Parlamento - Pronunciamentos

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GRANDE EXPEDIENTE

Genoino fala sobre sua proposta para a reforma política

Câmara dos Deputados - Detaq
Sessão: 158.3.53.O  
Orador: José Genoino
Data: 24/06/2009
Hora: 17:12


Deputado Eduardo Valverde - Concedo a palavra ao decano desta Casa, deputado José Genoino.

José Genoino - Sr. presidente, Sras. e Srs. deputados, eu quero falar para a Casa, para os deputados, para a sociedade sobre um tema que nós precisamos trazer à repercussão política para buscar energias capazes de enfrentar e solucionar adequadamente. Refiro-me, Sr. presidente, ao tema da reforma político-eleitoral.

Recentemente apresentei um parecer na Comissão de Justiça considerando inadmissível a PEC que trata de mais uma reeleição para prefeitos, governadores e presidente da República.

No meu parecer eu professo que, além das cláusulas pétreas implícitas que estão sendo prejudicadas com a emenda — por isso meu parecer pela inadmissibilidade —, a democracia é a certeza das regras e a incerteza do resultado. A democracia, como Bobbio diz, é o fortalecimento das regras do jogo, o aperfeiçoamento sem derramamento de sangue.

É a partir dessa visão que quero discutir na Casa, com a sociedade, o tema da reforma político-eleitoral. Esta Legislatura está diante de um impasse para cumprir esta tarefa, uma reforma que trate da democratização das instituições na relação eleitor e eleito, que trate da funcionalidade dos partidos e das instituições parlamentares, que trate da relação do Parlamento com os demais Poderes. Com o Executivo a pedra de toque são as medidas provisórias, com o Judiciário o calcanhar de Aquiles é a discussão sobre o controle da constitucionalidade.

Posso estabelecer uma governabilidade democrática em que as maiorias políticas se baseiem em programas, em projetos, e não, como existe hoje, no sistema uninominal. Essa idéia de uma reforma política tem que partir de outro pressuposto, o princípio de que todo poder emana do povo e só pode ser exercido diretamente ou pela representação. Nenhuma instituição do Estado que não nasce do voto tem legitimidade para substituir o poder político. Por isso o Parlamento e o Poder Executivo têm a legitimidade da fonte originária da democracia, que é o princípio de que todo poder emana do povo.

As instituições políticas não podem ficar prisioneiras, como acontece hoje, de 3 males. O primeiro, escândalos em cima de escândalos, e o Parlamento é visto como um caso de polícia e até dispensável para a maioria da opinião pública; segundo, a submissão à burocracia técnica, ou seja, a burocracia técnica do Estado substitui a política; terceiro, por ausência, por lacuna, o Poder Judiciário começa a judicializar a política. Há decisões judiciais com a idéia de que a política macula a democracia.

Tanto é, que vamos para um processo eleitoral, e todo o mundo parte do pressuposto — não nós que vamos para a disputa — de que a eleição é suja, temos que amarrá-la dentro de uma visão burocrática ou autoritária; os políticos são sujos, até que se prove o contrário.

Há uma suspeição do princípio da política de que todo poder emana do povo. Se não encararmos a reforma política democrática, não enfrentaremos esses dilemas, do peso da burocracia técnica — que se expressa, por exemplo, com medida provisória — ; das sentenças judiciais — porque há corporações do Estado que acham que representam o bem, e os políticos não têm capacidade. Urna, voto, campanha, comício. Isso acaba sendo uma visão ruim para a democracia. E os sucessivos escândalos provocados pela demonização e criminalização da política vão enfraquecendo o princípio legitimador da política de que todo poder emana do povo.

Nós temos que enfrentar essa questão, do ponto de vista do sistema eleitoral, se é voto em lista, se a eleição é uninominal, ou se é voto distrital. Temos que enfrentar o debate sobre financiamento público ou privado, porque só há duas maneiras de financiar política: ou pela via pública, ou pela via privada. Pela via pública, tem que ser transparente e com total publicidade; pela via privada, somos prisioneiros de uma lógica de que todo financiamento privado tem a marca do crime. Então temos que regulamentar essa questão. Temos que discutir como se organiza a relação partido/candidato/eleitor, porque os mandatos se assentam no tripé eleitor/partido/candidato. Nem é só o partido, nem é só o eleitor, nem é só o candidato. Temos que equilibrar este tripé.

