas que me entristece e me envergonha....

 

Época da espetaculização total da vida.

 

Época onde todos os fetiches estão a venda.

 

Época do desprezo por tudo que é privado. O que conta, o que importa é tornar tudo público. Só aquilo que é visto por muitos é válido.

 

Época da vulgarização das ideologias e da política.

 

Época de radicalização dos fundamentalismos religiosos que produzem tragédias, seja em desatinos terroristas, seja na segregação das mulheres, seja na glorificação do autoflagelo dos adolescentes com seus cintos de bomba.

 

Época de violência bárbara, extrema e sem sentido algum, aqui e no mundo.

 

Época do retorno dos preconceitos, no mundo e aqui. Basta ver a reação radicalizada às declarações da Ministra Matilde, que expôs o cinismo - e o racismo - de uma parte da elite brasileira.

 

E na semana passada, o papa Bento 16, retorna à Inquisição ao ameaçar membros do parlamento e o prefeito da cidade do México de excomunhão pelo fato do aborto ter sido descriminalizado na capital mexicana. O papa reage com inclemência medieval a uma conquista histórica das mulheres mexicanas.

 

Do outro lado do mundo, na Europa, a França que produziu a mais libertária das revoluções, que cravou no espírito dos homens os valores que sustentam nossa civilização há 4 séculos, acaba de eleger um presidente que faz um ataque feroz, frontal e global à herança de Maio de 1968 e que propõe aos franceses “reatar a política com a moral, a autoridade, o trabalho e a nação” em substituição ao “cinismo de Maio de 68”, segundo ele. Eu sou herdeiro de 68. Minha geração é a geração que se constituiu sob os valores representados pelos estudantes franceses, rebelados naquele Maio de 68.

 

......

 

Isso tudo é que tornam ainda mais importantes e decisivas as experiências democráticas e progressistas na América Latina e do Brasil, em particular, com as mudanças processadas pelo governo Lula.

 

Os críticos ao nosso governo não estão percebendo que, hoje, o nosso continente é um oasis fértil nesse deserto de alternativas em que se transformou o mundo.

......

 

Quero de novo pedir desculpas a Vossas Excelências pelo tempo que lhes tomei, agradecer a suprema compreensão e paciência de me ouvirem, em especial no aspecto da indignação pessoal de que estou tomado.

 

Muito obrigado.


15 de Maio de 2007

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