Para isso, o princípio da fidelidade é fundamental, uma fidelidade nos termos da proposta de emenda à Constituição do deputado Flávio Dino, que nasce da urna e termina na urna. Portanto, o deputado pode sair de um partido para ser candidato por outro. Quem vai julgá-lo é o eleitor. E o princípio da fidelidade tem que estar associado à defesa dos programas e da ideologia dos partidos. Para isso, se nós queremos fortalecer o sistema proporcional, temos que aperfeiçoar as coligações proporcionais, porque, se é para fortalecer partidos com lista, não tem sentido coligação na eleição proporcional.

Cláusula de barreira não precisa ser discutida, porque, ao fortalecer o sistema de partido, da proporcionalidade, não se precisa ficar limitando ou colocando exigência, cláusula de barreira, no meu modo de entender.

É necessário que as eleições sejam uma festa popular e cívica. Hoje, há tantas restrições à eleição — não pode fazer isso, não pode fazer aquilo —, que o dia da eleição é o dia de maior calmaria no País. Parece um feriadão, com as pessoas em casa. Isso é um absurdo! Eleição é um momento de festa, de energia, de paixões, de confronto democrático, não essa coisa morta, que parece que não existe cidadania.

Temos que estabelecer nesse processo eleitoral o sistema de funcionamento da Câmara e do Senado. Na realidade, hoje não temos Casa Revisora. No presidencialismo bicameral, sem Casa Revisora é a balbúrdia, porque ora é a Câmara, ora é o Senado. Por isso, há o pingue-pongue e até o vazio legislativo. Temos que estabelecer prerrogativas próprias do Senado. Essa mistura é antidemocrática. No Senado são 3 senadores, independentemente do número de eleitores, para representar os Estados. A Câmara representa o povo. Por isso, a simbologia do Niemeyer é assim: entra aqui, e o senado revisa. Mas hoje não acontece isso.

Nós temos que estabelecer a relação do Parlamento com o Executivo. Essa medida adotada pelo presidente da Câmara é correta, mas não resolve o problema constitucional, porque é uma decisão da Mesa. Temos que votar a tramitação, a regulamentação e a limitação de medidas provisórias e temos que tratar de uma nova separação entre os 3 Poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário. O Judiciário, com o controle da constitucionalidade, de maneira concentrada ou difusa, acaba estabelecendo uma invasão no processo legislativo.

Estou citando esses casos para mostrar que a reforma político-eleitoral exige mudança constitucional. Para isso, diante desse impasse — estamos a poucos meses do início da campanha eleitoral —, temos que dar uma previsibilidade para a sociedade e para a população de como vamos resolver esse problema. Por isso, defendo a tese de um Congresso Revisor eleito em 2010. Deputados e senadores eleitos em 2010, além de suas competências constitucionais, reunir-se-ão paralelamente durante o ano de 2011 — de fevereiro a novembro — para votar, discutir e aprovar o sistema político e eleitoral e a organização dos Poderes, apenas os artigos referentes a esses 2 temas, vedada qualquer ampliação da revisão constitucional.

Essa revisão constitucional seria debatida durante a campanha eleitoral de 2010, sendo que cada partido disporia de horário na televisão para apresentação de suas propostas. O que o Congresso Nacional Revisor aprovar na votação em novembro de 2011, será submetido a referendo em 2012, para entrar em vigor em 2014.

Portanto, estamos respeitando o princípio da democracia, de que não se mudam as regras durante o jogo. Esse é outro item do parecer que apresentei na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania.

O Congresso Nacional Revisor possibilitaria unirmos deputados e senadores na mesma sessão, discutindo, negociando e aprovando a mesma proposta. Hoje a Câmara dos Deputados e o Senado Federal não dialogam, são Casas totalmente distintas uma da outra quando tratam de matérias como a da reforma política.

Estou aberto para discutir que o melhor caminho para enfrentar a questão é respeitar o quorum constitucional de três quintos, funcionando como sessão conjunta, porque essa previsibilidade já existe no funcionamento normal do Congresso Nacional.

Chamaríamos a população para participar da solução do impasse sobre a reforma política; faríamos um debate de mérito durante a campanha eleitoral; trabalharíamos paralelamente ao funcionamento ordinário da Câmara dos Deputados e do Senado Federal; e faríamos o referendo em 2012.

Portanto, apresentamos a perspectiva para tirar o sistema político eleitoral desse impasse e desse aprisionamento, que são motivo de permanente desgaste e constante falta de legitimação do princípio de que todo poder emana do povo.

Concedo o aparte ao nobre deputado professor Ruy Pauletti.

Deputado professor Ruy Pauletti - Deputado José Genoino, não poderia deixar de me manifestar para cumprimentar V.Exa. Sem dúvida nenhuma, esse assunto é hoje de grande interesse da Nação. Acho que a reforma política é a primeira que deva ser feita. Não me refiro a uma reforma apenas eleitoral, que venha resolver problemas momentâneos, pois a reforma política já começa pelo sistema de governo. Temos de discutir se queremos o sistema parlamentarista ou o presidencialista. Temos de redefinir o sistema da Federação.

Sem dúvida nenhuma, qualquer reforma, em especial a tributária, deve fortalecer os municípios. Portanto, ao cumprimentar V.Exa. por abordar o assunto, acrescento que hoje o Poder Executivo está legislando e elaborando a pauta do Legislativo. Isso também tem ser corrigido, portanto, deve ser incluído na reforma política. Mas, minha intenção é continuar a ouvir V.Exa., que faz uma brilhante exposição. Traga esse tema mais vezes, pois precisamos discutir essa que, sem dúvida nenhuma, deverá ser a primeira reforma a ser feita no País.

José Genoino - Deputado professor Ruy Pauletti, incorporo o aparte de V.Exa. ao meu pronunciamento. Registro que me referi à relação com o Poder Executivo quando citei o caso das medidas provisórias, que precisam de regulamentação constitucional. Também falei sobre a alta burocracia estatal, que estabelece relação de tutela com o Parlamento. Não quero abordar a crise no Senado, mas vejam V.Exas.: mesmo no Poder Legislativo, existem alguns burocratas altamente capacitados, com estabilidade e altos salários, que têm um poder muito maior do que o dos próprios Parlamentares. Isso é um problema que ocorre na máquina do Estado, que devemos corrigir.

Ouço o deputado Fernando Ferro.

Deputado Fernando Ferro - Meu caro deputado José Genoino, parabenizo V.Exa. pelo pronunciamento, que apresenta a esta Casa uma proposta para mudar os procedimentos do nosso sistema eleitoral. Ao mesmo tempo, registro que isso pode ser feito utilizando, inclusive, uma série de iniciativas em tramitação na Casa, que deveriam ser apensadas num mesmo processo. De fato, deveria ser dado prioridade a essa discussão na Casa, para superar a sequência de crises — que não ocorrem por acaso, pois estão ligadas à natureza da nossa legislação eleitoral. Portanto, é urgente modificar isso. Para tanto, é preciso enfrentar a crise e mudar as referências que a sociedade brasileira tem hoje do Parlamento, inclusive péssimas em alguns momentos, em virtude do que vem acontecendo sucessivamente. Ao mesmo tempo, parabenizo V.Exa. pela posição em relação à PEC do Terceiro Mandado, como foi denominada por aí.

V.Exa. disse, com muita propriedade, que não se pode aproveitar do sucesso momentâneo que tem o governo do presidente Lula, do índice de aprovação de S.Exa., para, de forma casuística, querer alterar essa regra do jogo. Isso tem de ser pensado em uma reforma mais ampla, não de forma pontual, respondendo a uma vontade localizada e conjuntural. Portanto, V.Exa. colaborou para consolidar a visão de cultura democrática, de não se mudar a regra do jogo. Isso foi feito em passado recente, quando, em função de sucessos conjunturais, propuseram outra regra para o jogo, aproveitando-se da onda então existente. O procedimento de V.Exa. revela que o nobre colega está extremamente centrado na realidade. Não podemos fazer remendos, temos de nos dedicar a uma tarefa mais ampla e complexa. Como sugere V.Exa., poderia ser uma espécie de miniconstituinte atinente apenas à legislação eleitoral, sem entrar em outras searas ou pretender, outras transformações e mudanças. Se assim fosse, poderia prejudicar o objetivo imediato, que é dotar o País de um sistema político-eleitoral mais adequado e estável, que nos permita enfrentar esse momento que estamos vivendo. Parabéns pelo pronunciamento, deputado José Genoino.

José Genoino - Obrigado, deputado Fernando Ferro.

Concedo um aparte ao deputado Daniel Almeida.

Deputado Daniel Almeida - Nobre deputado José Genoino, parabenizo V.Exa. pelo pronunciamento e pela persistência em relação a esse tema relevante. Há uma certa frustração porque não conseguimos produzir avanços significativos nessa questão, embora ela estivesse presente nos programas dos últimos governos e nos planos de trabalho apresentados pelos presidentes da Casa nos últimos anos. Registro que sou cada vez mais adepto e entusiasta da proposta que V.Exa. apresenta. Sabemos que não é fácil fazer reforma política. Mudar a estrutura político-eleitoral no País não é algo simples de se fazer. Mas essas mudanças são absolutamente necessárias. E o caminho que V.Exa. está indicando é exatamente esse: não ficarmos repetindo isso nos programas dos candidatos, partidos e dirigentes desta Casa, mas encontrarmos um espaço adequado para enfrentar o problema. Quando estabelecemos que o tema estará presente no debate eleitoral e haverá, institucionalmente, a obrigação de se fazer a reforma política em determinado tempo, seremos obrigados a dar uma resposta à sociedade. Até podemos produzir um texto que não seja o ideal, porque não é fácil, mas teremos de dar uma resposta no prazo determinado.

Portanto, acho que esse é um bom caminho. Hoje estamos verificando que o possível será provavelmente ajustar o processo eleitoral que vigorará na eleição do ano que vem. Isso é muito pouco e limitado, por maiores que sejam os avanços e a regulamentação sobre o uso da Internet, entre outros caminhos. Portanto, parabéns a V.Exa. Estou cada vez mais acreditando que essa proposta vai conquistar o apoio necessário da Casa.

José Genoino - Muito obrigado.

Peço um pouco de tolerância ao presidente. Concederei um aparte ao deputado Luiz Couto e depois ao deputado Paes Landim.

Deputado Luiz Couto - Deputado José Genoino, parabenizo V.Exa. pelo pronunciamento. Mas registro algo importante: ao se fazer remendo novo em pano velho, o pano velho rasga e o novo vira molambo. Temos que construir um tecido novo, uma nova cultura política no País, porque a atual está apodrecida e corrompida. Ou mudamos ou daqui a um tempo, deputado, apenas teremos, nesta Casa, magnatas e grandes empresários, que tiveram recursos para financiar a campanha; ou pessoas ligadas ao crime organizado, que foram por ele financiadas. Há necessidade de se fazer, sim, a reforma política. Mas uma reforma política que traga novo tecido para a relação entre os 3 Poderes, entre os municípios e os estados, enfim. V.Exa. tem toda razão: ou enfrentamos isso, ou vamos ficar reféns das várias crises que acontecem. Temos de buscar a construção desse tecido novo, uma reforma com nova estrutura, porque, se formos ficar fazendo remendos, teremos apenas molambo — e não queremos que a reforma política seja um molambo.

Deputado Paes Landim - Deputado José Genoino, V.Exa., um dos poucos pensadores desta Casa, está sempre inovando os debates. Independentemente de concordar ou não com as idéias que apresenta, registro que V.Exa. enriquece o debate do Parlamento brasileiro. Primeiramente, V.Exa. prestou contribuição no seu parecer a respeito de reeleição, inclusive citando o grande pensador Norberto Bobbio. Agora V.Exa. traz ao debate um tema importante: a reforma políticad entro de um debate constitucional pré-programado, com previsão para 2011, na qual a estrutura política do País e o pleito eleitoral serão amplamente debatidos. Oxalá eu tenha oportunidade de estar ao lado do nobre deputado, para dar minha modesta contribuição a esse importante debate que V.Exa., em boa hora, lança nesta Casa. Meus parabéns! V.Exa. realmente é um dos grandes Parlamentares que engrandecem a história da Instituição.

José Genoino - Agradeço aos meus colegas os apartes e os incorporo ao meu pronunciamento.

Concluindo, Sr. presidente, é urgente e imprescindível uma reforma política-eleitoral que democratize a democracia, que aproxime do eleitor e que dê transparência ao funcionamento das instituições.

Devemos discutir, independente de oposição e de situação, qual o melhor caminho para, dialogando com a sociedade, viabilizar uma solução para o impasse da reforma política-eleitoral. Estou convencido disso e vou ser um militante de uma reforma política-eleitoral democrática.

Muito obrigado, Sr. presidente.

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